segunda-feira, 16 de julho de 2012

O Ano Litúrgico nos primeiros quatro séculos

O ANO LITURGICO NOS PRIMEIROS QUATRO SÉCULOS

a) A celebração anual da Páscoa
 
Alguns autores admitem que se pode presumir que a Igreja apostólica conhecia a celebração anual da Páscoa. É uma hipótese porque testemunhos directos em favor de uma celebração ‘ritual’ não existem, ou pelo menos não são evidentes. R. Fuller, um biblista dos Estados Unidos de America, defende que a primeira versão de narrações da paixão e da ressurreição de Jesus tem a sua orgim ‘sitz in leben’ na liturgia comunitária. Se admitimos esta hipótese, o problema é também saber se se trata de liturgia da Páscoa semanal (domingo) ou anual.
Os Atos dos apóstolos apresentam dois textos que falam da páscoa – talvez judaica; o primeiro texto narra a captura e as conseguente libertação de Pedro, isto realiza-se em dois tempos: a) são dias dos azimos quando Pedro é capturado e Herodes espera o fim da páscoa hebraica antes de trazer Pedro diante do povo; enquanto que no segundo se trata das viagens de Paulo.
 
 
Ora, Pedro é arrastado como Jesus dias antes da páscoa ou festas dos ázimos (Lc 22, 1); Pedro é libertado da morte (iminente) como Jesus da morte (consumada); Pedro dorme e é acordado pelos anjos; duas expressões ‘dormir e acordar’ usados para indicar a morte e ressurreição; Pedro é libertado e logo vai dar a notícia aos discípulos.
É significativo que os Sinopticos descrevem a última Ceia como um banquete pascal: Jesus manda os seus discipulos a preparar uma sala para a pascoa (Mc 14,14; Mt 26,18; Lc 22,8). São Paulo à luz da cronologia de joanina, interpreta a morte de Cristo como o verdadeiro sacrificio pascal (1Cor 5,7); ele declara o superamento da festa hebraica da pascoa, porque a nova e verdadeira pascoa è Cristo imolado e ressuscitado “Cristo, nossa pascoa, foi imolado”. Quando se fala de Páscoa refere em geral da Páscoa judaica, mas aqui pela primeira e unica vez o N. T. fala da pascoa crista. Esta unica vez è suficiente para testemunhar que na comunidade crista, vinte anos depois da morte de Jesus, existe uma pacifica e radicada consciencia de possuir a propria pascoa.

b) A Data da celebração
São duas tradições históricas da celebração anual da Páscoa, uma da Ásia Menor e outra de Roma. Os primeiros testemunhos da celebração anual da Páscoa cristã são de meados do II século e procedem da Ásia Menor.
As igrejas da Ásia celebravam a Páscoa 14 de Nisan. Estas igrejas convencidas de que a morte de Cristo tinha substituído a páscoa judaica celebravam a Páscoa jejuando 14 de Nisan e terminavam com a celebração eucarística que tinha lugar no fim da vigilia nortuna entre 14 e 15 de Nisan.
As igrejas unidas à Roma, celebravam a Páscoa no Domingo depois de 14 de Nisan. Na primeira metade do século IV, Eusébio de Cesarea, na sua História eclesistica (5, 23-25) nos fala sobre uma controvérsia do fim do II século a respeito de textos da Páscoa antiga. Cerca do ano 190 acendeu-se a controvérsia de modo o Papa Victor (193-203) ameaçou a excomunhão as comunidades cristãos ‘quatrodecimanos’. Eusébio narra da intervenção pacificadora de vários bispos e, em particular, de Santo Ireneu de Leão, discípulo de São Policarpo de Esmirna. O Papa não deu a excomunhão pelo diálogo de paz e respeito aos cristãos.
Outros autores argumentam que antes do Papa Sotero (166-175) a Páscoa anual não era celebrada na Igreja Romana. No documento história eclesiástica, Ireneu fala daques que ‘observam’, certamente daqueles que observam a Páscoa à sua data tradicional; mas aqueles que não ‘observam’, não observam na data tradicional nem em nenhum outro momento. Isto demonstra que em Roma o ciclo litúrgico semanal era a tentativa de formação litúrgica do calendário e que não era uma festa anual que distinguia um Domingo ao outro Domingo até finais de 166. O dilema não era em relação à morte ou ressurreição de Cristo, mas era se a Páscoa devia ser celebrada no dia da morte ou dia da ressurreição de Cristo. A Páscoa anual celebrada ao Domingo representa um adaptamento da Páscoa semanal introduzida independemente.
Observe-se que ao longo do III século se impõe a data dominical da Páscoa. Por isso, o Decreto de Niceia (325), não fala dos quartodecimanos, mas da diversidade de princípios no calendário da Páscoa nas diversas igrejas. A Igreja ainda hoje celebra a Páscoa no Domingo a seguir o plenilúnio depois do hequinócio da primavera entre 22 de Março a 25 de abril. As divergências existentes até agora sobre a data da Páscoa entre os cristãos se devem a diversas causas, em particular ao facto de que o Patrirca Jeremias de Constatinopla não aceitou a reforma do calendário de Gregório VIII no ano 1582, neste ano se passou do antigo calendário Juliano ao Gregoriano, de modo 4 de Outubro de 1582 tornou-se 15 de outubro de 1982.

c) A estrutura celebrativa

Os mais antigos documentos dos séculos II-III oferecem poucos dados sobre a estruturas celebrativa da Páscoa além da vigília pascal. A Páscoa apresenta-se com um jejum rigoroso, que dura diferentemente entre as igrejas (um ou mais dias), seguida de uma assembleia nocturna de orações e leituras, terminada com a celebração eucarística. No início do III século encontramos indicações de celebração do baptismo na noite da Páscoa. Um quadro ilustrativo das celebraçoes pascais, so vimos a encontrar na Siria no documento Didascalia Apostolorum do século III, e em Jerusalém no Itinerarium Egeriae do fim do IV século.
Quanto ao jejum pascal, a Mishinah (ensinamento) prescrevia o jejum de cada tipo de comida desde a oferta do sacrificio da noite até ao sacrificio do cordeiro pascal. Este jejum foi determinante para o jejum pascal do cristianismo. Pode ser que a norma prática dos quatrodecimanos tivesse o costume de jejuar todo o dia 14 de Nisan até ao canto do galo de 15 de Nisan.
 
 
Em Roma, no século III, o jejum pascal era provalvemente de dois dias antes da Páscoa, mas no capítulo 23 da Tradição Apostólica indica que oo doentes observem um dia de jejum, o sábado. Em Jerusalém, no século IV, segundo o capítulo 27 do Itinerarium Egeriae o grande dia do jejum é o Sábado Santo, único sábado do ano em que se jejua. Diga-se que fins do II século, a Páscoa é uma festa que prossegue em cinquenta dias. De facto, Pentecoste é para os antigos cristãos o inteiro período de cinquenta dias com uma certa acentuação do cinquentésimo dia para o carácter conclusivo do inteiro período. Tertuliano, no (De Baptismo, 19,2) fala como “um só dia de festa “ que “goza da mesma solenidade e leticia” que caracterizam o dia da Páscoa. (De Oratione, 23, 2). De novo, os mais antigos testemunhos da Páscoa vem da Ásia Menor: a Epístola dos Apóstolos, um apócrifo escrito em 150; a homilia de Mileto de Sardi, sobre a Páscoa, um texto poético e académico, escrito 165; homilia sobre a santa Páscoa de um anónimo do II século e outros textos antigos do III e IV séculos.
A Epístola dos Apóstolos, no capítulo 15, refere-se dos Actos dos Apóstolos 12, quando diz:

Depois do meu regresso ao Pai, fazei memoria da minha morte. Quando terá lugar a pascoa, então, a causa do meu nome, um de vós entrará na prisão e estará na tristeza e ânsia, porque vós festejareis a Páscoa, enquanto ele se encontra na prisão e longe de vós; ele chorará porque não celebra a Páscoa convosco. Então eu mandarei o meu poder na figura do anjo Gabriel e as portas da prisão se abrirão. Ele sairá e virá a vás e fará convosco uma noite de vigília, permanecendo convosco até ao canto do galo. Contudo quando tereis feito memoria que se faz de mim e o agapé, ele será de novo deitar na prisão no testemunho, para que sairá dali e anunciará aquilo que vos transmiti. Nós lhe dissemos: Senhor,, é de novo necessário que nós tomemos bebamos o cálice? Ele disse: Sim. É necessário até ao dia em que eu estarei con aqueles que foram mortos por minha causa.
Aqui também a Páscoa é a celebração da morte de Cristo (até ao canto do galo) que culmina com a celebração eucarística.
Na Siria, na primeira metade do III século, a Didascalia (5,19) apresenta uma descrição mais detalhada da vigília pascal. Depois de descrever o jejum completo, sexta-feira e sábado, em sinal de luto pela paixão e morte do Senhor, diz:
… para toda a noite, juntos permanecei reunido, ficai em vigília suplicando e rezando, lendo os profetas, o evangelho e os salmos, com temor e tremor e com assidua súplica até a hora terceira da noite, isto é, ao canto do galo, passado o sábado e então livrai o vosso jejum; portanto oferecei os vossos sacrificios e então comei e alegrai-vos, porque Cristo ressuscitado é o penhor da nossa ressurreição.

Na primeira parte do III século, Tertuliano num contexto não bem claro da obra De baptismo (19,1) e Hipólito no comentário In Danielem (1,16), apresentam a Páscoa como o dia apropriado para o baptismo e assim também é interpretada a vigília baptismal e descrita na Tradição Apostólica (21). Esta práxis torna-se comum no decurso do IV século.

d) O fundamento teológica da Páscoa

São vários os testemunhos de catequese pascal da igreja antiga. As homilias pascais do II século mostram que a Páscoa é em vista a celebração da morte redentora de Cristo um aspecto teológico cuja característica principal é a globalidade, enquanto o mistério pascal de Cristo é considerado momento culminante que recolhe em si os grandes momentos da história salvífica.
O argumento central da homilia sobre a Páscoa é a Paixão de Cristo, que é considerado sob diversas prospectivas: Mileto mete em relevo o valor salvifico da Páscoa; ele demonstra que a obra divina da salvação é vantagem da humanidade pecadora; por fim, explica que o povo de Israel, o qual foi confiado o rito prefigurante a Páscoa cristã, foi castigado por Deus por causa da sua ingratidão e o antigo simbolismo não serve, porque a verdadeira Páscoa foi realizada perfeitamente por Jesus Cristo, vitorioso sobre o pecado e a morte. O conteúdo da celebração pascal é a morte vitoriosa de Cristo.
Quem é o meu contraditor? Sou eu – disse – Cristo. Sou eu que destrui a morte, que venci o inimigo, que calquei o Ade, que amarrei o forte, que raptei o homem para os céus. Sou eu – disse – Cristo. Portanto, vinde, vós todos geração humana, vós mergulhados no pecado. Recebei a remissão dos pecados. Sou eu, de facto, a vossa remissão; sou eu a Páscoa de salvação; eu o Cordeiro imolado para vós (102-103).

A homilia sobre a Santa Páscoa de um anónimo tem um semelhante conteúdo teológico. O texto aprece com um hino de Cristo Luz-vida; fala da Páscoa judaica e da Páscoa cristã. Por fim, exalta Cristo; e a Páscoa apresenta como a festa de todo o mundo que Cristo pagou com o seu sangue.
Nestes textos homiléticos se realiza uma dilatação da ideia pascal ligada à imolação do cordeiro (1Cor 5,7), de maneira que a expressão ‘mistério da pascoa’ que aparece pela primeira vez nestes autores, alia-se ao inteiro plano salvífico de Deus e coincide com o ‘mistério de Cristo do qual Paulo fala (Col 4,3; Ef 3,4). A celebração pascal comemora todo o mistério de Cristo culminante no evento salvifico da cruz.
As ideias teológicas fundamentais da celebração da Páscoa são: Páscoa-paixão, Páscoa-passagem; comemoração da Paixão vitoriosa de Cristo; da Páscoa-recapitalação; Páscoa-parusia (escatologia).

a) da “Páscoa - paixão” à “Páscoa - passagem” – na tradição da Ásia Menor (II-III séculos) e de Alexandria (III século) o conteúdo central da Páscoa é a paixão e a morte do Senhor. A concepção da Páscoa como paixão é fundada na etimologia popular que colocava em relação a palavra pascha com o grego paschein, pathos, e com o latim pati, passio.
Para esta tradição, a Páscoa é a celebração total da nossa redenção, comemoração da paixão vitoriosa de Cristo. Os textos falam da obra da salvação, mas metem o acento sobre a paixão de Cristo. A celebração tem como tipologia a imolação do cordeiro pascal (1 Cor 5, 7). A ressurreição é vista como uma espécie de corolário natural da morte vitoriosa. O rito central da páscoa é a eucaristia que anuncia “a morte do Senhor até que ele venha” (1 Cor 11, 26). Aqui constata-se que a teologia da páscoa antiga é muito mais ampla do que se pode vir a “páscoa semanal”. A páscoa é a festa anual da redenção de Cristo, enquanto que o domingo nasce com o tema da ressurreição de Cristo.
Mas no início do III século, Clemente de Alexandria e Origines, embora falem da páscoa como comemoração da paixão, afirmam que a expressão não vem de paschein mas do ebraico phas, isto é passagem (em grego, diabasis). «Porque nesta festa o povo saiu do Egipto, justamente essa é chamada phas, isto é, passagem» (Origenes, Fragmento da Obra sobre a Páscoa, n 37). Origenes também espiritualiza e universaliza a páscoa, tal que, para ele, a igreja e cada fiel celebra incessantemente nos sacramentos (no baptismo e na eucaristia), (Contra Celso, 8, 22). Clemente de Alexandria apoia-se sobre as consequências morais: a páscoa «é a passagem de cada paixão e de cada coisa sensível (Stremati, 2, 22, 51, 2).
São Jerónimo, como antes tinha falado Origenes e outros escritores da antiguidade, fala da páscoa como passagem (transitus), mas coloca em realce o facto que, segundo o Êxodo, esta passagem é aquela do Senhor. Santo Agostinho aceita esta correcção de sentido e faz uma síntese, unindo a concepção da páscoa – paixão e páscoa passagem:
... «através da paixão, o Senhor passou da morte à vida, abrindo a vida a nós que acreditamos na sua ressurreição, para passar também da morte à vida» (Exposição sobre o salmo 120, 6). Para Santo Agostinho a páscoa se realiza na eucaristia quotidiana. Mas isto não compromete o significado especial da solenidade anual da páscoa, que tem a sua eficácia peculiar:
não devemos, de facto, considerar estes dias (Páscoa) assim fora do ordinário para esquecer a memória da Paixão e da Ressurreição que fazemos quando nos alimentamos cada dia do seu corpo e do seu sangue. Contudo, a presente solenidade tem o poder de reinvocar à mente com mais clareza, para suscitar maior fervor e de alegrar mais intensamente o facto que, voltando a distância de um ano, nos representa visivelmente a lembrança do evento (Sermão Wilmart, 9,2).
Pelo contrário, Santo Ambrósio, considera que o sacramento pascal por excelência ainda mais que a eucaristia é o baptismo: passagem do pecado à vida, da culpa a graça, da mancha à santidade (De sacramentis, 1, 4, 12). Estas evoluções tendem orientar-se para o momento tipológico mais importante da imolação do cordeiro (Ex 12) à passagem do mar vermelho (Ex 13-14). Por isso, o baptismo é visto como o rito do sacramento próprio da páscoa.

 
b) a Páscoa – recapitulação – na páscoa litúrgica de Isreal a memória do Êxodo se tinha estendido até à criação: a primeira noite em que JHWH se manifestou ao mundo para criar. Análogo processo se verifica para a páscoa da Igreja. A concepção de páscoa como recapitulação, retoma uma ideia de São Paulo na Carta aos Efésios, ali onde fala do desígnio de Deus de «recapitular em Cristo todas as coisas, aquelas como céu como aquelas da terra» (Ef. 1, 10). A ideia é começar desde o início e levantar ou erguer. Toda a Epístola desenvolve a ideia de Cristo que regenera e une debaixo da sua autoridade, para reconduzira Deus, o mundo criado, que o pecado tinha corrompido e dividido: o mundo dos homens, em que judeus e pagãos são reunidos numa única salvação, e também o mundo dos anjos.
O conceito de recapitulação procura mostrar a unidade do desígnio salvífico de Deus, criação e redenção numa única economia divina. É tema frequente nas catequeses pascais dos padres, e coloca em realce o mistério da ressurreição. Gaudêncio de Brescia (410 diz: o Filho de Deus, por meio do qual todas as coisas foram feitas, eleva com a própria ressurreição o mundo prostrado no mesmo dia e na mesma estação em que ele mesmo no princípio o criou de nada. Assim tudo é ressuscitado em Cristo» (Tratado sobre o Êxodo, 1, 3). São Paulo fala do baptismo como uma nova criação (2 Cor 5, 17); Gal 6, 15).

 
c) a Páscoa – parusia (escatologia) – a espera escatológica constituía um elemento importante na páscoa judaica no tempo de Jesus, até o consolidar-se de uma tradição que ligava cronologcamente a aparição do Messias prometido na festa da páscoa.

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