sábado, 11 de junho de 2011

Espiritualidade Trinitária: aspectos litúrgicos

Espiritualidade Trinitária: aspectos litúrgicos

Por Vanderson de Sousa Silva, Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, formado em Teologia, Filosofia, Pedagogia e graduando-se em Ciências Sociais, contato: semvanderson@hotmail.com)

Dado que a Liturgia tem como centro gravitacional o Mistério do Deus Uno-Trino onde giram todas as suas celebrações, que intentão render culto de adoração, a Espiritualidade dimanada dela somente poderia ser Trinitária.
Não olvidemo-nos, de que a Liturgia, estrutura-se num movimento - anabático e catabático - de subida e descida. Dos homens (louvor, adoração, eucaristia) ao Pai, pelo Filho, no Espírito - subida. Bem como, num movimento descendente, do Pai (eleição-graça-salvação), pelo Filho, no Espírito, aos homens.



A estrutura anabático-catabática da liturgia corrobora-se pelo fato de que a relação do Deus Uno-trino, com a humanidade, exerce-se num movimento ininterrupto de constante kenoses. O Pai - esvazia-se - de si para gerar eternamente seu amado Filho, este por sua vez, torna-se a imagem encarnada do ‘empobrecimento’, assumindo a condição humana, na carne, fazendo-se um ‘ser-para’. Grandes implicações esta estrutura trará para a espiritualidade, ou seja, a mesma, é antes de tudo uma relção Trinitária de diálogo anabático-catabático.

A teologia redescobriu no movimento litúrgico a estrutura fundamental da oração litúrgica, esta, ou é trinitária ou não será verdadeiramente cristã. Bem como, possibilitou à teologia trinitária, perceber-se na lex orandi, visto que, a lex credendi, possui sua fonte e ápice no ato celebrativo, não podemos separar o ‘ato de fé’ do ‘ato celebrativo’ e o ‘ato de viver’ .
A imagem-esvaziada do Filho na Ceia-cruxifixão-morte-descida aos infernos, encontra seu máximo despojamento no sopro de seu hálito-pneumático sobre a Igreja e o mundo. O Espírito Santo doado por Cristo, pode ser vislumbrado como o ícone vivo deste esvaziamento contínuo da Trindade, que não cessa de doar-se ao homem. O Espírito Santo é em sua essência epiclética, ou seja, é descida. É por obra do Espírito Santo, que a liturgia é a celebração no tempo e no espaço do opus redemptionis , ou seja, o plano histórico-salvífico realizado pelo Pai em Cristo, é atualizado sacramentalmente em cada ação litúrgica. Como tal, a liturgia é essencialmente epifania do Espírito de Cristo Ressuscitado.
Para uma melhor visualização da estrutura trinitária das orações litúrgico-eclesiais, observemos alguns textos litúrgico-eucológicos:

Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, iniciar com este dia de jejum o tempo da Quaresma, para que a penitência nos fortaleça no combate contra o espírito do mal. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Ouvi, ó Pai, as nossas preces para que, ao afirmarmos nossa fé na ressurreição do vosso Filho, se confirme também nossa esperança na ressurreição de vosso servo N. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Deus Pai de misericórdia, que pela morte e ressurreição do vosso Filho, enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Após, a observação destas orações litúrgicas, conclui-se que a Liturgia cristã, bem como a espiritualiade é patrofinalizada, cristomediatizada e pneumato-amalgamada. Respectivamente, estas querem expressar o seguinte conceito teológico: toda a oração se dirige ao Pai, enquanto princípio fontal e meta de todo o agir humano. É mediada pelo Cristo - Jesus é o Sumo e eterno sacerdote da Nova Aliança e o único mediador. Assim, como é pela ação do Espírito Santo – pneuma, que se ‘forma’ a oração em nós, assim, como afirma Paulo - “[...] o próprio Espírito ora em nós com gemidos inefáveis”. “Tudo vem do Pai pelo Filho no Espírito; e tudo, no mesmo Espírito, pelo Filho ao Pai”.




A estrutura trinitária da Litúrgica conduz o orante a uma experiência mística com a Trindade, contudo, esta só é possível pela ação do Espírito Santo, Aquiles Triacca afirma que:

Se a celebração litúrgica não for sinal do Espírito, ela nada será. Com efeito, a verdadeira essência da ação litúrgica consiste em ser-epifania-do-Espírito Santo. Ora, o Espírito, por meio da Escritura, foi iconógrafo, isto é, operou no hagiógrafo a revelação do ícone do Pai, que é Jesus Cristo (cf. 2Cor 4,4; Cl 1,15). Em Maria, ele foi iconoplasta, ou seja, é plasmador do próprio ícone (do Verbo). Na ação litúrgica, ele simultaneamente iconógrafo, iconoplasta e iconóforo, isto é, portador do ícone do Pai presencializado e vivificado.



Portanto, o Espírito Santo - plasma, porta e escreve o ícone da Trindade no orante da prece litúrgica. A ação litúrgica pela epíclese do Espírito Santo é apofática, no sentido de contemplar o Mistério, sem racionalizá-lo com o excesso discurso teológico.
A estrutura da oração litúrgica nos vários: Ordos, sacramentais e livros litúrgicos, segue sempre a doxologia Trinitária - ao Pai, pelo Filho no Espírito. Esta estrutura Trinitária é normativa e modelo para toda oração cristã, pode-se mesmo afirmar que a lex orandi e lex credendi, transbordam na moral de atitude cristã, pois a vida do cristão é relação com a Trindade - lex vivendi. Em suma, a Espiritualidade Litúrgica é patrofinalizada, cristomediatizada e pneumato-amalgamada.

Traços de uma Espiritualidade Litúrgica

Traços de uma Espiritualidade Litúrgica

Por: Vanderson de Sousa Silva, Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, formado em Pedagogia, Teologia, Filosofia e graduando-se em Ciências Sociais - contato: semvanderson@hotmail.com)




Após a apresentação de um breve história da Espiritualidade, poder-se-ia neste ítem, trabalhar os traços de uma espiritualidade que brota da liturgia mesma.
Não se olvide que a espiritualidade pode sem entendida como o conjunto de experiência que grupos ou indivíduos fizeram e criaram escolas, dentre as escolas de espiritualidade destacam-se: a beneditina, a cisterciense, a cartuxa, a inaciana, a carmelita, a franciscana, mariana entra outras. A Igreja assumui todas estas experiência corroborando-as como caminhos de experiência de Deus, ainda mais, a Igreja invita seus filhos no seguimento de Cristo via uma destas escolas de espiritualidade. Contudo, a Igreja apesar de assumir em seu bojo estas escolas de espiritualidade, não faz de nenhuma delas a experiência eclesial. A Espiritualidade da Igreja é Espiritualidade Litúrgica, como assevera Iraburu .

Augé apresentando os traços da espiritualidade litúrgica assevera que ao falar-se de liturgia, esta referindo-se ao momento celebrativo e mistagógico, portanto, do mistério. Segundo o autor, a celebração litúrgica é “[...] um ambiente concreto de experiência espiritual cristã, uma espiritualidade concreta [...]” . Assim, é no ambiente concreto e na forma ordinária da celebração litúrgica que o cristão aure a espiritualidade, a resignifica e alimenta.
Por fim assevera, Augé que:


[...] a experiência espiritual cristã não pode considerar a celebração nem como estrutura facultativa, nem como estrutura intermediária, mas sim como um momento que alicerça, gerador da própria experiência.


A experiência espiritual cristã encontra ordinariamente na Liturgia a referência, as balizas, a fonte e o cume de sua realização, esta contudo, não é uma experiência ritualista, mas uma celebração prenhe do mistério – o próprio Deus. Esta experiência espiritual litúrgica nõa prende-se na celebração mas transborna na vida, cabe muito bem, a compreensão antiga da lex orandi, lex credendi, e da lex vivendi.
Outro traço da Espiritualidade Litúrgica é a sequela Christi, centro de toda ação litúrgica, que conduz o orante a uma atitude e um estilo de vida que se baseia na assimilação ou identificação com a pessoa de Cristo. Este seguimento de Cristo, segundo Augé é produzida:


[...] pelo batismo e pela confirmação e a seguir nutridos pela plena participação à Eucaristia, aos sacramentos em geral e à oração da Igreja; tudo isso no âmbito fundamental do Ano Litúrgico [...]


No quadro da Liturgia que o fiel pela Iniciação Cristã é inserido no mistério Trinitário pela mistagogia das celebrações dos sacramentos e sacramentais no contexto do Ano Litúrgico. Na Liturgia o mistério de Cristo é sacramentalmente celebrado e vivido de forma integral, em todo opus Dei celebra-se fundamentalmente o Mistério Pascal-Pentecostal de Cristo.
Pádua recolhe de vários teólogos as características da experiência mística e as sintetisa, segunda a mesma, é experiência de Algo ou Alguém que sobrepassa a pessoa e que se revela mais real do que o que se considera a realidade; é totalizante da presença do Todo; ultrapassa a vida ordinária; provoca uma profunda alteração na vida da pessoa com apelo ético e existencial; é uma experiência gratuita, onde não contam os mérios do místico; outro elemento é a passividade, é “Deus o mistério que invade a existência humana”; é uma experiência inefável o que decorre a dificuldade do místico expressar com palavras o inefável e indizível da experiência mística; surge no místico uma nova consciência, a intuitiva e unitiva; por fim, o místico não absolutiza sua esperiência e não a desvincula do amor.

ANÁFORA EUCARÍSTICA E A CEIA PASCAL JUDAICA



ANÁFORA EUCARÍSTICA E A CEIA PASCAL JUDAICA

Por: Vanderson de Sousa Silva, Mestrando em Teologia na Pontifícia Universidade católica do Rio de Janeiro, formado em Filosofia, Teologia, Pedagogia e graduando-s eme Ciências Sociais - contato: semavanderson@hotmail.com)

Para melhor traçar um desenvolvimento histórico da Oração Eucarística II, dever-se-ia analisar anteriormente a origem da Anáfora na tradição judaica. J. P. Audet, em seu artigo na Revue Biblique afirma ser na tradição judaica o ‘lugar’ onde deveria situar-se a pesquisa sobre a gênese da Anáfora cristã. Ainda, Jean Daniélou defende o caráter judaico das orações cristãs, sendo imprescindível a pesquisa dos gêneros literários das beraká judaicas para entendermos o gênero das orações litúrgicas do cristianismo .




No primeiro momento, a pesquisa acerca da origem da anáfora cristã identificava a mesma, com a oração de benção, numa dependência literária. Com os estudos cada vez mais especializados, os liturgistas, verificaram que muito além desta dependência literária, havia a continuidade de: acentos e inspiração. A hipótese segundo a qual a forma original da celebração eucarística da Igreja primitiva deveria ser explicada a partir Ceia Pascal encontra defensores em Bickell e Thibaut , contudo esta dependência literária total encontra hoje rejeição por quase todos os especialistas em judaísmo, nos exegetas e liturgistas. Esta verificação foi possibilitada pela comum concepção – judaica e cristã - de que a Palavra de Deus é normativa da fé, oração e da práxis.


Se no primeiro momento, a pesquisa tende a explicar esta relação predominantemente em termos de dependência literária da prece eucarística diante da 'oração de benção', que caracteriza de modo todo singular a tradição litúrgica hebraica inteira, as contribuições posteriores vão muito além disso: o acento é colocado principalmente sobre a continuidade de inspiração e de temas existentes nas duas tradições, continuidade que se tornou possível, em particular, devido à constante referência feita por ambas à Palavra de Deus [...].


A Ceia de Jesus está numa relação direta com a páscoa judaica, visto que, Jesus instituiu a Eucaristia durante a celebração anual da páscoa. A origem da Prece Eucarística deve ser procurada nos gestos e nas palavras que Jesus realizou na ‘última Ceia’, esta, nos foi transmitida nas narrativas Bíblicas, que se tornaram referência normativa e estrutural da própria Oração Eucarística.
No entanto, os liturgistas e exegetas, indagam acerca do ritual utilizado por Jesus. Teria sido uma ceia festiva ou o ritual judaico da páscoa?
Ser-nos-ia imprescindível, analisar brevemente a última Ceia, em alguns aspectos importantes : As perícopes bíblicas que relatam a ‘última Ceia de Jesus’ no contexto da festa judaica da páscoa são: sinóticos – Mt 26, 2: “Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa [...]”; Mc 14, 1: “A Páscoa e os ázimos seriam dois dias depois [...]”; Lc 22, 1: “Aproximava-se a festa dos Ázimos, chamada Páscoa [...]”. Além do escrito joanino – Jo 12,1: “Seis dias antes da Páscoa [...]”.

Segundo o texto sinótico a ‘última Ceia’ – foi uma ceia pascal, enquanto, que para João (Jo 18, 28), a morte de Jesus seguiu-se a noite da páscoa hebraica. Pontos comuns: tratou-se de uma refeição, que seguia o ritual judaico de refeição, que como tal, tinha seu ocaso com uma oração de ‘ação de graças’. Esta, denominada de birkat há mazon , que seria traduzido por - a benção (de Deus) para o alimento (que foi tomado) -, esta ação de graças nunca podia faltar. Assim, se expressa a IGMR , no n. 72, indo bem de encontro com a tradição judaica de ação de graças pelas mirabilia Dei: “Na Oração Eucarística rendem-se graças a Deus por toda a obra da salvação e as oferendas tornam-se Corpo e Sangue de Cristo”. Contudo, corre-se o risco de se olvidar que há algo de específico na Oração Eucarística em relação ao birkat há mazon: a liturgia cristã, integrou, aperfeiçoou e enriqueceu-as. Dando um novo sentido, ou melhor, um sentido doxo-trinitário e escatológico à Anáfora Eucarística.


A tradição judaica peremptoriamente afirmava que um judeu não poderia comer, ainda que privativamente, sem, contudo realizar o ritual de berakah, este consistia em ‘agradecimentos em forma de bênçãos’ sobre os alimentos, especialmente o pão abençoado pelo pai de família, ou ainda por aquele que presidia a mesa, no início da refeição, dispensava a benção em cada alimento consumido depois com o pão. Numa refeição de cerimonia a mesma terminava com benção da taça, que era passada de mão em mão, realçando ainda mais o caráter comunitário da berakah .
O grande exegeta, Joachim Jeremias, em sua obra - Os ditos da última ceia , chegou à conclusão que foi verdadeiramente uma ceia pascal judaica o que Jesus realizou com os seus discípulos. Assim, fica respondida a indagação proposta acerca de que ‘ritual’ Jesus havia utilizado na Ceia. Bem como o grande liturgista, Dom Abade Salvatore Marsili, diz:


A Última Ceia de Cristo foi certamente uma ceia pascal judaica, tenha ela sido realizada no dia da Páscoa, no dia anterior (Quinta-feira Santa) ou três dias antes (terça-feira Santa). Que Cristo não tenha celebrado no dia oficialmente fixado é certo, já que ele morreu na cruz precisamente enquanto os judeus sacrificavam a Páscoa.


O estudo da liturgia judaica e sua influência na construção da liturgia cristã pode auxiliar-nos no intuito de compreender as origens do culto cristão, seja nas raízes veterotestamentárias como na ação cúltica dos povos da antiguidade. Esta visa não é um arqueologismo litúrgico, mas antes a melhor vivência de nossa prática litúrgica. Assim, o estudo da relação entre a ceia judaica e liturgia cristã, pode-se perceber a não dependência cristã em relação à outra, mas um novo sentido e agregação de novos elementos. Portanto, exclui-se qualquer tentativa de afirmar a total dependência cúltica e literária da liturgia cristã em relação ao culto judaico.

O cristianismo plural:


O cristianismo plural:
história, teologia e pastoral


(Por: Vanderson de Sousa Silva - Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, formado em Pedagogia, Filosofia e graduando-se em Ciências Socias pela UFF - contato: semvanderson@hotmail.com)

1. Introdução
Este artigo busca perquirir acerca do cristianismo que é plural, analisando-o teologicamente e apontando as consequências na pastoral. Como compreender a fé cristã diante da pluralidade confessional e contextual do cristianismo? O que a história nos mostra? A pluralidade anula a unidade?
Partindo destas questões, buscar-se-á ainda que laconicamente pontuar as possíveis interfaces do problema da pluralidade e da unidade.

2. Prefação antropológica
Ao percorrermos a história das religiões rapidamente verificaremos que desde as origens pré-históricas houve uma pluralidade de manifestações de religiões . Basta para isto, pensarmos nos recentes estudos da antropologia, que tematiza também a cultura religiosa dos povos. Exemplo claro desta, poder-se-ia pensar no estudo do antropólogo polonês B. Malinowski em sua obra – Argonautas do Pacífico Ocidental, nesta obra etnográfica, Malinowski estuda os Trobriandeses, dentre outros aspectos estuda a religião dos mesmos. Poder-se-ia apresentar muitos outros estudos etnológicos acerca da religião como os de Tylor, Morgan, Evans-Pritchard, Boas, M. Mead e Lévi-Strauss.
O fenômeno religioso é encontrado em todas as culturas estudadas pela etnologia, desde povos animistas até politeistas, assim, muitos autores defendem um homo religiosus. Alguns traços são comuns às manifestações religiosas como a coesão social, o culto, liderança religiosa, contudo, existem traços que distingue-as, os antropólogos dividem em “calendáricos” e os de “momentos difíceis”. Por calendários compreendem todas as práticas baseadas no relacionamento com o sobrenatural, que se realizam com uma certa regularidade, há periodicidade. Enquanto que os ritos de “momentos difíceis” diferem dos “calendáricos”, por não haver uma regularidade cúltica, apenas irão realizar culto quando houver uma dificuldade posta. São práticas cúlticas para resolver um “momento difícil”, ainda que numa seca, todos envolvam-se no culto, é o individual que caracteriza-o.
Isto posto, poder-se-ia indagar: será que nossa experiência religiosa hodierna esta muito diferente do que os antropólogos perceberam nos povos estudados? Podemos hoje encontrar experiências religiosas “calendáricas” e de “momentos difíceis”?

3. Pluralidade no cristianismo: assentos históricos
Sem dúvida sempre existiu uma pluralidade religiosa e nem sempre foram amistosas as relações entre as partes. Tanto pluralidade de religiões como pluralidade no cristianismo, alguns autores afirmam haver no bojo do Cristianismo, vários cristianismos.
Na História da Igreja vemos uma transição do pluralismo para a uniformidade. Nos primieros séculos do cristianismo encontramos um pluralismo na liturgia, na disciplina, na organização institucional e na própria teologia. A partir do século X há uma mudança, onde o pluralismo é visto como destruidor da unidade. A mudança de milenio com a Reforma Gregoriana acentuou-se a uniformidade na liturgia, na disciplina eclesiástica e na organização da Igreja.
O próprio discurso cristão dos primeiros tempos era plural, segundo Sesboüé, haviam “três tipos de discursos principais que se apresentam nas origens da literatura cristã, a título de interpretação do querigma: o judeu-cristianismo, o gnosticismo e os Padre apostólicos” .
Numa atenta leitura dos textos neotestamentários perceberemos uma pluralidade teológica e de compreenções do cristianismo, basta compararmos a cristologica de Marcos com a literatura joanina e a paulina. O próprio Novo Testamento como consignação escrita da Revelação de Jesus Cristo é plural, coexistem cristologias no protocristianismo. Segundo Lacoste no Novo Testamento existem grupos que merecem quase o nome de escolas teológicas, bem como no período patrístico onde surgem as “escolas”, como a alexandrina onde brilham Clemente e Cirilo.
O próprio processo de afirmação do dogma perpassam correntes e escolas teológicas, exemplo clarividente são os debates teológicos do V e VI século, obrigando a Igreja a arbitrar o debate que opunha as diferentes escolas: alexandrina e antioquena.
A Liturgia era plural no primeiro milênio, as tradições litúrgicas: a liturgia romana, a africana, a galicana e a hispano-moçárabe. Os formulários de Anáforas Eucarísticas eram variadas, como a de Hipólito de Roma, Adai e Mari, Serapião, Crisóstomo. Os Sacramentários eram regionais: Sacramentário da Gália, Sacramentério Gregoriano (Roma). A Liturgia momento de unidade exprimia na sua estrutura a pluralidade que não opunha-se a mesma. O comum no primeiro milênio era o plural, exemplo disto eram as famílias litúrgicas: orientais (grupo siro-oriental, anticalcedoniano, calcedoniano) e ocidentais (romano, galicano, moçarábico, africano, ambrosiano). Com a virado do século X começa-se um processo de uniformidade litúrgica.
No campo da disciplina e organização eclesiástica, se constata o mesmo movimento de centralização e uniformidade. No período pós-apostólico verifica-se uma diversidade na organização e disciplina nas comunidades cristãs, exemplo é a forma de configuração do ministério eclesial: para Inácio de Antioquia o modelo era episcopal, sacerdotal, diaconal, enquanto para o Pastor de Hermas, o modelo era mais colegial – o colégio presbiteral. Contudo o modelo inaciano foi assumido pela Igreja na Reforma Gregoriana para unificar a Igreja, não olvide-se que neste momento passa a liturgia a existir na ordenação episcopal o juramento de obediência ao Papa.
Observa-se uma uniformização no segundo milênio e este modelo de centralização vai sendo cada vez mais corroborado na história da Igreja. A Reforma Gregoriana culmina em Trento. Contudo, este modelo encontra-se em crise na pós-modernidade.
A pós-modernidade apregoa valores tais como o pluralismo, a emergêmcia da pessoa (respeitar a idiossicrasia), emergência do indivíduo, em suma liberdade-autonomia, ainda que devedores do próprio cristianismo, a pós-modernidade paradoxalmente encontra-se em duas posições, a saber: exeige o respeito à pluralidade, mas massifica a cultura pela uniformidade, há uma tensão entre pluralidade e unidade.

4. Possível reflexão teológico-pastoral da questão
O problema da pluralidade e da unidade é posto ao homem desde a filosofia antiga com os pré-socráticos: Parmênedes na permanência da unidade, enquanto Herácleto na pluralidade, constante mudança. Ao londo do da construção do pensamento estas forças concêntricas e excêntricas vivem em tensão. O homem apela ao Uno, porém observa a pluralidade do real, Plotino e toda a metafísica medieval que culmina em Tomás de Aquino com a afirmação do Ser que se adequa à pluralidade dos entes. A própria teologia se depara com o problema da unidade e da pluralidade: como pode em Jesus co-existir duas realidades – humana e divina?
A teologia do pluralismo fundamentada está na união de Jesus em duas natureza: humana e divina, que não se confundem (plural – dual), mas não se negam (unidade – união hipostática). A fé eclesial goza de uma unidade multiforma. Esta unidade não pode negar a pluralidade, nem confundir pluralidade com sectarismos, mas unidade no plural.
Ainda que diversa seja a pluralidade na Igreja, que poderia por em perigo sua própria identidade e existência, esta pluralidade eclesial é diversa do pluralismo da atual sociedade, pois o pluralismo na hodierna sociedade resulta da ausência de uma instância que balize os valores e objetivos, já que esta instância não é aceita por todos os agentes socias. Ao contrário na Igreja existe uma estrutura que abaliza a mesma, esta é a normatividade da Escritura e da Tradição, ainda que em tensão esteja em seu bojo. Nossa fé é balizada pelo mistério da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, mistério este que não abarcamos, mas que se nos revela como ação salvífica para todos os homens.
Ainda que no cristianismo encontremos “escolas de teologia”, estas tendem pluralidade sempre brota do mesmo movimento da fé, que está catalisada para o mistério de Cristo. Portanto a fé se tematizará necessariamente na pluralidade que é legítima, esta fé da Igreja é uma unidade multiforme.
A Igreja prestará grande serviço à humanidade se conseguir implementar na sua vida interna e na pastoral: o manter na unidade o essencial e respeitar o plural. Pense-se nas diversar ondas de violência por causa da não adequação do plural na unidade: as guerras, discriminação contra homossexuais, bullying e ciberbullying nas escolas, problema da globalização que não respeita as culturas regionais e o próprio escândalo dos problemas concernetes a não busca do ecumenismo.
Coloca-se neste contexto o problema da inculturação da fé . Sabemos que não existe uma fé pura, intocável, mas fé inculturada, dentro de um quadro interpretativo. Assim, o cristianaismo para ser sinal universal de salvação para os homens tem que levar em conta a realidade da cultura. Sem uma interculturalidade, ou seja a da fé (que já está inculturada em uma determinada cultura) e a cultura a que se destina evangelizar, não haverá sucesso na evangelização e não terá mais sentido um cristianismo que não é sinal salvífico. Ao perder sua capacidade dialógica com as culturas, que são plurais, o cristianismo não será sacramento de salvação ao mundo. Perdendo seu sentido de existir. Isto é muito sério. Interpela-nos a buscar caminhos no diálogo com as culturas.
Miranda pondera que a fé encontrando-se objetivada numa cultura (pois toda fé já é inculturada) ao entrar em diálogo com outra cultura e havendo uma relação assimétrica entre as mesmas, sempre haverá o perigo de impor os valores culturais como valores evangélicos. Permanece o perigo de uniformização, tendência esta que ronda constantemente a Igreja na evangelização.
Poder-se-ia ainda ponderá acerca de algumas pistas: 1. A cultura é um elemento simbólico – grande possibilidade de diálogo, pois o cristianismo possui um grande campo simbólico; 2. A pós-modernidade apregoa valores como a emergência do indivíduo e da experiência afetiva – o cristianismo funda o conceito de natura individui; 3. A unidade multiforme no cristianismo ainda que não seja da mesma ordem que na sociedade hodierna pode contribuir para o enfrentamento dos problemas desta.
O cristianismo desde a sua origem busca a unidade na pluralidade, contudo, nos percursos históricos nem sempre conseguiu viver esta pluralidade, buscando e até impondo a uniformização. Este continua sendo um desafio para a inculturação da fé, pois. o respeito pelas culturas é um imperativo sem o qual está fadada ao insucesso a Evangelização.
Por fim, poder-se-ia encerrrar com a perspectiva do futuro do cristianismo segundo a visão de Libânio, que afirma:

O Cristianismo do futuro sofrerá de crescentes incertezas. Perderá a homogeneidade dos dogmas e se esforçará por interpretá-los nos diversos contextos culturais, geográficos, étnicos, religiosos. Ele se entenderá histórico, contextual, plural. Assistirá ao ocaso da cultura ocidental, cartesianamente racional, capitalista neoliberal, burocrática, centrada no varão conquistador, de raça branca e de religião católica romana hegemônica para ver surgir novo paradigma com valorização da ecologia, da mulher, da diversidade racial, do diálogo intercultural e interreligioso e da relação entre as pessoas e povos.

Cristianismo para continuar sua missão de anunciar o Evangelho a todos os povos deverá se aproximar mais dos excluídos, do mundo da afetividade das pessoas; dialogar verdadeiramente com as ciências e tecnologias. Ouvir mais que buscar ensinar, ouvir os intelectuais, os “ateus”, estar pronta a ouvir e mais tarda a falar. O Cristianismo perpetuar-se-á, não pela força da persuação ou até mesmo pela imposição, mas pelo diálogo e testemunho, na busca comum da verdade e do bem em vista de convivência humana e da paz.

Considerações finais
Ao término desta lacônica reflexão reconhecemos que mais ponderamos o problema que possobilitamos resolvê-los. Não era nosso propósito propor soluções, visto que as mesmas carencem de tempo e reconhecemos nossa limitação para tal empreitada. Contudo, esta possível reflexão ainda que com lacunas pode considerar o problema da pluralidade e na unidade, perpassando a prefação do diálogo com a antropologia e a história da Igreja e por fim apresentamos o problema da inculturação da fé na cultura que é plural. Em suma, nossa reflexão possibilita uma ulterior pesquisa da temática do cristianismo plural em seu bojo e no diálogo com a pluralidade pós-moderna.

Referências Bibliográficas
AUGÉ, M. Liturgia – história, celebração, teologia e espiritualidade. São Paulo: Editora Ave Maria, 1992.
LACOSTE, J-Y. Escolas Teológicas. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004.
MIRANDA, M. F. Existência cristã hoje. São Paulo: Loyola, 2005.
_______. Igreja e sociedade. São Paulo: Paulinas, 2009.
_______. Inculturação da Fé – uma abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001.
SESBOÜÉ, B; WOLINSKI, J. História dos Dogmas I. O Deus da salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002.
TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia cultural. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.