domingo, 2 de junho de 2013

Curso de Liturgia: conceito e a natureza da liturgia

 
Curso de Liturgia - Prof. Vanderson de Sousa Silva
 

terça-feira, 14 de maio de 2013

PENTECOSTES
(Prof. Vanderson de Sousa Silva)

 a) Definição: A palavra “Pentecostes” vem do grego e significa "Qüinquagésimo". É o 50° dia depois da festa da Páscoa. É a solenidade da vinda do Espírito Santo. Junto com Natal e a Páscoa, forma o tripé mais importante do Ano Litúrgico; esta é a razão que explica porque o Pentecostes pertence ao Ciclo da Páscoa.


Antes de ser uma festa dos cristãos, Pentecostes foi festa dos judeus, cuja origem se perdeu nas sombras do passado. Antes de se chamar assim, tinha outros nomes, tais como: Festa da Colheita (Ex 23,14-17), porque celebrava-se na colheita dos primeiros feixes de trigo; Festa das Semanas (Ex 34,22). A explicação desta designação nos é dada pelo Levítico (23,15-21) segundo o qual se calculava 7 semanas a partir do início da colheita do trigo: 7 semanas x 7 dias = 49 dias. Portanto, tratava-se de uma festa eminentemente agricola.

Com o tempo, o Pentecostes perdeu a sua ligação com a vida dos agricultores, recebeu o nome grego de Pentecostes e tornou-se uma festa cívico-religiosa. No tempo de Jesus, o Pentecostes recordava também o dia em que, no Monte Sinai, Deus entregou as tábuas da Lei a Moisés (os Dez Mandamentos). Por isso, os Actos dos Apóstolos fazem coincidir a vinda do Espírito Santo com a festa judaica de Pentecostes.


b) O Pentecostes cristão: origem e evolução

Desde o princípio, o Pentecostes cristão foi uma sucessão de 50 dias, começando pelo Domingo da Ressurreição, e incluia a solenidade de Pentecostes e suas vigílias. Sob influência do livro dos Actos dos Apóstolos, celebrava-se nesses dias a descida do Espírito Santo. No século IV, a noite de Pentecostes era reservada aos baptismos adiados, tudo era organizado a modelo da vígilia pascal.


Aorigem do Pentecostes cristão é narrada por São Lucas (Actos 2,1-11). Sem muita busca, seríamos tentados a responder que apenas os Doze apóstolos são os que receberam o Espírito Santo. Mas lendo com atenção o contexto desse acontecimento poderemos chegar a outras conlcusões.
De facto, em Actos dos Apóstolos, São Lucas diz-nos o seguinte:

«Antes que viesse o Espírito, os apóstolos voltaram para Jerusalém, pois se encontravam no chamado monte das Oliveiras, não muito longe de Jerusalém: uma caminhada de sábado. Entraram na cidade e subiram para a sala de cima, onde costumavam hospedar-se. Aí estavam Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão Zelote e Judas, filho de Tiago. Todos eles tinham os mesmos sentimentos e eram assíduos na oração, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, com os irmãos de Jesus. Aí estava reunido um grupo de mais ou menos cento e vinte pessoas» (Act 1,12-15a).

Além disso, no dia de Pentecostes, já com Matias substituindo o discípulo traidor (Judas), Lucas afirma que “todos eles estavam reunidos no mesmo lugar” (Act 2,1). O seu discurso, depois de terem recebido o Espírito Santo, Pedro cita o profeta Joel, que previa a efusão do Espírito sobre todas as pessoas:

«Nos últimos dias, diz o Senhor, eu derramarei o meu Espírito sobre todas as pessoas. Os filhos e filhas de vocês vão profetizar, os jovens terão visões e os anciãos terão sonhos. E, naqueles dias, derramarei o meu Espírito também sobre meus servos e servas, e eles profetizarão» (Act 2,17-18; Joel 3,1-5). Não se pode, portanto, afirmar que somente os Doze apóstolos é que receberam o Espírito.

c) O fenómeno de falar em línguas

O dom de falar línguas estranhas era um fenômeno restrito, praticamente às comunidades cristãs de Corinto. Esse dom tem pouco a ver com a Pentecostes narrado em Actos 2,1-11. Em Corinto, as pessoas rezavam a Deus em línguas estranhas, todas juntas, sem que alguém compreendesse coisa alguma. Paulo põe ordem nessa "babel", mandando que orem um por cada vez, com intérprete (1 Cor 12-14). Mas o livro dos Actos dos Apóstolos relata o seguinte:

«Todos ficaram repletos do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem. Acontece que em Jerusalém moravam judeus devotos de todas as nações do mundo. Quando ouviram barulho, todos se reuniram e ficaram confusos, pois cada um ouvia, na sua própria língua, os discípulos falarem. Espantados e surpresos, diziam: 'Esses homens que estão falando, não são todos galileus? Como é que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna? ... E cada um de nós em sua própria língua os ouve anunciar as maravilhas de Deus!» (2,4-8.11).

São Lucas montou fala-nos do episódio de Pentecostes sobre o molde da entrega da Lei a Moisés, ou seja, sobre o molde do Pentecostes judaico. Comparando Actos 2,1-11 com Êxodo 19,1-20,21, notam-se coincidências consideráveis: Em Êxodo, todo o povo reunido ao redor do monte; em Actos, o mundo inteiro reunido em Jerusalém. No Êxodo, relâmpagos, trovões, nuvem escura etc., símbolos de teofania (manifestação de Deus); nos Atos, vento forte, línguas de fogo, (símbolos teofánicos da manifestação do Espírito de Deus).

d) A Teologia de Pentecostes



A mensagem de Pentecostes é ilustrada, sobretudo, pelas suas próprias leituras, que são sempre as mesmas: Act 2,1-11; 1 Cor 12,3b-7.12-13; Jo 20,19-23. Nestas leituras encntramos:

1. O Espírito Santo é supremo dom do Pai e de Jesus dado à Humanidade.
2. Ao soprar o Seu Espírito sobre os discípulos, Jesus está recriando a Humanidade.
3. Recebendo o Espírito de Jesus, os cristãos recebem igualmente a mesma missão, dada aos Apóstolos, que é de anunciar a mensagem do Mistério Pascal.
4. O Espírito Santo é dado a todos. Ninguém fica sem ele, e ninguém o possui plenamente.
5. O Espírito leva a Humanidade a formar uma só família, no amor, ideia diferente de Babel.

Por isso, para marcar o fim do tempo Pascal, é apagado o cirio Pascal, não mais depois da proclamação do Evangelho da Ascensão, mas depois das completas do domingode Pentecostes.


V. TEOLOGIA DO TEMPO PASCAL

A teologia deste tempo é: O Jesus, que nos salva plenamente, segundo o plano de Deus, não é o Jesus de Natal e da Cruz, mas o ressuscitado e glorificado, Aquele que foi costituído pelo Pai como Messias e Senhor no pleno exercício do seu sacerdócio, Novo Adão e fonte do Espírito vivificante.

O mistério da ascensão, que é também parte integrante do Mistério Pascal, constitui a inauguração da realeza universal e cósmica do Senhor e do seu poder no mundo (Ef 1, 22-23).

O Tempo Pascal, em que Deus encerrou a celebração da Páscoa, conclui-se com a solenidade da vinda do Espírito Santo (o Domingo de Pentecostes) que leva ao cumprimento pleno o Mistério Pascal e revela a todos os povos os mistérios ocultos nos séculos, reunindo as linguagens da família humana na profissão duma única fé[7].



Na Páscoa a liturgia alcança o seu valor perene e existencial, que faz dela a razão de vida do cristianismo, não como proposição doutrinal, mas como momento em que se realiza o Mistério de Cristo (SC 2). É a partir do evento Pascal que a Páscoa de Cristo é colocada no centro da História da Salvação e no centro de toda liturgia [8].

Com a Páscoa toda Humanidade foi verdadeiramente liberta e salva. Por isso, a SC 5, vê a Ressurreição e a Ascensão de Cristo como a chave do Mistério Pascal, não se detendo a ressaltar apenas a natureza do evento, mas também o seu sentido escatológico: a Páscoa de Cristo pre-anuncia a Pascoa dos homens. Enquanto na Incarnação realiza-se a união da Humanidade com Deus, no Tempo Pascal manifesta-se a glória de Deus à Humanidade.


CONCLUSÃO

Tempo Pascal é o período litúrgico que vai desde o Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor até a solenidade do Pentecostes. É constituído por 50 dias, ou seja, 8 semanas litúrgicas, por isso, também se chamado de Quinquagésima Pascal. Durante este tempo celebra-se o mistério salvífico de Cristo (Morte, Ressurreição, Ascensão e Pentecostes) como uma única festa, pois todos os dias são festivos.


Os primeiros 8 dias, formam a Oitava da Páscoa, celebram o Mistério Pascal com maior vigor e alegria como se fosse o mesmo dia da Ressurreição. No Tempo Pascal encontramos três solenidades que integram o Mistério Pascal (Páscoa do Senhor, Ascensão do Senhor e Pentecostes). Todos os dias cantam-se o Aleluia e o Glória.

Devido as exigências da vida moderna, a estrutura do Tempo Pascal foi sofrendo modificações até chegar a forma actual, segundo o Missal Romano, mas sem perder o seu sentido teológico e eclesial, que é de constituir o período mais carcante da vida da Igreja.

Bibliografia
MARTIMORT A. G., A Igreja em Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, 1965.
VIDIGAL J. R., Anámnesis 1, Paulinas, São Paulo, 1991.
AUGÉ M., Anamnesis 5, O Ano Litúrgico – História, Teologia e Celebração, Paulinas, São Paulo 1991.
BERGAMINI A, Tempo Pascal, DL, Paulinas, São Paulo 1992.


[1] Cf. M. AUGÉ, Anamnesis 5, O Ano Litúrgico – História, Teologia e Celebração, Paulinas, S. Paulo 1991, p.132.
[2] Cf Ibidem, p. 136.
[3] Cf. A. G. MARTIMORT, A Igreja em Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, 1965. P. 821.
[4] Ibidem.
[5] Cf. M. AUGÉ, Op. cit, p.139.
[6] Idem, p. 140.
[7] Cf. A. BERGAMINI, Tempo Pascal, in Dicionário de Liturgia, Paulinas, S. Paulo 1992, p. 1201.
[8] Cf. J. R. VIDIGAL, Anámnesis 1, S. Paulo, 1991, p 117.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Advento: esperança pela salvação

 

À luz da liturgia da Igreja e de seus conteúdos podemos resumir algumas linhas do pensamento teológico e da vivência existencial deste tempo de graça.

1. Advento, tempo de Cristo: a dupla vinda

A teologia litúrgica do Advento se encaminha, nas duas linhas enunciadas pelo Calendário romano: a espera da Parusia, revivida com os textos messiânicos escatológicos do AT e a perspectiva de Natal que renova a memória de algumas destas promessas, já cumpridas, ainda que não definitivamente.

O tema da espera é vivido na Igreja com a mesma oração que ressoava na assembléia cristã primitiva: o Marana-tha (Vem Senhor) ou Maran-athá (o Senhor vem) dos textos de Paulo (1 Cor 16,22) e do Apocalipse (Ap 22,20), que se encontra também na Didaché e, hoje, em uma das aclamações da oração eucarística. Todo o Advento ressoa como um "Marana-thá" nas diferentes modulações que esta oração adquire nas preces da Igreja.


                       
 A palavra do Antigo Testamento convida a repetir na vida a espera dos justos que aguardavam o Messias; a certeza da vinda de Cristo na carne estimula a renovar a espera da última aparição gloriosa na qual as promessas messiânicas terão total cumprimento já que até hoje se cumpriram só parcialmente. O primeiro prefácio de Advento canta esplendidamente esta complexa, mas verdadeira realidade da vida cristã.

O tema da espera do Messias e a comemoração da preparação para este acontecimento salvífico atinge o auge nos dias que precedem o Natal. A Igreja se sente submersa na leitura profética dos oráculos messiânicos. Lembra-se de nossos Pais na Fé, patrísticos e profetas, escuta Isaías, recorda o pequeno núcleo dos anawim de Yahvé que está ali para esperá-lo: Zacarias, Isabel, João, José, Maria.

O Advento é, pois, como uma intensa e concreta celebração da longa espera na história da salvação, como o descobrimento do mistério de Cristo presente em cada página do AT, do Gênesis até os últimos livros Sapienciais. é viver a história passada voltada e orientada para o Cristo escondido no AT que sugere a leitura de nossa história como uma presença e uma espera de Cristo que vem.


                       
Hoje na Igreja, Advento é como um redescobrir a centralidade de Cristo na história da salvação. Recordam-se seus títulos messiânicos através das leituras bíblicas e das antífonas: Messias, Libertador, Salvador, Esperado das nações, Anunciado pelos profetas... Em seus títulos e funções Cristo, revelado pelo Pai, se converte no personagem central, a chave do arco de uma história, da história da salvação.

2. Advento tempo por excelência de Maria, a Virgem da espera

É o tempo mariano por excelência do Ano litúrgico. Paulo VI expressa isso com toda autoridade na Marialis Cultus, nn. 3-4.

Historicamente a memória de Maria na liturgia surgiu com a leitura do Evangelho da Anunciação antes do Natal naquele que, com razão, foi chamado o domingo mariano prenatalício.

 

Hoje o Advento recupera plenamente este sentido com uma serie de elementos marianos da liturgia, que podemos sintetizar da seguinte maneira:

- Desde os primeiros dias do Advento há elementos que recordam a espera e a acolhida do mistério de Cristo por parte da Virgem de Nazaré.

- a solenidade da Imaculada Conceição se celebra como "preparação radical à vinda do Salvador e feliz principio da Igreja sem mancha nem ruga ("Marialis Cultus 3).

- dos dias 17 a 24 o protagonismo litúrgico da Virgem é muito característico nas leituras bíblicas, no terceiro prefácio de Advento que recorda a espera da Mãe, em algumas orações, como a do dia 20 de dezembro que nos traz um antigo texto do Rótulo de Ravena ou na oração sobre as oferendas do IV domingo que é uma epíclesis significativa que une o mistério eucarístico com o mistério de Natal em um paralelismo entre Maria e a Igreja na obra do único Espírito.

Em uma formosa síntese de títulos. I. Calabuig apresenta nestas pinceladas a figura da Virgem do Advento:

- é a "Cheia de graça", a "bendita entre as mulheres", a "Virgem", a "Esposa de Jesus", a "serva do Senhor".

- é a mulher nova, a nova Eva que restabelece e recapitula no desígnio de Deus pela obediência da fé o mistério da salvação.

- é a Filha de Sião, a que representa o Antigo e o Novo Israel.

- é a Virgem do Fiat, a Virgem fecunda. É a Virgem da escuta e acolhe.

Em sua exemplaridade para a Igreja, Maria é plenamente a Virgem do Advento na dupla dimensão que a liturgia tem sempre em sua memória: presença e exemplaridade. Presença litúrgica na palavra e na oração, para uma memória grata dAquela que transformou a espera em presença, a promessa em dom. Memória de exemplaridade para uma Igreja que quer viver como Maria a nova presença de Cristo, com o Advento e o Natal no mundo de hoje.

Na feliz subordinação de Maria a Cristo e na necessária união com o mistério da Igreja, Advento é o tempo da Filha de Sião, Virgem da espera que no "Fiat" antecipa o Marana thá da Esposa; como Mãe do Verbo Encarnado, humanidade cúmplice de Deus, tornou possível seu ingresso definitivo, no mundo e na história do homem.

3. Advento, tempo da Igreja missionária e peregrina

A liturgia com seu realismo e seus conteúdos põe a Igreja em um tempo de características e expressões espirituais: a espera, a esperança, a oração pela salvação universal.

Preparando-nos para a festa de Natal, nós pensamos nos justos do AT que esperaram a primeira vinda do Messias. Lemos os oráculos de seus profetas, cantamos seus salmos e recitamos suas orações. Mas nós não fazemos isto pondo-nos em seu lugar como se o Messias ainda não tivesse vindo, mas para apreciar melhor o dom da salvação que nos trouxe. O Advento para nós é um tempo real. Podemos recitar com toda verdade a oração dos justos do AT e esperar o cumprimento das profecias porque estas ainda não se realizaram plenamente; se cumprirão com a segunda vinda do Senhor. Devemos esperar e preparar esta última vinda.

No realismo do Advento podemos recolher algumas atualizações que oferecem realismo à oração litúrgica e à participação da comunidade:

- a Igreja ora por um Advento pleno e definitivo, por uma vinda de Cristo para todos os povos da terra que ainda não conheceram o Messias ou não reconhecem ainda ao único Salvador.

- a Igreja recupera no Advento sua missão de anúncio do Messias a todas as gentes e a consciência de ser "reserva de esperança" para toda a humanidade, com a afirmação de que a salvação definitiva do mundo deve vir de Cristo com sua definitiva presença escatológica.

- Em um mundo marcado por guerras e contrastes, as experiências do povo de Israel e as esperas messiânicas, as imagens utópicas da paz e da concórdia, se tornam reais na história da Igreja de hoje que possui a atual "profecia" do Messias Libertador.

- na renovada consciência de que Deus não desdiz suas promessas –confirma-o o Natal!- a Igreja através do Advento renova sua missão escatológica para o mundo, exercita sua esperança, projeta a todos os homens um futuro messiânico do qual o Natal é primícia e confirmação preciosa.

À luz do mistério de Maria, a Virgem do Advento, a Igreja vive neste tempo litúrgico a experiência de ser agora "como uma Maria histórica" que possui e dá aos homens a presença e a graça do Salvador.

 A espiritualidade do Advento resulta assim uma espiritualidade comprometida, um esforço feito pela comunidade para recuperar a consciência de ser Igreja para o mundo, reserva de esperança e de gozo. Mais ainda, de ser Igreja para Cristo, Esposa vigilante na oração e exultante no louvor do Senhor que vem.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O Concílio Vaticano II - segundo avaliação do liturgista Andrea Grillo

O Concílio Vaticano II foi um evento linguístico. Entrevista especial com Andrea Grillo




 
“O cerne da questão é: estamos ainda convencidos de que a “participação ativa” de todos os batizados na única ação ritual é o ponto de virada para a consciência eclesial do novo milênio?”, pergunta o teólogo italiano.

Para o teólogo Andrea Grillo, o Concílio Vaticano II é um “grande ato profético com o qual a Igreja tentou retomar o fio da sua melhor tradição, superando a crise de identidade que os séculos XIX e XX haviam profundamente manifestado”. Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o estudioso argumenta que o Concílio buscava “restituir à liturgia toda a riqueza que a tradição havia experimentado nela”.
Por isso, acentua, “teve que pensar grande não apenas segundo as lógicas do segundo milênio, mas também segundo as do primeiro milênio. Por isso ele falou uma linguagem muito mais bíblica e patrística do que sistemática; pensou mais em termos de experiência comunitária do que nos termos de ‘salvação da alma’”. E vale-se de uma afirmação do historiador norte-americano O’Malley, ponderando que esse evento foi, acima de tudo, um “evento linguístico”.
Andrea Grillo (foto ao lado, com seus dois filhos Fonte: http://andreagrillo.altervista.org/) é filósofo e teólogo italiano, especialista em liturgia e pastoral. Doutor em teologia pelo Instituto de Liturgia Pastoral de Pádua, é professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano de Ancona e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua. Desde 2007, leciona como professor convidado na Faculdade Teológica de Lugano, e, desde 2008, na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Também é membro da Associação Teológica Italiana e da Associação dos Professores de Liturgia da Itália.

Teólogo, liturgista e professor de Santo Anselmo de Roma - Andrea Grillo

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que análise o senhor faz do Concílio Vaticano II, aberto pelo Papa João XXIII em 11 de outubro de 1962, a partir da perspectiva litúrgica?
Andrea Grillo – O Concílio Vaticano II, considerado 50 anos depois sobre o plano do seu “magistério litúrgico”, aparece verdadeiramente como um grande ato profético com o qual a Igreja tentou retomar o fio da sua melhor tradição, superando a crise de identidade que os séculos XIX e XX haviam profundamente manifestado. Obviamente, a 50 anos de distância, permanece intacta – e talvez ainda mais urgente – a necessidade de compreender até o fim a intenção “tradicional” do Concílio. Assegurar a continuidade da tradição mediante algumas abençoadas “descontinuidades”. Acerca disso, nos últimos anos, a consciência eclesial entrou em dificuldades, perdeu a lucidez. Ao menos nas suas cúpulas. O cerne da questão é: estamos ainda convencidos de que a “participação ativa” de todos os batizados na única ação ritual é o ponto de virada para a consciência eclesial do novo milênio?

IHU On-Line – Qual é o sentido e a importância da reforma litúrgica que foi promovida pelo Concílio, para a caminhada da Igreja?
Andrea Grillo – Justamente para a vida da Igreja de hoje e de amanhã é importante, sobretudo, amadurecer uma consciência lúcida sobre esse fato: a Reforma Litúrgica foi – e continua sendo – um ato de serviço à possibilidade de que toda a Igreja, em todas as suas expressões, possa sempre recomeçar e se culminar (fons et culmen) em uma ação simbólico-ritual de comunhão com o seu Senhor Jesus. Restituir aos ritos a primeira e a última palavra: esse foi o grande propósito que a Reforma se prefixou e que, hoje, põe em jogo as boas (ou más) intenções de todos aqueles que, no rito, devem se perder para se reencontrar, devem “tomar a iniciativa de perder a iniciativa”, como escreveu o grande filósofo Marion . Nessa “espoliação de si”, a liturgia espera muito de clérigos e de leigos, de homens e de mulheres.

IHU On-Line – A partir do Vaticano II, que perspectivas litúrgicas se abriram?
Andrea Grillo – No discurso com o qual Paulo VI inaugurou a segunda sessão do Concílio em setembro de 1963 – a sessão da qual brotaria o texto definitivo da SC [Sacrosanctum Concilium] –, ele afirmava que a Igreja com o Concílio devia dar a melhor expressão ao que pensa de si mesma. A redescoberta de que, na ação litúrgica, “continua a obra da redenção”, continua o “ofício sacerdotal de Cristo”, se institui uma experiência de comunhão, de louvor, de ação de graças, de bênção, que nela todos os batizados descobrem o “dom” de serem convidados e que toda a Igreja se desdobre marcada por esse ministério de anúncio do Evangelho: toda essa perspectiva de compreensão da liturgia parece ser capaz de renovar profundamente não tanto a própria liturgia – que, contudo, tinha uma grande necessidade disso –, mas sim a qualidade das relações eclesiais, do estilo espiritual e da vida testemunhal dos discípulos de Cristo.

IHU On-Line – Dentre os objetivos relativos à liturgia (Sacrosanctum Concilium), o Concílio propôs um resgate de importantes princípios litúrgicos das primeiras comunidades cristãs. Que princípios eram esses e qual foi a importância de resgatá-los?

Andrea Grillo – Evidentemente, o Concílio, ao visar a restituir à liturgia toda a riqueza que a tradição havia experimentado nela, teve que pensar grande não apenas segundo as lógicas do segundo milênio, mas também segundo as do primeiro milênio. Por isso ele falou uma linguagem muito mais bíblica e patrística do que sistemática; pensou mais em termos de experiência comunitária do que nos termos de “salvação da alma”; olhou positivamente para a riqueza das diferenças, em vez de negativamente para a alteração da verdade; escolheu a profecia de “ventura” contra os profetas da desventura; fez prevalecer a redescoberta do uso em lugar da denúncia do abuso. Desse ponto de vista, não há no Concílio nenhuma tendência “arqueológica”, mas sim um interesse fundamental pelo enriquecimento de uma prática ritual que havia assumido estilos, palavras e formas fechadas demais, autorreferenciais demais e, muitas vezes, sem mais capacidade de comunicação.

IHU On-Line – Entre esses princípios, o senhor poderia aprofundar a categoria de ‘mistério pascal’? Quais os desdobramentos desse conceito para a reflexão teológica e pastoral?
Andrea Grillo – As consequências dessa redescoberta são, ao mesmo tempo, institucionais e espirituais. Do ponto de vista institucional, a recuperação da centralidade da categoria de “mistério pascal” recolocou no centro da experiência eclesial o dom da graça recebido por todos, ao mesmo tempo por clérigos e leigos. Ao redimensionamento das pretensões de uma societas perfecta, correspondeu a redescoberta da qualidade espiritual da vida laical, marcada também por uma relação estrutural – batismal e eucarística – com o mistério pascal. Para favorecer esse desenvolvimento, no entanto, a Igreja apenas começou a desenvolver novas formas de linguagem e novas formas de relação. Aqui tem razão o historiador norte-americano O’Malley: o Concílio foi acima de tudo um “evento linguístico”. Ele modificou o modo de se expressar da Igreja. E, contudo, como a linguagem não é só expressão, mas também, e sobretudo, experiência, ele modificou a experiência da Igreja, contanto que permaneçamos conscientes de poder e ter que mudar de linguagem.

IHU On-Line – Qual a importância da celebração comunitária, na perspectiva do Vaticano II?

Andrea Grillo – O Concílio Vaticano II, retomando algumas intuições importantes elaboradas pelo Movimento Litúrgico ao longo dos séculos XIX e XX, começou, com autoridade, a superar um “paradigma individualista” da relação com Cristo e com a Igreja. Tal paradigma havia brotado do impacto entre o modelo clássico e tradicional de vida cristã e o mundo moderno. Se o Concílio de Trento havia – em 1500 – favorecido a passagem “da comunidade ao indivíduo”, 400 anos depois, o Vaticano II demarcou a retomada do primado da comunidade sobre o indivíduo. Isso significou um reequilíbrio profundo e complexo entre vida espiritual, estruturas institucionais e ações rituais. Tal processo de calibragem ainda está em plena elaboração e implica grandes sacrifícios, seja para os indivíduos, seja para as comunidades, mas também oportunidades muito grandes.

IHU On-Line – Para a vivência celebrativa, qual o significado e o alcance da Igreja ‘Povo de Deus’ e da Igreja ‘Comunhão’?
Andrea Grillo – A compreensão da Igreja como “povo de Deus” e como “comunhão” com o Pai mediante o Filho no Espírito começou, lenta mas irreversivelmente, a modificar a perspectiva de toda celebração litúrgica, mudando profundamente o modo de pensar e de experimentar os dados mais basilares da celebração. Pense-se na tríade clássica com a qual pensamos o sacramento: forma, matéria e ministro. Para a concepção clássica e também pós-tridentina, havia sacramento válido quando o ministro competente pronunciava a fórmula sobre a matéria. Agora, tudo isso é muito parcial e unilateral. A forma não é mais, sobretudo, fórmula, entendida como uma série limitada de palavras “sagradas”, mas é toda a sequência ritual. A matéria não é mais um objeto quimicamente definido, mas é um bem histórica e simbolicamente determinado. O ministro não é um cargo singular, mas está articulado na relação complexa e rica entre presidência, ministérios e assembleia. Essa releitura, como fica evidente até mesmo por essa breve referência, leva a uma expressão muito mais rica e articulada, que determina – inevitavelmente, de geração em geração – uma experiência litúrgica e eclesial diferente.

IHU On-Line – Numa análise geral, como a Igreja pós-conciliar levou a efeito as decisões do Concílio, particularmente ao que se refere à liturgia?
Andrea Grillo – A “recepção” do Concílio Vaticano II teve uma história muito diferenciada, já na Europa e depois todo o restante dos continentes. Em geral, podemos considerar que houve uma orientação de profunda convicção nas escolhas conciliares, que chegou até os últimos anos do papado de João Paulo II. Justamente nestes últimos anos (digamos, a partir do Jubileu do ano 2000), manifestaram-se alguns sinais de menor convicção, sobretudo por parte da Cúria Romana, mas aqui e acolá, também na periferia. Além disso, os últimos anos também viram manifestar um conflito de interpretações bastante significativo que ainda não conseguiu pôr em questão os dados irreversíveis de uma “reforma” litúrgica que, em grande parte da Igreja, se tornou um fenômeno capilar, irrefreável e fecundo, determinando uma mudança profunda tanto das formas de vida como das experiências formativas dos cristãos do terceiro milênio.

IHU On-Line – Levando em conta as recentes decisões de Bento XVI, dentre outras, em reintegrar os seguidores do bispo tradicionalista Marcel Lefebvre, em retomar ritos litúrgicos de tradição tridentina, como o senhor analisa atual momento da Igreja?
Andrea Grillo – A resposta à pergunta anterior já se encaminhava para essa questão posterior. Como fica evidente, esse desenvolvimento, motivado pela nobre intenção de favorecer uma comunhão mais ampla na Igreja, determina muitas vezes um fenômeno diferente, quando não oposto. Ou seja, não produz de fato mudanças significativas na relação com o tradicionalismo, mas concede renúncias no plano geral em torno de princípios não disponíveis, introduzindo fatores de nova e generalizada dilaceração no corpo universal da Igreja. Quero dar um exemplo. Se um documento de 2007 afirma, de modo geral, que todo padre, sem necessidade de nenhuma autorização, quando celebra sem povo, pode utilizar indiferentemente o rito ordinário ou o rito extraordinário, introduz-se sub-repticiamente na Igreja ao mesmo tempo um princípio de “anarquia do alto” – como chamou o grande vaticanista Zizola – e se subverte o primado da “missa com o povo”, trazendo novamente à tona uma espécie de autonomia do clero com relação à assembleia, o que constituiria uma negação explícita da reforma desejada pelo Vaticano II. Nesse caso, poder-se-ia falar de uma nova contestação dirigida ao Concílio, que minaria a própria ideia da “necessidade” da Reforma Litúrgica, transformando-a em uma espécie de “opcional” com relação ao qual a tradição poderia tentar se imunizar completamente. Como fica evidente, essa conclusão não estaria muito distante das posições que os tradicionalistas sustentam há 50 anos. Mas o acordo que eventualmente se obteria constituiria, de fato, uma negação do caminho percorrido comunitariamente nesses 50 anos.

IHU On-Line – Tendo presente o atual contexto de Igreja e de mundo, ao celebrarmos os 50 anos de abertura do Concílio, o que é importante ser resgatado e que pode ajudar a própria Igreja a se abrir aos novos desafios?

Andrea Grillo – No contexto eclesial e civil contemporâneo, a retomada da “profecia conciliar” constitui um desafio de muito valor para os cristãos de 50 anos depois. Profecia significa acima de tudo “esperança”. E, como já diziam os antigos, o contrário da esperança é tanto o desespero como a presunção. As tentações que hoje afligem a Igreja mais facilmente – tanto na sua cúpula como na sua base – é uma perigosa mistura desses dois “vícios”. Desesperar-se com a Igreja pós-conciliar e ter a presunção de encontrar no pré-Concílio as soluções já prontas para a nossa condição crítica é um pecado que, hoje, está muito ao alcance das mãos, quase aconselhável!
Por outro lado, o sentimento mais perigoso da Igreja de hoje é o medo. Por medo, nos encastelamos em evidências que se tornaram não evidentes nesse meio-tempo; por medo, nos consolamos com as pequenas coisas de antigamente; por medo, não descontentamos ninguém e acabamos descontentando a todos; por medo, assumimos mais facilmente a atitude do julgamento em vez do da comunhão. Para remediar essa arriscada situação de fechamento litúrgico e eclesial, devido essencialmente a um excesso de medo, pode ser útil começar a partir da documentação histórica: mostrando que a Igreja chegou a identificar o seu próprio percurso de Reforma Litúrgica na base de uma crise ritual e sacramental que ela experimentava já desde a primeira metade do século XIX. Mesmo um simples exercício da memória como esse pode ser capaz de desligar aqueles mecanismos de generalização e de falsificação que impedem de captar a profecia conciliar pelo seu lado justo e, ao contrário, tendem a confundir as causas com os efeitos, responsabilizando o Concílio Vaticano II por aquela crise que é ao menos 100 anos mais velha do que ele, esquecendo que os problemas litúrgicos não começam com o Concílio, mas, no mínimo, com o Concílio começam a ser resolvidos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Entrevista sobre o Concílio Vaticano II

A caixa aberta: aproximação ao Concílio Vaticano II


A caixa aberta: aproximação ao Concílio Vaticano II

Entrevista com Alfredo Bronzato
Exiba 292036_152242184857389_100002148265989_288150_2729729_n.jpg na apresentação de slides
Alfredo Bronzato é bacharel e licenciado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e mestrando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Entre os dias 29 de maio e 1º de junho passado, participou do XIII Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões, realizado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA); e no dia 28 de julho corrente irá ministrar a palestra “Panorama Histórico do Concílio de Trento” por ocasião do II Seminário de Liturgia do Vicariato Episcopal Oeste, cujo mote é “Celebrando os 50 anos do Concílio Ecumênico Vaticano II”.
Prof. Alfredo, como você avalia do ponto de vista histórico o Concílio Vaticano II?
Quando se trata de abordar um concílio do ponto de vista histórico, deve-se, antes do mais, ter em mente que ele é simultaneamente um ponto de chegada e um ponto de partida: recolhe a experiência eclesial de um certo período e, à sua luz, confirma ou redireciona a vivência cristã – não modificando aquilo que é o núcleo precioso e inegociável da fé que guarda e prega, fé que recebeu dos santos apóstolos, mas fazendo-a inteligível e pertinente aos tempos que se põem. Foi assim em toda a milenar história do movimento cristão, de Nicéia ao Vaticano II. Um concílio deve, portanto, ser entendido não apenas em função dos movimentos intestinos da estrutura eclesial em um dado momento, mas também em relação com o que acontecia extra muros quando de sua convocação, realização e aplicação.
Para usar uma frase de impacto, o Vaticano II foi uma resposta positiva do catolicismo à modernidade. Quando uso este adjetivo para qualificar a relação entre o catolicismo e a modernidade não quero atribuir a ele um valor moral, afirmando que o Vaticano II foi uma resposta boa ao mundo moderno, mas quero recuperar um outro significado do termo positivo: o Concílio Vaticano II foi uma resposta construtiva, baseada em fatos dados, a um mundo que havia experimentado talvez mais mudanças nos últimos cento e cinquenta anos do que nos quinhentos ou mil anos precedentes. Deste ponto de vista, o Concílio Vaticano II foi inverso ao Concílio Vaticano I, que, em linhas gerais, recusou-se ao diálogo com a modernidade e foi marcado por tendências centrípetas, por uma tentativa de fechar a Igreja – e Igreja compreendida quase que só em termos de hierarquia sacerdotal – em torno de si mesma. Por outro lado, sob este mesmo prisma, pode-se interpetar o Vaticano II como uma continuação possível do Concílio de Trento, que trouxe para a vida da Igreja como elementos constitutivos fenômenos que são tipicamente modernos, como a valorização geral da disciplina e do imperativo missionário, não mais restritos a círculos monásticos, de pessoas tidas como especiais, como essencialmente distintas das outras.
Creio que a grande questão do Concílio Vaticano II – e que ainda deve ser a nossa – é como se pode ser católico não apenas depois que certa filosofia proclamou a morte de Deus, mas como se pode ser cristão depois que as atrocidades do imperialismo, as duas grandes guerras, os campos de concentração, as bombas atômicas e certos arranjos econômicos internacionais que condenam milhares à vergonha e à fome, proclamaram a morte do homem. Reafirmar com ainda mais veemência que a Igreja era uma sociedade perfeita, que não precisava do mundo para nada, insistir apenas nos aspectos mais individualistas da fé cristã, nas devoções, em certa escatologia, seria pecar por omissão, e, portanto, trair a missão que têm os cristãos de ser sal da terra e luz do mundo.
A velha instituição havia aparentemente resistido bem ao choque da Segunda Grande Guerra Mundial: os seminários eram numerosos, ainda que fosse preocupante a queda das vocações; os bispos continuavam em seus lugares, informados e eficientes; a frequência aos sacramentos declinava tão lentamente que se imaginava ser esta uma tendência passageira… Sustentava-se, portanto, o mesmo tipo de ilusão de vitalidade que os encantados tradicionalistas de hoje sustentam quando apontam um certo tradicionalismo das igrejas locais da África e da Ásia como contraponto ao desânimo dos católicos de paragens que nos últimos séculos foram marcadas por uma grande presença institucional da Igreja; como se elas não fossem passar pelos mesmos problemas que o Velho Mundo católico passou e passa. Como eu escrevi, a Igreja de modelo tridentino havia resistido bem apenas aparentemente. Houve resistências heróicas ao totalitarismo nazista, gestos corajosos que não podem ser esquecidos, mas muitos eram os que, com certa razão, questionaram publicamente a atitude de certos membros do episcopado diante da Ocupação hitlerista. Na França, por exemplo, apenas seis bispos opuseram-se publicamente à legislação contra os judeus e à política de colaboração com a Alemanha de Hitler – colaboração na qual se enganjaram, aliás, importantes setores da tradicional direita católica francesa. O cardeal-arcebispo de Paris, por outro lado, foi proibido por Charles de Gaulle de participar da cerimônia comemorativa da vitória, realizada na Catedral de Notre-Dame, por ter dado apoio público ao governo do Marechal Pétain…
Houve uma tendência a esquecer esta fissura entre conformismo e resistência (que também se verificou nas relações entre a Igreja Católica e as ditaduras civil-militares latino-americanas), mas um difuso mal-estar se elevou dela. O mesmo cardeal-arcebispo de Paris foi um dos que reconheceu que havia qualquer coisa de novo que deveria ser levado em consideração pela Igreja: no seu livro Avanço ou declínio da Igreja ele constatou a crise das vocações, o avanço rápido da indiferença religiosa e o surgimento de uma cultura operária cuja gramática as autoridades católicas desconheciam. Muitos padres e bispos reconheceram as regiões sob seus cuidados nesta análise, e este pequeno volume foi traduzido quase que imediatamente para as principais línguas do planeta. Na França criou-se uma importante Missão Interior: destacaram-se padres das paróquias para que mergulhassem inteiramente no mundo operário, vivendo como leigos, morando nas periferias, trabalhando nas fábricas, tendo como único objetivo serem reconhecidos pelo que eram por seus companheiros de trabalho, dando testemunho desta forma da Mensagem do qual se faziam portadores. Muitas outras iniciativas semelhantes foram experimentadas mundo afora, principalmente na Itália, na Inglaterra e na América Latina. Tratou-se de uma experiência límitrofe, que acabou gerando abusos. Roma logo se conscientizou dos riscos teológicos e políticos envolvidos e fez com que se interrompesse o empreendimento dos padres-operários em 1954; quase dois terços dos cĺérigos nele envolvidos pedem após seu término sua volta ao estado leigo. Encontraremos um esquema análogo na época do Papa João Paulo II, quando se colocou com maior força o problema das teologias ditas da libertação, mas o que quero destacar é que os franceses, com alguma falta de tato, assinalaram que havia uma questão urgente e ainda sem solução: a da relação entre a Igreja enquanto instituição e o novo mundo que surgia diante de seus olhos e longe de seu abraço.
É nesse momento de crise – e, como nos ensina Teilhard de Chardin, a crise não é necessariamente uma ruptura, mas uma situação que nos obriga a (re) pensar –que encontramos o homem certo no lugar certo.
Quando Angelo Roncalli sucedeu o Papa Pio XII – que foi uma figura cada vez mais isolada, que com a idade foi se aferrando mais e mais à compreensão de que a Igreja deveria permanecer exatamente onde estava – pensava-se que ele seria um moderado e aceitável Papa de transição. O gorducho e bonachão Patriarca de Veneza – que não era um teólogo ou um burocrata, mas historiador (estudioso da vida de Carlos Borromeu), diplomata e pastor – entretanto, não temia a mudança e recusava vivamente a visão daqueles que viam apenas ruína e calamidade ao seu redor. Erguendo a bandeira da esperança contra o – até certo ponto muito justificado – pessimismo de alguns líderes eclesiásticos, o Papa João XXIII valorizava a sensibilidade democrática e a liberdade de consciência que são características do mundo contemporâneo, e acreditava na capacidade do ser humano mudar o mundo para melhor. Sabia também que, às vezes, é necessário se mudar muito para se permanecer o mesmo, e que se a Igreja Católica quisesse ser fiel à sua missão era necessário participar das alegrias e angústias dos homens e mulheres dos novos tempos, sendo, entre eles, sinal de esperança e fermento de transformação. Contra forte e persistente oposição por parte da Cúria Romana, convocou um concílio geral para reavaliar o papel da Igreja no mundo, rompendo com a visão triunfalista (e míope) que, reelaborando o argumento agostiniano, tanto havia marcado o catolicismo no século anterior com a afirmação de que a humanidade se separava em dois mundos: a Cidade de Deus, encastelada no Vaticano, e a Cidade de Satanás, o assim chamado “mundo moderno”, com seus apóstatas, hereges e cismáticos.
Diversos setores eclesiais reagiram com ceticismo com relação à possibilidade e à necessidade de um novo concílio ecumênico; perguntavam-se: por que convocar um se o Papa havia sido nomeado infalível menos de cem anos antes? Da mesma forma reagiram os governos seculares e outros setores sociais. Antes da realização do Concílio adiantou-se a Cúria na preparação dos documentos, muitos dos quais foram rejeitados ou inteiramente reformulados nas sessões conciliares pelo episcopado reunido. Os bispos do mundo inteiro foram consultados acerca de quais assuntos deveriam ser abordados nesta imprevista reunião, e, se grande parte deles se calou (não se sabia, afinal, se era o caso de algum teste de ortodoxia e fidelidade), houve posicionamentos interessantíssimos – como, por exemplo, o de D. Afonso Ungarelli, MSC, responsável pela Prelazia de Pinheiro, no norte do Maranhão. D. Ungarelli, que era químico formado, um homem prático, percebeu com acuidade a importância do momento histórico que vivia e fez recomendações a Roma sobre a necessidade de se traduzir o breviário e os ritos dos sacramentos para que a Igreja se fizesse entender mesmo entre os caboclos maranhenses…
Quando, em 11 de outubro de 1962, os 2.500 padres conciliares entraram em procissão no Vaticano o espetáculo foi impressionante para os observadores externos e internos: nunca se havia assistido semelhante reunião, a uma assembléia de mitrados de tão diversas cores e idiomas. Não se tratou de um concílio europeu, como boa parte dos concílios do segundo milênio do cristianismo, mas de um concílio ecumênico no sentido forte e primeiro da expressão, como os grandes concílios da Antiguidade Tardia. 33% dos participantes provinham da Europa Ocidental, incluídos aí os membros da Cúria Romana; 13% eram oriundos dos Estados Unidos e do Canadá; 22% da América Latina; 10% da Ásia; 10% da África Negra; 3,5% do mundo árabe; 2,5% da Oceania. Por razões políticas, as lideranças católicas cujos rebanhos estavam em países comunistas foram subrepresentadas: apenas 14 dos 27 bispos iuguslavos; 20 dos 65 poloneses; 4 dos 8 alemães orientais; 2 dos 16 húngaros; 3 dos 15 tchecos; e nenhum bispo russo, romeno, chinês ou norte-vietimanita. Diante deste grupo heterogêneo, João XXIII manifestou-se de maneira claríssima: afastou-se dos profetas da desventura, fez o elogio da misericórdia contra a pregação da severidade, eximiu-se de proferir condenações e anátemas, expressou seu desejo pela unidade ecumênica, com os fiéis não-cristãos e com todo o gênero humano, pediu que o Concílio não fosse uma reunião intestina, mas que correspondesse às necessidades dos diversos povos.
Pode-se fazê-lo remontar a antes disto, mas, de uma forma geral, este é o começo da história do Concílio Vaticano II…
O Papa João XXIII participa da celebração da Divina Liturgia de São João Crisóstomo durante o Concílio Vaticano II. (Imagem copiada de: http://tinyurl.com/d4rr78b).
 
O Concilio Vaticano II promoveu muitas mudanças na Igreja e, com elas, novos desafios surgiram. Quais mudanças e desafios o senhor destacaria?
Comecemos pelas mudanças de cúpula, literalmente. Com o Concílio Vaticano II, o centralismo romano, bem estabelecido fazia séculos, teve de ceder diante dos episcopados – o que, aliás, está plenamente de acordo com as mais antigas tradições da Igreja. Citarei um único exemplo, mas um exemplo muito significativo. Depois do período das Cruzadas algumas Igrejas Cristãs Orientais entraram em plena comunhão com a Igreja Católica por várias razões. Menosprezadas por seus homólogos (e vizinhos) Ortodoxos como uniatas, elas também tiveram de enfrentar a ignorância e a desconfiança da parte da Cúria Romana, além de tentativas eventuais de romanização por parte de prelados de origem ocidental, normalmente apoiados por autoridades coloniais. Durante as sessões do Vaticano II o Patriarca Greco-Melquita Máximo IV Sayegh defendeu estas tradições orientais em alto tom, lembrando que catolicismo e latinismo não são sinônimos; recusou-se mesmo a falar em latim, alegando que não havia sentido nisto, pois as línguas litúrgica e pastoral de seu uso corrente eram o grego e o árabe. O Concílio reconheceu os cristãos orientais em comunhão com Roma não apenas como ritos, variações eclesiais exóticas que supostamente existiam apenas por liberalidade do Bispo de Roma, mas como igrejas verdadeiras, plenas, com uma teologia, uma espiritualidade, um governo eclesiástico e um direito canônico próprios.
Mais ainda: com o Vaticano II, o catolicismo enquanto instituição propôs-se a descer de sua cidadela e dialogar em pé de igualdade não apenas com os filhos diversos – como os católicos orientais – suas irmãs mais próximas – a Ortodoxia Grega e as confissões chamadas pré-calcedonianas – e irmãos mais velhos – os judeus – mas também com todos aqueles que poderiam ser considerados, poucos anos antes da convocação do Concílio, seus inimigos naturais – muçulmanos, protestantes, humanistas seculares, comunistas. Com o Concílio Vaticano a Igreja Católica de fato experimentou uma mudança significativa em seu perfil histórico, animada pelo duplo e convergente movimento da refontização (voltar às fontes dos primeiros dias do cristianismo) e do aggiornamento (“atualização”, ou seja, ler as fontes da fé à luz do tempo presente).
Quando se fala com raiva ou com saudosismo da Igreja Católica como a Igreja das cruzadas, das inquisições, da missionação violenta, da destruição das culturas não-européias, da rejeição ao pensamento científico, da pregação monomaníaca do inferno e da demonização do corpo, não se está falando – ou não se deveria estar falando – da Igreja Católica pós-Vaticano II, que define sua missão como a de transmitir a fé aos novos tempos ajudando a construir nestes o Reino de Deus. Trata-se de uma orientação que não é acessória para quem nas últimas décadas e hoje quer se chamar de católico. À luz desta consideração, desqualificar o Vaticano II como sendo apenas um concílio pastoral, tratando-o como se fosse uma espécie de concílio optativo, é prova de desconhecimento e má-fé: toda mudança pastoral pressupõe e causa uma mudança teológica e um dado contexto histórico; todo novo contexto histórico causará mudanças teológicas e pastorais; toda mudança teológica pressupõe e causa uma mudança pastoral em um dado contexto histórico; e mudanças deste tipo pontuam a história da Igreja e dão-lhe vitalidade. De fato, de um ponto de vista agnóstico (que deve ser a saudável perspectiva da historiografia acadêmica), ou seja, que não considere a Revelação cristã e, fiada nesta, creia que há a ação do Espírito Santo sobre a Igreja, é esta capacidade adaptativa do catolicismo –manifesta no Concílio Vaticano II – o que constitui a sua pertinência a tantas pessoas e coletividades por um período tão longo. Não se trata de coisa banal, a ser ignorada.
Por outro lado, eu não saberia responder se a Igreja Católica, hoje, realmente mudou no sentido que o Papa João XXIII desejava que ela mudasse quando convocou o Concílio Vaticano II. Os debates conciliares, a morte e sucessão de João XXIII, a busca pelos consensos necessários: tudo isto fez modificar o seu rumo original, como sempre acontece em eventos deste tipo, eventos em que há debate e em que se manifesta a divergência. Há ainda de se considerar as dificuldades de aplicação e a penetração variável em diferentes contextos eclesiais das decisões desta Assembléia, as posições refratárias em escalas diversas, as distorções das propostas conciliares, as recusas, as novas mudanças históricas. Além disso, o Concílio levantou muitas expectativas, mas deixou de lado muitos problemas que ainda esperam por solução. Qual deve ser a atitude diante dos que não estão dispostos a dialogar? Qual deve ser o nível de participação da Igreja enquanto instituição no processo político democrático? Qual o papel da liberdade de consciência e de expressão diante do posicionamento oficial ou oficioso da hierarquia eclesiástica em questões que não são de fé? Evidentemente, isso não desqualifica o Vaticano II, mas, ao contrário, ressalta a responsabilidade que os católicos têm hoje em relação ao patrimônio religioso que herdaram daqueles que os precederam na fé. A fé cristã, de alicerces bem estabelecidos, não é algo fechado, mas algo que se tece na prática e reflexão cotidianas dos tempos mutáveis. O passado é um cemitério de verdades abandondas (algumas justamente) e devemos hoje lidar com questões que não haveria como serem postas ou respondidas pelos santos apóstolos ou por nenhum dos concílios do passado – pessoas e eventos que devem lembrar-nos de nossas responsabilidades enquanto católicos para com a formação do rosto da Igreja em nossos dias.
Para encerrar, gostaria de citar um trecho do livro Tu és Pedro (Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001), interessante e acessível obra de síntese de história da Igreja, cujo autor, Georges Suffert, recentemente falecido, foi um personagem notável: jornalista e escritor francês, participou da Juventude Estudantil Católica e comprometeu-se publicamente com a denúncia das atrocidades cometidas pelos militares franceses quando das guerras de independência do Marrocos e da Argélia. Escrevendo a respeito do contexto histórico do Concílio Vaticano, Suffert lucidamente destacou que: “(…) Talvez tenhamos entrado, com a eleição de João XXIII, em um dos períodos mais surpreendentes da história da Igreja. Enfraquecida, conservadora, muitas vezes considerada moribunda por alguma das boas cabeças do século XIX, dividida contra si mesma, [com o Concílio Vaticano II] ela inicia uma espécie de ressurreição cuja importância e alcance muitos cristãos não avaliam. (…) Não que esse concílio tenha cumprido tudo o que prometeu; poder-se-ia até afirmar o contrário. Mas o abalo provocado dentro da imensa máquina eclesiástica modificou as regras do jogo. A Igreja não foi mais a mesma. (…) era preciso acreditar, com uma ingenuidade ou uma inteligência de santo, que o mundo esperava uma linguagem ao mesmo tempo muito antiga e totalmente nova. Ninguém pode prever aonde nos levará essa mutação da Igreja Católica. O impulso cairá tão depressa quanto surgiu? O movimento ecumênico vai se apagar ou, ao contrário, levar tudo o que estiver na frente? Nossos filhos assistirão à reunificação do cristianismo? E a humanidade do novo milênio constatará que sua vontade de confiança no homem não tem muito sentido se não se enraizar no antiquíssimo profetismo judaico-cristão?” (pp. 452-453.463).
Isto posto, prossegue o autor de Tu és Pedro: (…) O futuro permanece totalmente imprevisível. Mas o presente já permite entrever novos horizontes. Caminhamos todos juntos de um mistério a outro.” (p. 464).
Para saber mais:
FAGGIOLI, Massimo. Vatican II: the battle for meaning. Mahwah, New Jersey: Paulist Press, 2012. Resenha de: CALDEIRA, Rodrigo Coppe. “Vaticano II: a batalha pelo significado. Uma análise de Rodrigo Coppe Caldeira”. IHU-Online, 7 de julho de 2012. (Disponível online em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511178-vaticano-ii-a-batalha-pelo-significado-uma-analise-de-rodrigo-coppe-caldeira).
HORIZONTE –Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC-MG. Belo Horizonte, v. 9, n. 24 (especial), dezembro de 2011 – Dossiê: “Concílio Vaticano II: 50 anos”. (Disponível online em http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/issue/view/152).
IGREJA GRECO-MELQUITA CATÓLICA. A Igreja Greco-Melquita no Concílio. Discursos e notas do Patriarca Máximo IV e dos prelados de sua Igreja no Concílio Ecumênico Vaticano II. São Paulo: Loyola / Eparquia Melquita do Brasil, 1992. (Parcialmente disponível em: http://tinyurl.com/c776zon).
PAPA JOÃO XIII. “O discurso da lua”. Cidade do Vaticano, 11 de outubro de 1962. (Tradução de Pablo Lima e Tiago Freitas. Disponível em: http://www.patiodosgentios.com/espiritualidade/o-discurso-da-lua/).
PAPA JOÃO XXIII. “Discurso de Sua Santidade Papa João XXIII na Abertura Solene do SS. Concílio”. Cidade do Vaticano, 11 de outubro de 1962. (Disponível em tradução para o português em: http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council_po.html).
SUFFERT, Georges. Tu és Pedro: santos, papas, profetas, mártires, guerreiros, bandidos. A história dos 20 primeiros séculos da Igreja fundada por Jesus Cristo. (Tradução de Adalgisa Campos da Silva). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. (Parcialmente disponível

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Reforma na Liturgia

Reforma na Liturgia:"para que o povo cristão mais seguramente alcance graças abundantes na sagrada Liturgia, a Santa Mãe Igreja deseja fazer uma cuidada reforma geral da mesma Liturgia" (SC 21)
 
 
O Concílio Vaticano II, precisamente com o seu primeiro documento, pôs em marcha a reforma da celebração litúrgica: «para que o povo cristão mais seguramente alcance graças abundantes na sagrada Liturgia, a Santa Mãe Igreja deseja fazer uma cuidada reforma geral (“generalem instaurationem”) da mesma Liturgia» (SC 21). Já antes, dentro deste mesmo século XX, Papas como S. Pio X, à volta do Saltério, do calendário e do canto litúrgico, e Pio XII com a sua «carta magna» da Liturgia, Mediator Dei, e a sua reforma da Semana Santa (anos 1951-1955), tinham dado passos nesta reforma, seguindo e apoiando o Movimento Litúrgico. Mas, agora, o Concílio empreende-a com maior profundidade.

Percebe-se claramente que a finalidade é pastoral: que a comunidade cristã possa participar com maior proveito na celebração do mistério de Cristo. E o motivo é que «a Liturgia compõe-se de uma parte imutável, por ser de instituição divina, e de partes sujeitas a modificações que, no decorrer do tempo, podem ou até devem variar, se porventura nelas se tiverem introduzido elementos que não correspondam tão bem à natureza íntima da mesma Liturgia ou se tenham tornado menos apropriados» (SC 21). Era evidente que este era o caso na liturgia cristã em bastantes aspectos.
Todo o primeiro capítulo da Sacrosanctum Concilium, com o título de «Princípios gerais para a reforma e desenvolvimento da Sagrada Liturgia» (SC 5-46), vai dando orientações e critérios para realizar adequadamente esta reforma litúrgica na Igreja católica ocidental: a centralidade de Cristo e do seu Mistério Pascal, a eclesiologia de comunhão, a primazia da Palavra.

 
 


Antes de acabar o Concílio, Paulo VI constituiu o «Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia», sob a direcção do cardeal Lercaro e do secretário Bugnini, mas, sobretudo, animado, permanentemente, de muito perto, pelo próprio Paulo VI. Nos anos seguintes, até 1969, sob a orientação do «Consilium», e, a partir desta data, directamente pela Congregação do Culto Divino, foi ingente a obra que se realizou no caminho desta reforma: Instruções, documentos orientativos e, sobretudo, os novos livros litúrgicos que foram aparecendo, totalmente revistos, e fruto de um trabalho aturado por parte de muitas comissões de pastores e peritos, com maior abundância de textos alternativos e de estruturas mais diáfanas.
No Enchiridion da documentação litúrgica pós-conciliar, toda a primeira secção, intitulada «reforma litúrgica», oferece os principais documentos e instruções. Mas a seguir, em cada uma das outras secções, depois do documento conciliar correspondente, aparecem sempre outros que dão conta da intensa actividade de reforma que se realizou na Igreja nestes anos pós-conciliares. Sem contar os vários congressos e as reuniões de comissões litúrgicas nacionais e eclesiais, que marcam o ritmo da preparação, aparição e aplicação dos novos livros litúrgicos.
 

A revista Notitiæ, desde 1965, é testemunho documentado do caminho desta reforma por parte da Igreja Universal e das diferentes Conferências Episcopais e suas respectivas comissões.

A recepção desta reforma foi, em geral positiva, e com grande proveito para a Igreja: a primazia da Palavra, a perspectiva mais teológica de toda a celebração, a participação mais activa da comunidade, uma imagem diferente dos ministérios, a centralização mais clara da Páscoa e do Domingo no ano litúrgico, as línguas vivas, a adaptação da linguagem… Mas houve também algumas reacções muito duras, pouco claras quanto às justificações, contra a reforma globalmente considerada, como as que se dirigiram, desde o princípio, contra a reforma da Missa, e que deram lugar a um Proémio de Paulo VI, em defesa da obra realizada, na edição do Missal Romano de 1970.
 
 

 
Certamente houve deficiências, antes de mais na confecção dos novos livros, necessariamente condicionada pela urgência com que se preparavam, e que se vão melhorando em sucessivas edições. Mas «a maior parte das dificuldades encontradas na atuação da reforma da liturgia provêm do facto de que alguns sacerdotes e fiéis não tiveram, quiçá, um conhecimento suficiente das razões teológicas e espirituais pelas quais se fizeram as mudanças, segundo os princípios estabelecidos pelo Concílio» (Inæstimabile donum, de 1980, in EDREL 2867). Fica muito por fazer nesta formação e também na adaptação da linguagem e na sua inculturação. Estão a fazer-se estes esforços em todos os níveis.

domingo, 23 de setembro de 2012

A liturgia epifania do Espírito Santo

A liturgia, obra da Trindade 
  3: Deus Espírito Santo (CIC 1091-1109)


A liturgia, ou obra pública realizada em nome do povo, é a nossa participação na oração de Cristo ao Pai no Espírito Santo. A sua celebração mergulha-nos na vida divina de Deus, como expressado pelo Prefácio Comum IV: “Ainda que nossos louvores não vos sejam necessários, Vós concedeis o dom de vos louvar. Eles nada acrescentaram ao que sois mas nos aproximam de vós, por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso”. Consequentemente, a liturgia existia antes de que nós tivéssemos participado dela, porque foi iniciada na Santíssima Trindade, e Cristo, que na sua vida terrena nos mostrou o exemplo de como adorar o Pai, concedeu àqueles que creem, os meios para deixar transformar as suas vidas a partir da celebração da liturgia, que nos comunica a vida da Trindade.
 
 
A obra do Espírito Santo na liturgia, santificando-nos, nos sela na relação de amor da Trindade que é o coração da Igreja. É o Espírito Santo que inspira a fé e provoca a nossa cooperação. É esta cooperação genuina, indicativa do nosso desejo de Deus, que faz que a liturgia se torne uma obra comum da Trindade e da Igreja (CIC 1091-1092).
Antes que a missão salvífica de Cristo no mundo pudesse começar, o Espírito Santo tinha colocado os fundamentos para receber a Cristo, cumprindo assim as promessas da Antiga Aliança, cuja narração das maravilhas de Deus, forma, nada mais e nada menos que a espinha dorsal da nossa liturgia, do quanto fez pela liturgia da casa de Israel. Desde o Antigo Testamento, com a sua vasta coleção de literatura, juntamente com a beleza dos Salmos, onde estaria a celebração do Advento da Igreja sem o profeta Isaías? E a liturgia da tarde da Quinta-Feira Santa, sem a proclamação do ritual da Páscoa em Êxodo 12? Além disso, como a Vigília Pascal, evidenciaria, da forma tão extraordinária como o faz, a harmonia do Velho e do Novo Testamento sem a narração da Travessia do Mar Vermelho, com o seu cântico, em Êxodo 14-15? (CIC 1093-1095) As grandes festas do ano litúrgico revelam a relação intrínseca entre as liturgias hebraica e cristã como pode-se ver na celebração da Páscoa, "Páscoa da história, dirigida para o futuro, junto aos hebreus; entre os cristãos, Páscoa realizada na morte e na ressurreição de Cristo, embora ainda aguardando a consumação final"(CIC 1096).
 
 
Enquanto, na liturgia da Nova Aliança, a assembléia deve ser preparada no seu encontro com Cristo e na sua Igreja, esta preparação, em primeiro lugar, não é uma recepção intelectual de verdades teológicas, mas um assunto interior do coração, onde a conversão se expressa melhor e a convicção à uma vida em união com a vontade do Pai é reconhecida mais vivamente. Essa disponibilidade, ou docilidade ao Espírito Santo, é o pré-requisito para as graças recebidas durante a mesma celebração em si e para os seus sucessivos afetos e efeitos (CIC 1097-1098).
A ligação entre o Espírito e a Igreja manifesta Cristo e a sua obra salvadora na liturgia. Especialmente na Missa, a liturgia é "Memorial do mistério da salvação", enquanto o Espírito Santo é a "memória viva da Igreja" porque ele recorda o mistério de Cristo. A primeira maneira pela qual o Espírito Santo lembra o sentido do evento da salvação, é dando vida à Palavra de Deus proclamada na liturgia para que possa se tornar um projeto de vida para aqueles que a ouvem. Sacrosanctum Concilium [SC] 24 explica que a vitalidade da Sagrada Escritura coloca tanto os ministros quanto os fiéis em uma relação viva com Cristo (CIC 1099-1101).

 
 
"É enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia. Porque é a ela que se vão buscar as leituras que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos; dela tiram a sua capacidade de significação as acções e os sinais."(SC 24) .
A assembleia litúrgica, portanto, não é tanto uma coleção de diferentes temperamentos, mas uma comunhão na fé. A proclamação litúrgica pede uma "resposta da fé", indicativa tanto de "adesão e empenho " e fortalecida pelo Espírito Santo que infunde nos membros da Assembleia "a memória das obras maravilhosas de Deus", por meio de uma anámnese desenvolvida. Naquele momento a ação de graças a Deus por tudo o que fez leva naturalmente ao louvor a Deus ou doxologia (CIC 1102-1103).
Nas celebrações do Mistério Pascal, o Mistério Pascal não se repete. São as celebrações que se repetem. Em cada celebração, é o derramamento do Espírito Santo que torna este específico mistério presente. A Epíclese é a invocação do Espírito Santo e, recebendo o Corpo e Sangue de Cristo na Santíssima Eucaristia com disposições apropriadas, os próprios fiéis também se tornam uma oferta vida para Deus, ansiosos na esperança da sua herança celeste e testemunhando a vida do Espírito Santo, além da mesma celebração litúrgica. Naquele momento “o fruto do Espírito na liturgia é inseparavelmente comunhão com a Santíssima Trindade e comunhão fraterna" (CIC 1104-1109). Como abade Alcuíno Deutsch de Collegeville escreveu em 1926 em seu prefácio para a tradução Inglesa da Virgil Michel de La pieté de l'Églisede Lambert Beauduin, "a liturgia é a expressão, num modo solene e público, das crenças, amores, aspirações, esperanças e temores dos fiéis com relação a Deus. [...] é o produto de uma experiência emocionante, que pulsa com a vida e o calor do fogo do Espírito Santo, de cujas mesmas palavras está cheia, e sob cuja inspiração nasceu.
Como nada mais tem o poder de abalar a alma, de vivificá-la, e dar-lhe interesse pelas coisas de Deus. (p.IV).

A liturgia, obra da Trindade/2: Deus Filho (CIC 1084-1090)

DEPARTAMENTO DAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS
DO SUMO PONTÍFICE


A liturgia, obra da Trindade/2: Deus Filho (CIC 1084-1090)




Na segunda parte da seção sobre a liturgia como obra da Santíssima Trindade, dedicada a Deus Filho, o Catecismo da Igreja Católica apresenta os elementos essenciais da doutrina sacramental. Cristo, ressuscitado e glorificado, derramando o Espírito Santo no Seu Corpo que é a Igreja, age agora nos sacramentos e por meio deles comunica a sua graça. O Catecismo lembra a definição clássica dos sacramentos, que são: 1) "sinais sensíveis (palavras e ações)", 2) instituídos por Cristo, 3) que "realizam de modo eficaz a graça que significam" (n. 1084).
Na celebração dos sacramentos, ou seja, na sagrada liturgia, Cristo, no poder do Espírito Santo, significa e realiza o Mistério pascal da sua Paixão, Morte de Cruz e Ressurreição. Tal Mistério não é simplesmente uma série de eventos do passado distante (embora não se possa ignorar a historicidade daqueles acontecimentos!), mas entra na dimensão da eternidade, porque o "ator" – ou seja, Aquele que agiu e sofreu naqueles eventos – foi o Verbo encarnado. Por isso, o Mistério pascal de Cristo "transcende todos os tempos e em todos se torna presente" (n. 1085) por meio dos sacramentos que ele mesmo confiou à sua Igreja, especialmente o Sacrifício Eucarístico.
Este dom particular foi dado primeiro aos apóstolos, quando o Ressuscitado, na força do Espírito Santo, deu-lhes o seu próprio poder de santificação. E os Apóstolos também deram tais poderes aos seus sucessores, os Bispos, e dessa forma os bens da salvação são transmitidos e atualizados na vida sacramental do povo de Deus até a parusia, quando o Senhor vier na glória para cumprir o Reino de Deus. Assim a sucessão apostólica assegura que na celebração dos sacramentos, os fiéis estejam imersos na comunhão com Cristo, que os abençoa com o dom do seu amor salvífico, especialmente na Eucaristia, onde oferece a si mesmo sob as aparências do pão e do vinho.
 
 
A participação sacramental na vida de Cristo tem uma forma específica, dada no "rito" que o então cardeal Ratzinger em 2004 explicou como “a forma de celebração e de oração que amadurece na fé e na vida da Igreja." O rito – ou melhor a família dos ritos que vêm das Igrejas de origem apostólica – "é forma condensada da Tradição viva [...] fazendo assim sensível, ao mesmo tempo, a comunhão entre as gerações, a comunhão com aqueles que rezam antes de nós e depois de nós. Assim, o rito é como um dom dado à Igreja, uma forma viva de parádosis [tradição] " (30Giorni, nr 12. - 2004).
Referindo-se ao ensinamento da Constituição conciliar sobre a Sagrada Liturgia, o Catecismo aponta as diversas formas da presença de Cristo nas ações litúrgicas. Em primeiro lugar, o Senhor está presente no sacrifício eucarístico na pessoa do ministro ordenado, porque "oferecido uma vez na cruz, oferece novamente a si mesmo através do ministério dos sacerdotes" [Concílio de Trento] e, especialmente, sob as espécies eucarísticas. Além disso, Cristo está presente com a sua virtude nos sacramentos, na sua Palavra quando é proclamada a Sagrada Escritura, e, finalmente, quando os membros da Igreja, Esposa amadíssima de Cristo, se reúnem em seu nome para a oração e o louvor (cf. n. 1088, Sacrosanctum Concilium, n. 7). Assim, na liturgia terrena, realiza-se a dupla finalidade de todo o culto divino, isto é, a glorificação de Deus e a santificação do homem (cf. n. 1089).
 
 
 
Na verdade, a celebração terrena, tanto no esplendor de uma das grandes catedrais como nos lugares mais simples, mas dignos, participa da liturgia celeste da nova Jerusalém e antecipa a glória futura na presença do Deus vivo. Essa dinâmica dá à liturgia a sua grandeza, impede que a comunidade individual se feche em si mesma e a abre à assembléia dos santos da cidade celestial, como evocado na carta aos Hebreus: "Mas vós vos aproximastes do monte Sião e da Cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, e de milhões de anjos reunidos em festa, e da assembléia dos primogênitos cujos nomes estão inscritos nos céus, e de Deus, o Juiz de todos, e dos espíritos dos justos que chegaram à perfeição, e de Jesus, mediador de nova aliança, e do sangue da aspersão mais eloquente que o de Abel"(Hb 12, 22-24).
Parece apropriado, portanto, concluir estes breves comentários com as palavras certeiras do beato Cardeal Ildefonso Schuster, que descreveu a liturgia como "um poema sagrado, ao qual realmente colocaram as mãos tanto o céu quanto a terra".

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Cipriano Vagaggini: monge, teólogo e liturgista

Cipriano Vagaggini: monge, teólogo e liturgista

                           

Dom Cipriano Vagaggini, OSB Cam (1909 - 1999), pertence à fileira das preciosas testemunhas da fé, suscitadas pelo Espírito na Igreja do nosso tempo, tão simples na postura, e ao mesmo tempo, tão profundas no pensamento e na autenticidade da experiência do Senhor. Se alguém o tivesse encontrado sem conhecê-lo, poderia identificá-lo com um bom camponês das colinas da Itália central, tamanha a sua simplicidade de monge, sua postura nas relações e sua comunicação acolhedora. Mas se o mesmo tivesse escutado uma aula sua na faculdade teológica ou lido um dos seus numerosos ensaios e artigos, poderia afirmar ter encontrado um dos antigos sábios cuja memória não vai perecer.

Em 2009 foi publicado em português seu livro mais conhecido, “O sentido teológico da liturgia”, monumental obra de 843 paginas1, publicada no original italiano em 1957, na vigília do Concílio Vaticano II e já traduzida há anos nas principais línguas européias.

O que suscitou o interesse da editora em apresentar aos leitores brasileiros este livro como um precioso presente para o caminho litúrgico da Igreja e das comunidades hoje no Brasil? Na realidade ao manusear estas intensas páginas encontra-se não só o pensamento de um experiente teólogo do século 20, mas a consciência teológica e a experiência espiritual da Igreja, alimentadas desde sempre pela tradição espiritual dos pais e mães da Igreja e pela liturgia “cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, fonte donde emana toda a sua força” (SC 10).

Por décadas, depois do Concílio, a atenção de muitos agentes de pastoral litúrgica focalizou com generosidade e dedicação as mudanças nas formas rituais, como se isto tivesse sido o centro para alcançar aquela“plena, consciente e ativa participação das celebrações litúrgicas, que a própria natureza da liturgia exige e à qual, por força do batismo, o povo cristão (...) tem direito e obrigação”(SC 14).

Hoje, sabemos pela experiência, que isto era e ainda é necessário, mas não suficiente. É preciso descer mais profundamente no mistério de Cristo, celebrado com uma participação teologicamente iluminada e eticamente comprometida no seguimento de Jesus. A catequese litúrgica precisa se renovar e se fundamentar na riqueza teológica da Igreja para alimentar o caminho espiritual do povo, apontando para a fecundidade vital das mesmas celebrações litúrgicas.

O livro de Dom Vagaggini nos abre os tesouros da rica tradição teológica e espiritual da Igreja e ilumina os novos horizontes abertos pelo Concílio Vaticano II e as riquezas espirituais e pastorais oferecidas pela reforma litúrgica por ele promovida. O Concílio recolheu em admirável síntese o caminho da tradição da Igreja e abriu novos trilhos para que ela seja sempre “antiga e nova”, fonte de vida e pão vivo para o povo de Deus a caminho, até a vinda gloriosa do Senhor.


1. Monge e teólogo
Mas quem é afinal este irmão capaz de partilhar conosco o caminho da fé e da esperança e de iluminá-lo, neste momento em que a mesma reforma litúrgica está sofrendo desvios em consequência de posições superficiais de alguns e de contestação violenta de outros em nome da “tradição e da verdadeira reforma”?Quantos entre uns e outros conhecem de verdade e têm interiorizado a tradição litúrgica da Igreja e o sentido profundo da reforma do Concilio? Dom Vagaggini nos convida a levar a sério a herança da Igreja e seu caminho atual guiado pelo Espírito.

Nascido na Itália em 1909, Dom Cipriano foi iniciado na vida monástica na abadia beneditina de Bruges na Bélgica e formado nos estudos de filosofia e teologia nas universidades de Louvain (Bélgica), de Santo Anselmo e do Pontifício Instituto Oriental em Roma. Lecionou teologia dogmática e Liturgia no Pontifício Ateneo Santo Anselmo em Roma quase sem interrupção de 1942 a 1978, e por alguns anos na Faculdade de Teologia da Itália do Norte em Milão. Na faculdade de Santo Anselmo promoveu a fundação do Instituto Monástico (1952), do Pontifício Instituto Litúrgico (PIL - 1961) e da Especialização em teologia sacramentária (1971 -72). Em 1959 deu início aos Encontros entre monges e monjas beneditinos italianos, para promover um trabalho de colaboração para reelaborar as raízes teológicas e espirituais da vida monástica em diálogo com as novas perspectivas da cultura moderna e da vida da Igreja. Em 1968 promoveu a fundação da Faculdade Teológica da Itália do Norte em Milão para “abrir de maneira mais ampla as faculdades de teologia também aos que não são clérigos, homens e mulheres”2.

Na pesquisa e no ensino da teologia ele procurou harmonizar os aspectos filosóficos e históricos com a experiência espiritual, uma teologia sapiencial que reflete sobre a vida como primeiro lugar da manifestação de Deus, e é capaz de iluminá-la e alimentá-la.

Em 1977 se retirou definitivamente no Mosteiro e Sacro Eremitério de Camaldoli (Arezzo), continuando uma intensa pesquisa teológica na linha sapiencial, numa vida, circundada de silêncio e contemplação, animada pela oração e pela caridade fraterna. Nele o monge modelou o teólogo e o teólogo fundamentou o caminho espiritual do monge e ambos respiraram com o ritmo do coração da Igreja. A experiência cotidiana da liturgia das Horas (ofício divino) e da celebração da eucaristia, na comunidade monástica, alimentou o caminho de uma profunda elaboração teológica e espiritual sobre a mesma.

Ser monge, teólogo e liturgista, ser monge e professor, foi para Dom Cipriano uma experiência de progressiva unificação interior e de fecundidade intelectual e pastoral que o colocou em sintonia com o caminho de renovação espiritual, teológica e pastoral da Igreja e fez dele um autêntico animador do mesmo. Em seus escritos destaca, muitas vezes, que para tornar-se verdadeiros “mestres de liturgia” é preciso que os professores, assim como todo agente de pastoral, tenham não só uma boa preparação profissional mas sobretudo uma autêntica experiência interior.

2. O liturgista: O sentido teológico da liturgia.
Ao concluir um trabalho de pesquisa e de ensino durante 25 anos, em 1957, quando ainda ninguém imaginava o Concílio preanunciado pelo Bem-aventurado papa João XXIII no mês de janeiro de 1959, Dom Cipriano publicava “O sentido teológico da liturgia”.

Nesta obra ele apresenta a fundamentação teológica mais orgânica da liturgia, totalmente enraizada na tradição da Igreja e aberta a possível desenvolvimento. Verdadeiro anel de conjunção entre o movimento litúrgico anterior, a encíclica “Mediator Dei” do papa Pio XII (1947) e a Sacrosanctum Concilium (1963), apareceu como “novidade”, após séculos de esquecimento da dimensão teológica da liturgia que deu lugar a uma abordagem devocional da vida espiritual. O movimento litúrgico tinha aberto a estrada com um trabalho de quase um século, mas faltava uma proposta orgânica. Este foi o mérito primeiro de Vagaggini que antecipou as linhas fundamentais do Concilio.

“A Igreja vive uma história sagrada que é a história de Cristo, em Cristo mesmo e nos seus fieis. Cristo aparece sempre como o motivo fundamental de toda a liturgia, de toda a bíblia, de toda a história e de toda a vida do fiel”3. À base desta afirmação está a consciência de fé, elaborada pelos padres da Igreja desde o início, que a revelação de Deus é a história do seu amor e da sua aliança com Israel e através de Israel com toda a humanidade.

Ela alcança seu cumprimento em Cristo Jesus e no seu mistério pascal, que a Igreja celebra e vive na liturgia enquanto espera a vinda gloriosa do seu Senhor. Na liturgia a Igreja e cada um dos fieis participam no mistério pascal de Cristo e entra no movimento desta história de salvação, operando com a caridade de Cristo a transformação de si mesmo e do mundo, antecipando na esperança o cumprimento escatológico do reino de Deus. A vida das pessoas, assim reconduzida ao projeto original de Deus, se torna ela mesma um canto de louvor, uma eucaristia vivente para a glória de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Existe perfeita unidade e continuidade entre AT e NT e a vida da Igreja: é a mesma e única história de amor de Deus para conosco, proclamada na escritura, celebrada na liturgia, realizada na vida fraterna. Os movimentos bíblico, patrístico e litúrgico, tinham progressivamente redescoberto esta visão da fé da Igreja. Dom Cipriano Vagaggini com sua visão genial, sustentada pela experiência monástica e por coerente argumentação teológica e histórica, a conduziu à unidade orgânica elaborando os fundamentos teológicos da liturgia no seu conjunto, como a salvação em ato, no hoje da história.

3. Precursor e colaborador do Concilio Vaticano II
Chamado a fazer parte da Comissão preparatória ao Concilio, Dom Vagaggini contribuiu na preparação da parte inicial do documento que tratava do “mistério da liturgia e da sua relação com a vida da Igreja”. Durante o Concilio participou ativamente na preparação da SC como assessor da Comissão de bispos encarregada de recolher e avaliar as sugestões dadas pelos bispos em assembleia.

O Proêmio e os primeiros sete números da SC constituem uma espécie de admirável síntese da teologia e da espiritualidade litúrgica. Aí se pode identificar com facilidade a direta e significativa contribuição de Dom Vagaggini, eco das suas ideias teológicas fundamentais4. No centro está a afirmação que na raiz da fé e da experiência espiritual da Igreja encontra-se a participação no mistério pascal de Cristo, centro da história da salvação, através da celebração memorial da eucaristia, dos sacramentos e da liturgia das horas.

Deste mistério a Igreja nasce e continuamente se alimenta (SC 5), na dupla mesa da Palavra e do pão eucarístico (SC 14), para que, como povo de Deus peregrino rumo à plenitude escatológica do Reino (SC 2 e 14), possa anunciar a todo mundo a palavra libertadora e renovadora do evangelho e transformar os fieis em evangelizadores viventes (SC 5-7). Por isso, a liturgia constitui o cume para o qual tende o caminho e a atividade apostólica e pastoral da Igreja, e a fonte de onde recebe a força vital do Espírito (cf. SC 10).

É a partir desta renovada visão teológica que se percebe como “a plena, consciente e ativa participação na celebração” (SC 14), constitua o objetivo da atividade pastoral da comunidade cristã e o lugar privilegiado da formação espiritual e do seu desenvolvimento, tanto para os presbíteros como para os leigos (SC 41). Pela mesma razão a comunidade paroquial e diocesana, encontram na celebração presidida pelo bispo, ou pelo presbítero a expressão mais significativa da sua unidade, alimentada pelo Espírito do Senhor (SC 41 e 43). A adoção da língua viva do povo assim como a reforma dos ritos foi julgada pelo Concílio como um instrumento indispensável para favorecer a participação profunda dos fieis (SC 48), todavia, destaca Vagaggini, a língua falada não basta para chegar ao objetivo da participação plena, pois é necessário que a pessoa na sua totalidade esteja sintonizada com o clima de oração e de disponibilidade ao Espírito do Senhor5.

Em dois capítulos fundamentais da sua obra, ele oferece elementos decisivos para encarar corretamente a vital questão da relação entre a liturgia e a espiritualidade. Tal questão tinha atormentado o movimento litúrgico sob os ataques dos que afirmavam que só nas práticas de piedade se podia experimentar a verdadeira devoção, pois, segundo estes, a liturgia com sua ritualidade constitui mais uma distração da mente. Hoje novos opositores da renovação litúrgica, representados por certos“grupos de oração”, afirmam ser a liturgia fria e impessoal. Dom Vagaggini oferece os critérios teológicos e pastorais da liturgia, se corretamente entendida e praticada, como lugar natural do caminho espiritual, até às experiências místicas mais elevadas, como o testemunha a história da espiritualidade, com alguns exemplos de excepcional valor, como o de Santa Gertrude, grande mística do séc. XIII6.

No mesmo Proêmio da SC se antecipam também alguns dos critérios teológicos centrais da eclesiologia da LG: natureza sacramental da Igreja em continuidade com a estrutura humana e divina de Cristo verbo encarnado (SC 2 e LG 1); centralidade do mistério pascal na vida da Igreja e no caminho espiritual do cristão (SC 5; 41 e LG 25). Aqui também se pode ver a mão de Vagaggini.

4. Contribuições para a atuação da reforma litúrgica
Quando o Concilio acabou, o monge beneditino foi nomeado pelo papa Paulo VI entre os membros do “Consilium” encarregado de viabilizar as linhas dadas pelo Concílio a respeito da reforma dos ritos.

Junto com outros teólogos e pastoralistas contribuiu na elaboração da instrução de Paulo VI, Eucaristicum mysterium (o mistério eucarístico), 1967, na qual o papa oferece preciosas indicações teológicas, espirituais e pastorais para colocar em prática na vida das pessoas e comunidades o ensino da sua precedente carta encíclica Mysterium fidei (o mistério da fé), 1965, sobre a eucaristia. Os dois documentos de Paulo VI põem com muita clareza e sabedoria a celebração da eucaristia no centro da vida pessoal e comunitária, e indicam as modalidades apropriadas para valorizar as variadas formas do culto eucarístico fora da missa, como continuidade e extensão da celebração.

No âmbito da reforma dos ritos da missa Dom Vagaggini deu quatro contribuições de alto valor.

a) Novas Orações Eucarísticas. Ofereceu as linhas fundamentais para a elaboração das Orações eucarísticas 3 e 4, depois que Paulo VI considerou ser melhor solução pastoral deixar o venerável Cânon Romano na sua estrutura histórica atual, apesar dos seus limites do ponto de vista litúrgico, e acrescentar novas Orações eucarísticas que melhor respondessem aos critérios litúrgicos e expressassem mais claramente a consciência teológica sobre a eucaristia evidenciada pelo Concilio.7 A proposta mais significativa de Vagaggini é sem dúvida a Oração eucarística 4 que, como as anáforas das Igrejas orientais, apresenta uma síntese da história da salvação e coloca a páscoa de Jesus e a celebração da eucaristia no seu centro e como sua meta. A constante celebração da páscoa na eucaristia sustenta a Igreja no seu caminho rumo à vinda gloriosa do Senhor que nela é antecipada na esperança. Infelizmente a oração eucarística 4 é pouco conhecida e menos ainda celebrada dando lugar “às mais breves” 2 e 3, enquanto pelo contrário seria uma fonte inesgotável de espiritualidade e de catequese eucarística e sobre o mistério da Igreja 8.

b) Novo Lecionário para a celebração da eucaristia. A contribuição de Vagaggini foi a indicação dos princípios teológicos e pastorais que inspiram a escolha e o uso das leituras na missa, segundo o pedido da SC 35 e 51:”para mais ricamente preparar a mesa da palavra de Deus para os fieis... os tesouros bíblicos sejam mais largamente abertos de tal forma que... se leiam ao povo as partes mais importantes da sagrada escritura”. O primeiro e fundamental critério é a unidade do AT e NT na pessoa de Jesus, centro e cume da história da salvação, que agora encontra sua plena realização na celebração do mistério pascal e na vida da Igreja e de cada fiel, por ele alimentado. Exemplo clássico desta relação vital: AT-NT (Cristo) – IGREJA, e da hermenêutica bíblica segundo o principio da leitura tipológica dos textos do AT, é a estrutura das três leituras dos domingos e das solenidades: a primeira leitura do AT, a terceira, um trecho do Evangelho lido com o critério da leitura semi-continua que determina a escolha do texto do AT na primeira leitura, e a segunda leitura habitualmente do apostolo ou de outro escritor do NT9.

c) Introdução da concelebração no rito romano e a comunhão sob as duas espécies do pão e do vinho. Os dois ritos estavam presentes de modo habitual no rito da Igreja grego-bizantina desde a antiquidade. Dom Vagaggini vivenciou durante anos esta tradição quando, jovem monge, foi vice-reitor do colégio grego-católico em Roma. Na discussão sobre a introdução da concelebração e a recuperação da comunhão sob as duas espécies teve a oportunidade de oferecer não somente seus conhecimentos científicos, mas também sua experiência.

Se a concelebração destaca a unidade do corpo dos presbíteros com o bispo, entre si e com o inteiro corpo da Igreja, a comunhão no pão e o vinho, também por parte dos fieis, em determinadas circunstâncias, restitui à celebração eucarística sua plenitude de sinal ritual de participação na ceia do Senhor e no seu sacrifício pascal.

5. Uma herança e uma tarefa para hoje
A intensa atividade acadêmica desenvolvida ao longo de 60 anos por Dom Vagaggini na pesquisa e no ensino da teologia, da liturgia e da espiritualidade, é um exemplo de quanto foi sério o seu estudo, profundo o seu caminho espiritual e viva a sua sensibilidade pastoral para a vida da Igreja e para a cultura do nosso tempo. Indica a via mestra para superar por um lado o risco de abordar de maneira meramente intelectual a teologia e o estudo da liturgia, e do outro a ilusão de um caminho espiritual que procure o próprio estimulo nos elementos mais exteriores dos ritos - novos ou tradicionais - ou num devocionalismo emocional sem profunda conexão objetiva com o mistério pascal de Cristo, fonte de toda vida no Espírito.

“O coração vivo da reforma litúrgica -escrevia Vagaggini - é exatamente a questão das relações entre liturgia e espiritualidade de um lado, e liturgia e pastoral do outro”10. E destacava ainda: “Enquanto o professor de liturgia não descobrir o seu valor espiritual, não conseguirá recolher pessoalmente seus verdadeiros frutos, nem se tornará autêntico apóstolo da liturgia” 11.

A experiência pessoal de Vagaggini, monge e teólogo, mostra que a unidade interior da pessoa, a partir da experiência pascal de Cristo a nós proporcionada pela escritura e pela liturgia, é possível não somente para os monges e religiosos(as), mas para cada cristão que procure mergulhar interiormente na palavra viva de Deus e no seu mistério celebrado.

No horizonte unitário das três grandes constituições do Concilio, DV, LG, SC, o mistério do Senhor morto e ressuscitado, interiorizado na Palavra recebida com fé e celebrado na liturgia, atua no corpo vivo da Igreja e da história para o crescimento contínuo das pessoas e do mundo num processo de transformação até o mundo novo do éscaton.

No meio das dificuldades para enraizar mais profundamente no tecido da vida das comunidades a árvore da reforma litúrgica, historicamente ainda jovem, e na espera de recolher frutos maduros, o testemunho de Dom Cipriano mostra que a tradição litúrgica e espiritual da Igreja iluminada pelos critérios teológicos que a geraram e a animaram, é um corpo vivo. Ao longo dos séculos e nos diferentes lugares a liturgia mudou muitas vezes suas formas rituais, segundo as circunstancias históricas e culturais, ao passo que desenvolveu em admirável continuidade a riqueza da fé e a reflexão teológica sobre a mesma.

O precioso tesouro da reforma do Vaticano II espera ainda ser explorado em profundidade e traduzido em pão para alimentar a fé e a vida do povo de Deus. Precisamos de homens e mulheres que, como Dom Vagaggini, animados por grande zelo pelo reino de Deus e iluminados pelo Espírito, dediquem suas energias intelectuais e sua paixão pastoral à uma inteligência sábia e saborosa da liturgia, em vez de procurar fáceis soluções em “novidades”ou na saudade de ritos antigos.

O mundo acadêmico e a Igreja do Brasil durante as últimas décadas têm produzido obras originais significativas e traduzido outras de autores estrangeiros, que são expressão da sua vitalidade e da sua busca para ampliar os horizontes da reflexão e fundamentar sua atividade pastoral.

A recente publicação, em português, de sérios estudos acadêmicos e pastorais de autores que contribuíram em grande medida com o movimento litúrgico que preparou o Concilio ao longo dos anos 30 - 50, é um sinal que a consciência da exigência de um novo aprofundamento do caminho litúrgico está ainda bem presente12. Cada um pode aproveitar desta nova possibilidade e contribuir com a parte que lhe cabe para o seu desenvolvimento.

Dom Emanuele Bargellini , OSB Cam. Mestre em Liturgia no Pontifício Ateneo Santo Anselmo em Roma (PIL). Prior do Mosteiro da Transfiguração, Mogi das Cruzes (SP).

1VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia.
São Paulo: Loyola, 2009. Edição original italiana: Il senso teologico della liturgia. Saggio di liturgia teologica generale, Edizioni Paoline, Roma 1957.
2VAGAGGINI, Cipriano. Perché la nuova facoltá teologica di Milano? Archivio del Monastero di Camaldoli.
3VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia, São Paulo: Loyola, 2009, p. 417.
4Lo spirito della Costituzione sulla liturgia. Rivista Liturgica 51 (1964) 5-49; C. VAGAGGINI - S. MARSILI (ed), Costituzione sulla sacra liturgia. Texto latino e italiano.
Torino: LDC, Leumann, 1964.
5VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia.
São Paulo: Loyola, 2009, p. 439-444.
6VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia. São Paulo: Loyola, 2009: cap. 21, Liturgia e espiritualidade (pp. 555 - 629); cap. 22, O exemplo de uma mística: Santa Gertrude e a espiritualidade litúrgica (pp. 631 -684).
Neste mesmo sentido vai o repetido ensino espiritual do papa Bento XVI nas audiências da quarta-feira, sobre os excelentes exemplos de grandes místicas e místicos da idade media, como Santa Hildegarda de Binguen (1 de setembro 2010); santa Matilda de Hackemburg (29 de setembro 2010); Guilherme de Saint Thierry (2 de dezembro 2009); São Bernardo de Claraval (21 de outubro de 2009). Ele destaca sempre que tais experiências de profunda unidade com o Senhor e consigo mesmos/as, constituem o fruto de toda participação autêntica na liturgia. A mesma consciência da liturgia como lugar privilegiado para o encontro da intimidade transformadora com a palavra de Deus e o mistério pascal de Cristo permeia a exortação Apostólica póssinodal, Verbum Domini, sobre a Palavra do Senhor (30 de setembro 2010), na ampla seção Liturgia lugar privilegiado da palavra de Deus (n. 50-71).
7VAGAGGINI, Cipriano. Il Canone della messa e la riforma litúrgica. Problemi e progetti. Torino: LDC Leumann,1966.
8DI NAPOLI, G. Dall’ipotesi di revisione del Canone Romano all’elaborazione di nuove preghiere eucaristiche: l’apporto determinante di Cipriano Vagaggini. Rivista Liturgica 96 (2009), pág 385-396.
9Veja Introdução ao Lecionário nn. 1-10.
10Spiritualitá sacerdotale e spiritualitá liturgica. Rivista Liturgica 52 (1965), 285-312; p. 285.
11 Liturgia e storia della spiritualitá: un campo di indagine.
CAL (ed), Introduzione agli studi liturgici, Roma 1962, 225-267; p. 226.
12 Além de “O sentido teológico da liturgia” de Vagaggini, ver como exemplo : B. NEUNHEUSER, História da liturgia através das épocas culturais (última edição 1999), Loyola, 2007; O. CASEL, O mistério do culto cristão (1935), Loyola, 2009; J. JUNGMANN; Missarum Sollemnia (1954), Paulinas 2009.