sábado, 11 de junho de 2011

Espiritualidade Trinitária: aspectos litúrgicos

Espiritualidade Trinitária: aspectos litúrgicos

Por Vanderson de Sousa Silva, Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, formado em Teologia, Filosofia, Pedagogia e graduando-se em Ciências Sociais, contato: semvanderson@hotmail.com)

Dado que a Liturgia tem como centro gravitacional o Mistério do Deus Uno-Trino onde giram todas as suas celebrações, que intentão render culto de adoração, a Espiritualidade dimanada dela somente poderia ser Trinitária.
Não olvidemo-nos, de que a Liturgia, estrutura-se num movimento - anabático e catabático - de subida e descida. Dos homens (louvor, adoração, eucaristia) ao Pai, pelo Filho, no Espírito - subida. Bem como, num movimento descendente, do Pai (eleição-graça-salvação), pelo Filho, no Espírito, aos homens.



A estrutura anabático-catabática da liturgia corrobora-se pelo fato de que a relação do Deus Uno-trino, com a humanidade, exerce-se num movimento ininterrupto de constante kenoses. O Pai - esvazia-se - de si para gerar eternamente seu amado Filho, este por sua vez, torna-se a imagem encarnada do ‘empobrecimento’, assumindo a condição humana, na carne, fazendo-se um ‘ser-para’. Grandes implicações esta estrutura trará para a espiritualidade, ou seja, a mesma, é antes de tudo uma relção Trinitária de diálogo anabático-catabático.

A teologia redescobriu no movimento litúrgico a estrutura fundamental da oração litúrgica, esta, ou é trinitária ou não será verdadeiramente cristã. Bem como, possibilitou à teologia trinitária, perceber-se na lex orandi, visto que, a lex credendi, possui sua fonte e ápice no ato celebrativo, não podemos separar o ‘ato de fé’ do ‘ato celebrativo’ e o ‘ato de viver’ .
A imagem-esvaziada do Filho na Ceia-cruxifixão-morte-descida aos infernos, encontra seu máximo despojamento no sopro de seu hálito-pneumático sobre a Igreja e o mundo. O Espírito Santo doado por Cristo, pode ser vislumbrado como o ícone vivo deste esvaziamento contínuo da Trindade, que não cessa de doar-se ao homem. O Espírito Santo é em sua essência epiclética, ou seja, é descida. É por obra do Espírito Santo, que a liturgia é a celebração no tempo e no espaço do opus redemptionis , ou seja, o plano histórico-salvífico realizado pelo Pai em Cristo, é atualizado sacramentalmente em cada ação litúrgica. Como tal, a liturgia é essencialmente epifania do Espírito de Cristo Ressuscitado.
Para uma melhor visualização da estrutura trinitária das orações litúrgico-eclesiais, observemos alguns textos litúrgico-eucológicos:

Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, iniciar com este dia de jejum o tempo da Quaresma, para que a penitência nos fortaleça no combate contra o espírito do mal. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Ouvi, ó Pai, as nossas preces para que, ao afirmarmos nossa fé na ressurreição do vosso Filho, se confirme também nossa esperança na ressurreição de vosso servo N. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Deus Pai de misericórdia, que pela morte e ressurreição do vosso Filho, enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Após, a observação destas orações litúrgicas, conclui-se que a Liturgia cristã, bem como a espiritualiade é patrofinalizada, cristomediatizada e pneumato-amalgamada. Respectivamente, estas querem expressar o seguinte conceito teológico: toda a oração se dirige ao Pai, enquanto princípio fontal e meta de todo o agir humano. É mediada pelo Cristo - Jesus é o Sumo e eterno sacerdote da Nova Aliança e o único mediador. Assim, como é pela ação do Espírito Santo – pneuma, que se ‘forma’ a oração em nós, assim, como afirma Paulo - “[...] o próprio Espírito ora em nós com gemidos inefáveis”. “Tudo vem do Pai pelo Filho no Espírito; e tudo, no mesmo Espírito, pelo Filho ao Pai”.




A estrutura trinitária da Litúrgica conduz o orante a uma experiência mística com a Trindade, contudo, esta só é possível pela ação do Espírito Santo, Aquiles Triacca afirma que:

Se a celebração litúrgica não for sinal do Espírito, ela nada será. Com efeito, a verdadeira essência da ação litúrgica consiste em ser-epifania-do-Espírito Santo. Ora, o Espírito, por meio da Escritura, foi iconógrafo, isto é, operou no hagiógrafo a revelação do ícone do Pai, que é Jesus Cristo (cf. 2Cor 4,4; Cl 1,15). Em Maria, ele foi iconoplasta, ou seja, é plasmador do próprio ícone (do Verbo). Na ação litúrgica, ele simultaneamente iconógrafo, iconoplasta e iconóforo, isto é, portador do ícone do Pai presencializado e vivificado.



Portanto, o Espírito Santo - plasma, porta e escreve o ícone da Trindade no orante da prece litúrgica. A ação litúrgica pela epíclese do Espírito Santo é apofática, no sentido de contemplar o Mistério, sem racionalizá-lo com o excesso discurso teológico.
A estrutura da oração litúrgica nos vários: Ordos, sacramentais e livros litúrgicos, segue sempre a doxologia Trinitária - ao Pai, pelo Filho no Espírito. Esta estrutura Trinitária é normativa e modelo para toda oração cristã, pode-se mesmo afirmar que a lex orandi e lex credendi, transbordam na moral de atitude cristã, pois a vida do cristão é relação com a Trindade - lex vivendi. Em suma, a Espiritualidade Litúrgica é patrofinalizada, cristomediatizada e pneumato-amalgamada.

Traços de uma Espiritualidade Litúrgica

Traços de uma Espiritualidade Litúrgica

Por: Vanderson de Sousa Silva, Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, formado em Pedagogia, Teologia, Filosofia e graduando-se em Ciências Sociais - contato: semvanderson@hotmail.com)




Após a apresentação de um breve história da Espiritualidade, poder-se-ia neste ítem, trabalhar os traços de uma espiritualidade que brota da liturgia mesma.
Não se olvide que a espiritualidade pode sem entendida como o conjunto de experiência que grupos ou indivíduos fizeram e criaram escolas, dentre as escolas de espiritualidade destacam-se: a beneditina, a cisterciense, a cartuxa, a inaciana, a carmelita, a franciscana, mariana entra outras. A Igreja assumui todas estas experiência corroborando-as como caminhos de experiência de Deus, ainda mais, a Igreja invita seus filhos no seguimento de Cristo via uma destas escolas de espiritualidade. Contudo, a Igreja apesar de assumir em seu bojo estas escolas de espiritualidade, não faz de nenhuma delas a experiência eclesial. A Espiritualidade da Igreja é Espiritualidade Litúrgica, como assevera Iraburu .

Augé apresentando os traços da espiritualidade litúrgica assevera que ao falar-se de liturgia, esta referindo-se ao momento celebrativo e mistagógico, portanto, do mistério. Segundo o autor, a celebração litúrgica é “[...] um ambiente concreto de experiência espiritual cristã, uma espiritualidade concreta [...]” . Assim, é no ambiente concreto e na forma ordinária da celebração litúrgica que o cristão aure a espiritualidade, a resignifica e alimenta.
Por fim assevera, Augé que:


[...] a experiência espiritual cristã não pode considerar a celebração nem como estrutura facultativa, nem como estrutura intermediária, mas sim como um momento que alicerça, gerador da própria experiência.


A experiência espiritual cristã encontra ordinariamente na Liturgia a referência, as balizas, a fonte e o cume de sua realização, esta contudo, não é uma experiência ritualista, mas uma celebração prenhe do mistério – o próprio Deus. Esta experiência espiritual litúrgica nõa prende-se na celebração mas transborna na vida, cabe muito bem, a compreensão antiga da lex orandi, lex credendi, e da lex vivendi.
Outro traço da Espiritualidade Litúrgica é a sequela Christi, centro de toda ação litúrgica, que conduz o orante a uma atitude e um estilo de vida que se baseia na assimilação ou identificação com a pessoa de Cristo. Este seguimento de Cristo, segundo Augé é produzida:


[...] pelo batismo e pela confirmação e a seguir nutridos pela plena participação à Eucaristia, aos sacramentos em geral e à oração da Igreja; tudo isso no âmbito fundamental do Ano Litúrgico [...]


No quadro da Liturgia que o fiel pela Iniciação Cristã é inserido no mistério Trinitário pela mistagogia das celebrações dos sacramentos e sacramentais no contexto do Ano Litúrgico. Na Liturgia o mistério de Cristo é sacramentalmente celebrado e vivido de forma integral, em todo opus Dei celebra-se fundamentalmente o Mistério Pascal-Pentecostal de Cristo.
Pádua recolhe de vários teólogos as características da experiência mística e as sintetisa, segunda a mesma, é experiência de Algo ou Alguém que sobrepassa a pessoa e que se revela mais real do que o que se considera a realidade; é totalizante da presença do Todo; ultrapassa a vida ordinária; provoca uma profunda alteração na vida da pessoa com apelo ético e existencial; é uma experiência gratuita, onde não contam os mérios do místico; outro elemento é a passividade, é “Deus o mistério que invade a existência humana”; é uma experiência inefável o que decorre a dificuldade do místico expressar com palavras o inefável e indizível da experiência mística; surge no místico uma nova consciência, a intuitiva e unitiva; por fim, o místico não absolutiza sua esperiência e não a desvincula do amor.

ANÁFORA EUCARÍSTICA E A CEIA PASCAL JUDAICA



ANÁFORA EUCARÍSTICA E A CEIA PASCAL JUDAICA

Por: Vanderson de Sousa Silva, Mestrando em Teologia na Pontifícia Universidade católica do Rio de Janeiro, formado em Filosofia, Teologia, Pedagogia e graduando-s eme Ciências Sociais - contato: semavanderson@hotmail.com)

Para melhor traçar um desenvolvimento histórico da Oração Eucarística II, dever-se-ia analisar anteriormente a origem da Anáfora na tradição judaica. J. P. Audet, em seu artigo na Revue Biblique afirma ser na tradição judaica o ‘lugar’ onde deveria situar-se a pesquisa sobre a gênese da Anáfora cristã. Ainda, Jean Daniélou defende o caráter judaico das orações cristãs, sendo imprescindível a pesquisa dos gêneros literários das beraká judaicas para entendermos o gênero das orações litúrgicas do cristianismo .




No primeiro momento, a pesquisa acerca da origem da anáfora cristã identificava a mesma, com a oração de benção, numa dependência literária. Com os estudos cada vez mais especializados, os liturgistas, verificaram que muito além desta dependência literária, havia a continuidade de: acentos e inspiração. A hipótese segundo a qual a forma original da celebração eucarística da Igreja primitiva deveria ser explicada a partir Ceia Pascal encontra defensores em Bickell e Thibaut , contudo esta dependência literária total encontra hoje rejeição por quase todos os especialistas em judaísmo, nos exegetas e liturgistas. Esta verificação foi possibilitada pela comum concepção – judaica e cristã - de que a Palavra de Deus é normativa da fé, oração e da práxis.


Se no primeiro momento, a pesquisa tende a explicar esta relação predominantemente em termos de dependência literária da prece eucarística diante da 'oração de benção', que caracteriza de modo todo singular a tradição litúrgica hebraica inteira, as contribuições posteriores vão muito além disso: o acento é colocado principalmente sobre a continuidade de inspiração e de temas existentes nas duas tradições, continuidade que se tornou possível, em particular, devido à constante referência feita por ambas à Palavra de Deus [...].


A Ceia de Jesus está numa relação direta com a páscoa judaica, visto que, Jesus instituiu a Eucaristia durante a celebração anual da páscoa. A origem da Prece Eucarística deve ser procurada nos gestos e nas palavras que Jesus realizou na ‘última Ceia’, esta, nos foi transmitida nas narrativas Bíblicas, que se tornaram referência normativa e estrutural da própria Oração Eucarística.
No entanto, os liturgistas e exegetas, indagam acerca do ritual utilizado por Jesus. Teria sido uma ceia festiva ou o ritual judaico da páscoa?
Ser-nos-ia imprescindível, analisar brevemente a última Ceia, em alguns aspectos importantes : As perícopes bíblicas que relatam a ‘última Ceia de Jesus’ no contexto da festa judaica da páscoa são: sinóticos – Mt 26, 2: “Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa [...]”; Mc 14, 1: “A Páscoa e os ázimos seriam dois dias depois [...]”; Lc 22, 1: “Aproximava-se a festa dos Ázimos, chamada Páscoa [...]”. Além do escrito joanino – Jo 12,1: “Seis dias antes da Páscoa [...]”.

Segundo o texto sinótico a ‘última Ceia’ – foi uma ceia pascal, enquanto, que para João (Jo 18, 28), a morte de Jesus seguiu-se a noite da páscoa hebraica. Pontos comuns: tratou-se de uma refeição, que seguia o ritual judaico de refeição, que como tal, tinha seu ocaso com uma oração de ‘ação de graças’. Esta, denominada de birkat há mazon , que seria traduzido por - a benção (de Deus) para o alimento (que foi tomado) -, esta ação de graças nunca podia faltar. Assim, se expressa a IGMR , no n. 72, indo bem de encontro com a tradição judaica de ação de graças pelas mirabilia Dei: “Na Oração Eucarística rendem-se graças a Deus por toda a obra da salvação e as oferendas tornam-se Corpo e Sangue de Cristo”. Contudo, corre-se o risco de se olvidar que há algo de específico na Oração Eucarística em relação ao birkat há mazon: a liturgia cristã, integrou, aperfeiçoou e enriqueceu-as. Dando um novo sentido, ou melhor, um sentido doxo-trinitário e escatológico à Anáfora Eucarística.


A tradição judaica peremptoriamente afirmava que um judeu não poderia comer, ainda que privativamente, sem, contudo realizar o ritual de berakah, este consistia em ‘agradecimentos em forma de bênçãos’ sobre os alimentos, especialmente o pão abençoado pelo pai de família, ou ainda por aquele que presidia a mesa, no início da refeição, dispensava a benção em cada alimento consumido depois com o pão. Numa refeição de cerimonia a mesma terminava com benção da taça, que era passada de mão em mão, realçando ainda mais o caráter comunitário da berakah .
O grande exegeta, Joachim Jeremias, em sua obra - Os ditos da última ceia , chegou à conclusão que foi verdadeiramente uma ceia pascal judaica o que Jesus realizou com os seus discípulos. Assim, fica respondida a indagação proposta acerca de que ‘ritual’ Jesus havia utilizado na Ceia. Bem como o grande liturgista, Dom Abade Salvatore Marsili, diz:


A Última Ceia de Cristo foi certamente uma ceia pascal judaica, tenha ela sido realizada no dia da Páscoa, no dia anterior (Quinta-feira Santa) ou três dias antes (terça-feira Santa). Que Cristo não tenha celebrado no dia oficialmente fixado é certo, já que ele morreu na cruz precisamente enquanto os judeus sacrificavam a Páscoa.


O estudo da liturgia judaica e sua influência na construção da liturgia cristã pode auxiliar-nos no intuito de compreender as origens do culto cristão, seja nas raízes veterotestamentárias como na ação cúltica dos povos da antiguidade. Esta visa não é um arqueologismo litúrgico, mas antes a melhor vivência de nossa prática litúrgica. Assim, o estudo da relação entre a ceia judaica e liturgia cristã, pode-se perceber a não dependência cristã em relação à outra, mas um novo sentido e agregação de novos elementos. Portanto, exclui-se qualquer tentativa de afirmar a total dependência cúltica e literária da liturgia cristã em relação ao culto judaico.

O cristianismo plural:


O cristianismo plural:
história, teologia e pastoral


(Por: Vanderson de Sousa Silva - Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, formado em Pedagogia, Filosofia e graduando-se em Ciências Socias pela UFF - contato: semvanderson@hotmail.com)

1. Introdução
Este artigo busca perquirir acerca do cristianismo que é plural, analisando-o teologicamente e apontando as consequências na pastoral. Como compreender a fé cristã diante da pluralidade confessional e contextual do cristianismo? O que a história nos mostra? A pluralidade anula a unidade?
Partindo destas questões, buscar-se-á ainda que laconicamente pontuar as possíveis interfaces do problema da pluralidade e da unidade.

2. Prefação antropológica
Ao percorrermos a história das religiões rapidamente verificaremos que desde as origens pré-históricas houve uma pluralidade de manifestações de religiões . Basta para isto, pensarmos nos recentes estudos da antropologia, que tematiza também a cultura religiosa dos povos. Exemplo claro desta, poder-se-ia pensar no estudo do antropólogo polonês B. Malinowski em sua obra – Argonautas do Pacífico Ocidental, nesta obra etnográfica, Malinowski estuda os Trobriandeses, dentre outros aspectos estuda a religião dos mesmos. Poder-se-ia apresentar muitos outros estudos etnológicos acerca da religião como os de Tylor, Morgan, Evans-Pritchard, Boas, M. Mead e Lévi-Strauss.
O fenômeno religioso é encontrado em todas as culturas estudadas pela etnologia, desde povos animistas até politeistas, assim, muitos autores defendem um homo religiosus. Alguns traços são comuns às manifestações religiosas como a coesão social, o culto, liderança religiosa, contudo, existem traços que distingue-as, os antropólogos dividem em “calendáricos” e os de “momentos difíceis”. Por calendários compreendem todas as práticas baseadas no relacionamento com o sobrenatural, que se realizam com uma certa regularidade, há periodicidade. Enquanto que os ritos de “momentos difíceis” diferem dos “calendáricos”, por não haver uma regularidade cúltica, apenas irão realizar culto quando houver uma dificuldade posta. São práticas cúlticas para resolver um “momento difícil”, ainda que numa seca, todos envolvam-se no culto, é o individual que caracteriza-o.
Isto posto, poder-se-ia indagar: será que nossa experiência religiosa hodierna esta muito diferente do que os antropólogos perceberam nos povos estudados? Podemos hoje encontrar experiências religiosas “calendáricas” e de “momentos difíceis”?

3. Pluralidade no cristianismo: assentos históricos
Sem dúvida sempre existiu uma pluralidade religiosa e nem sempre foram amistosas as relações entre as partes. Tanto pluralidade de religiões como pluralidade no cristianismo, alguns autores afirmam haver no bojo do Cristianismo, vários cristianismos.
Na História da Igreja vemos uma transição do pluralismo para a uniformidade. Nos primieros séculos do cristianismo encontramos um pluralismo na liturgia, na disciplina, na organização institucional e na própria teologia. A partir do século X há uma mudança, onde o pluralismo é visto como destruidor da unidade. A mudança de milenio com a Reforma Gregoriana acentuou-se a uniformidade na liturgia, na disciplina eclesiástica e na organização da Igreja.
O próprio discurso cristão dos primeiros tempos era plural, segundo Sesboüé, haviam “três tipos de discursos principais que se apresentam nas origens da literatura cristã, a título de interpretação do querigma: o judeu-cristianismo, o gnosticismo e os Padre apostólicos” .
Numa atenta leitura dos textos neotestamentários perceberemos uma pluralidade teológica e de compreenções do cristianismo, basta compararmos a cristologica de Marcos com a literatura joanina e a paulina. O próprio Novo Testamento como consignação escrita da Revelação de Jesus Cristo é plural, coexistem cristologias no protocristianismo. Segundo Lacoste no Novo Testamento existem grupos que merecem quase o nome de escolas teológicas, bem como no período patrístico onde surgem as “escolas”, como a alexandrina onde brilham Clemente e Cirilo.
O próprio processo de afirmação do dogma perpassam correntes e escolas teológicas, exemplo clarividente são os debates teológicos do V e VI século, obrigando a Igreja a arbitrar o debate que opunha as diferentes escolas: alexandrina e antioquena.
A Liturgia era plural no primeiro milênio, as tradições litúrgicas: a liturgia romana, a africana, a galicana e a hispano-moçárabe. Os formulários de Anáforas Eucarísticas eram variadas, como a de Hipólito de Roma, Adai e Mari, Serapião, Crisóstomo. Os Sacramentários eram regionais: Sacramentário da Gália, Sacramentério Gregoriano (Roma). A Liturgia momento de unidade exprimia na sua estrutura a pluralidade que não opunha-se a mesma. O comum no primeiro milênio era o plural, exemplo disto eram as famílias litúrgicas: orientais (grupo siro-oriental, anticalcedoniano, calcedoniano) e ocidentais (romano, galicano, moçarábico, africano, ambrosiano). Com a virado do século X começa-se um processo de uniformidade litúrgica.
No campo da disciplina e organização eclesiástica, se constata o mesmo movimento de centralização e uniformidade. No período pós-apostólico verifica-se uma diversidade na organização e disciplina nas comunidades cristãs, exemplo é a forma de configuração do ministério eclesial: para Inácio de Antioquia o modelo era episcopal, sacerdotal, diaconal, enquanto para o Pastor de Hermas, o modelo era mais colegial – o colégio presbiteral. Contudo o modelo inaciano foi assumido pela Igreja na Reforma Gregoriana para unificar a Igreja, não olvide-se que neste momento passa a liturgia a existir na ordenação episcopal o juramento de obediência ao Papa.
Observa-se uma uniformização no segundo milênio e este modelo de centralização vai sendo cada vez mais corroborado na história da Igreja. A Reforma Gregoriana culmina em Trento. Contudo, este modelo encontra-se em crise na pós-modernidade.
A pós-modernidade apregoa valores tais como o pluralismo, a emergêmcia da pessoa (respeitar a idiossicrasia), emergência do indivíduo, em suma liberdade-autonomia, ainda que devedores do próprio cristianismo, a pós-modernidade paradoxalmente encontra-se em duas posições, a saber: exeige o respeito à pluralidade, mas massifica a cultura pela uniformidade, há uma tensão entre pluralidade e unidade.

4. Possível reflexão teológico-pastoral da questão
O problema da pluralidade e da unidade é posto ao homem desde a filosofia antiga com os pré-socráticos: Parmênedes na permanência da unidade, enquanto Herácleto na pluralidade, constante mudança. Ao londo do da construção do pensamento estas forças concêntricas e excêntricas vivem em tensão. O homem apela ao Uno, porém observa a pluralidade do real, Plotino e toda a metafísica medieval que culmina em Tomás de Aquino com a afirmação do Ser que se adequa à pluralidade dos entes. A própria teologia se depara com o problema da unidade e da pluralidade: como pode em Jesus co-existir duas realidades – humana e divina?
A teologia do pluralismo fundamentada está na união de Jesus em duas natureza: humana e divina, que não se confundem (plural – dual), mas não se negam (unidade – união hipostática). A fé eclesial goza de uma unidade multiforma. Esta unidade não pode negar a pluralidade, nem confundir pluralidade com sectarismos, mas unidade no plural.
Ainda que diversa seja a pluralidade na Igreja, que poderia por em perigo sua própria identidade e existência, esta pluralidade eclesial é diversa do pluralismo da atual sociedade, pois o pluralismo na hodierna sociedade resulta da ausência de uma instância que balize os valores e objetivos, já que esta instância não é aceita por todos os agentes socias. Ao contrário na Igreja existe uma estrutura que abaliza a mesma, esta é a normatividade da Escritura e da Tradição, ainda que em tensão esteja em seu bojo. Nossa fé é balizada pelo mistério da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, mistério este que não abarcamos, mas que se nos revela como ação salvífica para todos os homens.
Ainda que no cristianismo encontremos “escolas de teologia”, estas tendem pluralidade sempre brota do mesmo movimento da fé, que está catalisada para o mistério de Cristo. Portanto a fé se tematizará necessariamente na pluralidade que é legítima, esta fé da Igreja é uma unidade multiforme.
A Igreja prestará grande serviço à humanidade se conseguir implementar na sua vida interna e na pastoral: o manter na unidade o essencial e respeitar o plural. Pense-se nas diversar ondas de violência por causa da não adequação do plural na unidade: as guerras, discriminação contra homossexuais, bullying e ciberbullying nas escolas, problema da globalização que não respeita as culturas regionais e o próprio escândalo dos problemas concernetes a não busca do ecumenismo.
Coloca-se neste contexto o problema da inculturação da fé . Sabemos que não existe uma fé pura, intocável, mas fé inculturada, dentro de um quadro interpretativo. Assim, o cristianaismo para ser sinal universal de salvação para os homens tem que levar em conta a realidade da cultura. Sem uma interculturalidade, ou seja a da fé (que já está inculturada em uma determinada cultura) e a cultura a que se destina evangelizar, não haverá sucesso na evangelização e não terá mais sentido um cristianismo que não é sinal salvífico. Ao perder sua capacidade dialógica com as culturas, que são plurais, o cristianismo não será sacramento de salvação ao mundo. Perdendo seu sentido de existir. Isto é muito sério. Interpela-nos a buscar caminhos no diálogo com as culturas.
Miranda pondera que a fé encontrando-se objetivada numa cultura (pois toda fé já é inculturada) ao entrar em diálogo com outra cultura e havendo uma relação assimétrica entre as mesmas, sempre haverá o perigo de impor os valores culturais como valores evangélicos. Permanece o perigo de uniformização, tendência esta que ronda constantemente a Igreja na evangelização.
Poder-se-ia ainda ponderá acerca de algumas pistas: 1. A cultura é um elemento simbólico – grande possibilidade de diálogo, pois o cristianismo possui um grande campo simbólico; 2. A pós-modernidade apregoa valores como a emergência do indivíduo e da experiência afetiva – o cristianismo funda o conceito de natura individui; 3. A unidade multiforme no cristianismo ainda que não seja da mesma ordem que na sociedade hodierna pode contribuir para o enfrentamento dos problemas desta.
O cristianismo desde a sua origem busca a unidade na pluralidade, contudo, nos percursos históricos nem sempre conseguiu viver esta pluralidade, buscando e até impondo a uniformização. Este continua sendo um desafio para a inculturação da fé, pois. o respeito pelas culturas é um imperativo sem o qual está fadada ao insucesso a Evangelização.
Por fim, poder-se-ia encerrrar com a perspectiva do futuro do cristianismo segundo a visão de Libânio, que afirma:

O Cristianismo do futuro sofrerá de crescentes incertezas. Perderá a homogeneidade dos dogmas e se esforçará por interpretá-los nos diversos contextos culturais, geográficos, étnicos, religiosos. Ele se entenderá histórico, contextual, plural. Assistirá ao ocaso da cultura ocidental, cartesianamente racional, capitalista neoliberal, burocrática, centrada no varão conquistador, de raça branca e de religião católica romana hegemônica para ver surgir novo paradigma com valorização da ecologia, da mulher, da diversidade racial, do diálogo intercultural e interreligioso e da relação entre as pessoas e povos.

Cristianismo para continuar sua missão de anunciar o Evangelho a todos os povos deverá se aproximar mais dos excluídos, do mundo da afetividade das pessoas; dialogar verdadeiramente com as ciências e tecnologias. Ouvir mais que buscar ensinar, ouvir os intelectuais, os “ateus”, estar pronta a ouvir e mais tarda a falar. O Cristianismo perpetuar-se-á, não pela força da persuação ou até mesmo pela imposição, mas pelo diálogo e testemunho, na busca comum da verdade e do bem em vista de convivência humana e da paz.

Considerações finais
Ao término desta lacônica reflexão reconhecemos que mais ponderamos o problema que possobilitamos resolvê-los. Não era nosso propósito propor soluções, visto que as mesmas carencem de tempo e reconhecemos nossa limitação para tal empreitada. Contudo, esta possível reflexão ainda que com lacunas pode considerar o problema da pluralidade e na unidade, perpassando a prefação do diálogo com a antropologia e a história da Igreja e por fim apresentamos o problema da inculturação da fé na cultura que é plural. Em suma, nossa reflexão possibilita uma ulterior pesquisa da temática do cristianismo plural em seu bojo e no diálogo com a pluralidade pós-moderna.

Referências Bibliográficas
AUGÉ, M. Liturgia – história, celebração, teologia e espiritualidade. São Paulo: Editora Ave Maria, 1992.
LACOSTE, J-Y. Escolas Teológicas. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004.
MIRANDA, M. F. Existência cristã hoje. São Paulo: Loyola, 2005.
_______. Igreja e sociedade. São Paulo: Paulinas, 2009.
_______. Inculturação da Fé – uma abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001.
SESBOÜÉ, B; WOLINSKI, J. História dos Dogmas I. O Deus da salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002.
TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia cultural. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.

domingo, 6 de março de 2011

O FENÔMENO DAS ORAÇÕES EUCARÍSTICAS LIVRES


O FENÔMENO DAS ORAÇÕES EUCARÍSTICAS LIVRES

Por Vanderson de Sousa Silva¹ (contato: semvanderson@hotmail.com)

No que tange ao assunto que se buscará estudar neste item, limitaremos à análise fenomenológica da ‘recitação’ de Orações Eucarísticas de forma livre, improvisada, adaptada e dispensando o texto de uma das Preces Eucarísticas contidas no Missal Romano.
A Constituição Sacrosanctum Concilium, no n. 37, assevera que a Igreja não deseja “impor na Liturgia uma forma rígida e única para aquelas coisas que não dizem respeito à fé ou ao bem de toda a comunidade. Antes, cultiva e desenvolve os valores e os dotes de espírito das várias nações e povos.” No que tange ao desejo de não impor uma forma rígida não vale para as Orações Eucarísticas, pois estas diretamente dizem respeito à fé, os textos eucológicos-anafóricos trazem em suas afirmações considerações acerca da depositum fidei.
A realidade mostra-nos uma tendência em alterar o que se refere a textos litúrgicos como os vários Ordos dos sacramentos e do próprio Missale Romanum, este fenômeno da improvisação e alteração nos textos litúrgicos depara-se com fundamentalmente dois perigos: o primeiro é a heterodoxia e o segundo, o personalismo na liturgia.
Em relação ao primeiro perigo, pode-se afirmar que o celebrante da Eucaristia ao alterar e principalmente ao rezar livremente a Oração Eucarística está exposto a afirmar na oração heresias trinitárias, cristológicas, eclesiológicas e pneumatológicas. Estas afirmações podem negligenciar o Credo, este é normativo da fé, não podendo ser dispensado como modelo de medida das verdades fundamentais da Fé cristã. A comunidade cristã tem o direito de receber por parte de seus pastores uma sólida formação nas verdades da fé. Boyer, corrobora esta constatação do perigo da heterodoxia na total liberdade de rezar livremente a Prece Eucarística, para o autor o que fez com que a Igreja antiga formulasse por escrito uma Anáfora Eucarística foi principalmente as formulações heréticas, particularmente a grande crise ariana, na segunda metade de século IV .
O segundo perigo da alteração dos textos dos Rituais dos sacramentos e da Celebração da Eucaristia é o do personalismo por parte do presidente da celebração ou da equipe de liturgia, este personalismo é a alteração que gera um novo rito , mas um rito pessoal – meu rito. Esconde esta prática um equívoco, afirma-se que o Ritual é fixista e que não se pode prender à letra; contudo, ao alterar o Ritual, cria-se um novo ritual, só que este é individual, não é eclesial, no sentido mais belo do léxico, pois os Ordines foram construídos ao longo da história da Igreja e pela sua autoridade, não é trabalho individualista.
Em 2004, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, escreveu a pedido do Papa João Paulo II uma instrução – Redemptionis Sacramentum, sobre alguns aspectos que se deve observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia, nesta instrução encontra-se alguns pontos que diretamente tange a temática da recitação das Orações Eucarísticas de forma ‘livre’, no n. 51 assevera restritivamente que “Sejam utilizadas somente as orações eucarísticas que se encontram no Missal Romano ou legitimamente aprovadas pela Sé apostólica [...]” . A Instrução sita a Carta Apostólica Vicesimus quintus annus de João Paulo II, nesta carta o Papa escreve que “Não se pode tolerar que alguns sacerdotes se arroguem o direito de compor orações eucarísticas” ou modificar o texto daquelas aprovadas pela Igreja.
Bogaz e Signorini apresentam critérios para a adaptação litúrgica em quatro pontos, a saber: fé, litúrgico, eclesiológico e antropológico. Segundo os autores a adaptação se fundamenta na Encarnação do Verbo “[...] que atua na história e se presentefica na realidade de todos os povos humanos [...]” , há uma fundamentação teológia da adaptação que é o Mistério Encarnatório de Cristo que assumiu nossa carne. Contudo os autores afirmam que a liturgia possui elementos que são imutáveis, de direito divino, assim afirmam que “[...] a liturgia deve conservar os elementos imutáveis (instituídos pelo próprio Cristo)” para “[...] preservar a unidade das comunidades eclesiais numa só Igreja [...]” e servir-se de um instrumento simbólico compreensível por todos os fiéis.
Para Bogaz e Signorini, o próprio Ritual apresenta possibilidades de escolhas e fórmulas para adaptarem-se às diversas circunstâncias; assim afirmam que “celebrar com criatividade é mais que introduzir novas expressões; é, sobretudo celebrar bem e explorar bem as possibilidades de escolha apresentadas pelos próprios Rituais [...]” .
As prenotandas dos Rituais apresentam-nos a possibilidade de adaptação na liturgia, o n. 23 da Instrução Geral sobre o Missal Romano – IGMR, afirma que para que “[...] aumente sua eficácia pastoral, apresentam-se nesta Instrução Geral e no Ordinário da Missa alguns ajustes a adaptações.”, estas adaptações consistem na escolha de alguns ritos ou textos, ou seja, de cantos, leituras, orações, monições e gestos “mais correspondentes às necessidades, preparação e índole dos participantes [...]”. Portanto, na própria Igreja possibilita esta adaptação e a escolha na execução dos Ritos litúrgicos, esta escolha é do presidente da celebração. Contudo, o n. 24 da IGMR, afirma que o sacerdote “deve estar lembrado de que ele é servidor da sagrada liturgia” e de que não lhe é permitido, por iniciativa própria “[...] acrescentar, tirar ou mesmo mudar qualquer coisa na celebração da Missa”, esta assertiva por parte das prenotandas fundamenta-se no n. 22 da Sacrosanctum Concilium que proíbe a mudança e alteração no Rito.
A IGMR do n. 352 ao 399 trata da possibilidade de variações e escolhas de fórmulas e orações no Ritual. O título do capítulo VII da IGMR é bem sugestivo: ‘A escolha da Missa e de suas partes’, o cap. VIII – ‘Missas e orações para as diversas circunstâncias e Missas dos fiéis defuntos’ e, por fim, o cap. IX tem como título – ‘Adaptação que compete aos Bispos e às suas Conferências’. Demonstrando que há uma variedade de possibilidades enorme nas escolhas das Missas e Orações do Ritual .
Especificamente no que tange às Orações Eucarísticas, a IGMR, afirma no n. 364 que se pode escolher “[...] o grande número de prefácios com que o Missal Romano foi enriquecido [...]” com a intenção de realçar os vários aspectos do mistério da salvação. Contudo o n. 365 normatiza a escolha das Orações Eucarísticas, estabelecendo que a Oração Eucarística I pode ser escolhida sempre, porém é “mais oportuno nos dias em que a Oração Eucarística tem o ‘Em comunhão’, ou seja, na solenidade da Páscoa, Ascensão, Pentecostes, Natal e outras, bem como nas celebrações dos Apóstolos e dos santos mencionados na Oração I (exemplo: Lino, Cleto, Clemente, Águeda, Luzia, Perpétua e Felicidade e outros). A Oração II por suas características particulares é mais “apropriadamente usada nos dias de semana ou circunstâncias especiais [...]” e nas Missas por um fiel defunto por causa do seu Memento que possibilita a nomeação do defunto. A Oração III, diz a IMGR que dê-se preferência a ela nos Domingos e festas, enquanto que a Oração IV, possuindo um Prefácio próprio e imutável, pode ser escolhida quando a Missa não possui prefácio próprio bem como nos Domingos do Tempo Comum.
Observa-se, portanto que a adaptação é possível e até desejada pela Igreja; contudo, como bem afirma a - IV Instrução para uma correta aplicação da constituição Conciliar sobre a liturgia – da Congregação pra o Culto Divino, que esta deve ser realizada “[...] no respeito da unidade substancial do Rito Romano [...]”
Contudo, observa o Papa João Paulo II na Alocução ao Regional Nordeste 3 da CNBB em 29 de setembro de 1995, na visita Ad limina apostolorum, que a liturgia deve manifestar e unir uma Igreja particular sem perder a unidade do Rito Romano e o Espírito litúrgico, particularmente o Papa refere-se a Igreja no Brasil. Para Beckhäuser, comentando esta mesma Alocução afirma que no Brasil não há lugar para um rito afro-brasileiro, visto que os afro-brasileiros foram evangelizados a partir do Rito Romano e que no dizer de João Paulo II, tem-se que “[...] enraizar a Liturgia Romana nas diversidades culturais do Brasil” . Muito oporturtuno é a compreensão da liturgia como epifania de um Outro que é Deus em seu Mistério, como bem se expressa Ratzinger:


"A liturgia não é um show, um espetáculo que necessite de diretores e de atores de talento. A liturgia não vive de surpresas ‘simpáticas’, de invenções ‘cativantes’, mas de repetições solenes. Não deve exprimir a atualidade e o seu efêmero, mas o Mistério Sagrado. Muito pensaram e disseram que a liturgia deve ser ‘feita’ por toda a comunidade para ser realmente sua. É um modo de ver que levou a avaliar o seu sucesso em termos de eficácia espetacular, de entretenimento. Desse modo, porém, terminou por dispersar o proprium litúrgico, que não deriva aquilo que nós fazemos, mas do fato de que acontece. Algo que nós podemos, de modo algum, fazer. Na liturgia age uma força, um poder que nem mesmo a Igreja inteira pode atribuir-se: o que nela se manifesta (que não é, portanto, dona, mas serva, mero instrumento), chega até nós."




Para Ratzinger, a liturgia tem um proprium que não deriva de sua ação, mas é a acolhida do Totalmente Outro. Assim, o presidente da celebração litúrgica tornando-se servo do Mistério que se manifesta nas ações litúrgicas – o proprium Dei.

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1. O autor é mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-RJ, graduado em Filosofia, Teologia.É pedagogo e graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense - UFF.

Paul Eudokimov:A Pneumatologia dos Padres na Economia da Salvação


Paul Eudokimov:A Pneumatologia dos Padres na Economia da Salvação
(II Parte da obra "O Espírito Santo na Igreja Ortodoxa)

Sumário
CAPÍTULO I: A TEOLOGIA DOS PADRES

1. O Dogma Trinitário

2. O Filho

3. A Unidade Cristológica da Natureza e a Diversidade Pneumatológica das Pessoas

4. O Espírito Santo

5. A Economia Trinitária da Salvação

6. O Espírito Santo, Santidade Hipostasiada, Doador e Reino

7. O Espírito Santo, «Fato Interior da 'Nova Criatura'»

CAPÍTULO II: O ESPÍRITO SANTO NA LITURGIA

1. Os Sacramentos

2. A Liturgia

3. A Epíclese

CONCLUSÃO:

1. O Espírito Santo na Busca Ecumênica

NOTAS


Capítulo I: A Teologia dos Padres
1. O DOGMA TRINITÁRIO
Na tradição patrística, teologia significa antes de tudo contemplação do Mistério trinitário. É o que pode ser chamado de "triadocentrismo" ortodoxo. O método dos Padres é sempre integral, ele afasta qualquer monismo centrado exclusivamente sobre o Verbo ou sobre o Espírito Santo e aspira a uma teologia equilibrada e articulada sobre as Três Pessoas divinas. Ela vê a Trindade das Pessoas antes da essência una da Deidade; ela parte das Hipóstases e depois precisa as processões para afirmar a unidade da natureza considerada como o conteúdo das Pessoas. Assim, São Gregório Nazianzeno fala das "Três Santidades reunindo-se numa só Dominação ou Divindade".1
No Evangelho de São João, o Senhor diz: "Quando ele vier, ele, o Espírito de Verdade, vos conduzirá à verdade plena". É à luz do Espírito de Verdade que os Padres constroem a teologia desta "verdade plena" e que é justamente a da Trindade divina. O Espírito Santo a revela. Ainda mais, o ofício do domingo canta: "O Espírito Santo vivifica as almas... ele faz resplandecer misteriosamente nelas a natureza una da Trindade". 2 Ele revela o ser humano criado à imagem de Deus, como um ícone vivo da Trindade.
De acordo com esta visão, por ocasião da festa de Pentecostes, a Igreja oriental celebra no domingo a Trindade e é a segunda-feira de Pentecostes que é consagrada ao Espírito Santo. Começa-se pela obra do Espírito: a revelação da Trindade e é depois que se festeja Aquele que a revela. Durante a liturgia, o ícone da Trindade é solenemente exposto no meio do Templo. Esse gesto litúrgico tem uma profunda significação mistagógica. Ao olharem para o ícone da Trindade, os fiéis contemplam ali a Igreja absoluta das Três Pessoas divinas, o seu Conselho ou Concílio eterno. Como qualquer ícone, este ícone é também "a imagem condutora" que se coloca como Arquétipo da Igreja terrestre dos homens e se erige como norma espiritual da existência humana.
Com efeito, é perfeitamente evidente que entre o Ser trinitário, o Pléroma, e a ausência de ser, o nada, não existe nenhum terceiro termo, nenhuma terceira solução viável 3. Compreendemos então esta insistência dos Padres, assim por exemplo, segundo São Basílio: "O homem recebeu a ordem de se tomar deus segundo a graça",4 e para São Gregório de Nissa: "O cristianismo é uma imitação da natureza divina".5 Da mesma forma, o cânon 34 das Regras Apostólicas precisa a norma constitutiva da Igreja: "A fim de que (na sua estrutura) o Pai, o Filho e o Espírito Santo sejam glorificados". O dogma da Trindade estabelece a economia eclesiológica, a sua "catolicidade" ou a sua "sobornost": a unidade das múltiplas pessoas humanas na natureza uma recapitulada em Cristo, "comunidade do amor mútuo"6 à imagem do amor trinitário. Para os eslavófilos, o valor do pensamento filosófico depende antes de tudo da concepção que se tem da Santíssima Trindade. Karl Barth na sua Dogmática (vol. IV) nota profundamente: "Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".
O equilíbrio trinitário sobressai claramente da oração do bispo pelos futuros confirmados-ungidos: “Ó Deus, marca-os com o selo do crisma imaculado; eles levarão no seu coração o Cristo, para serem uma morada trinitária". Assim os fiéis, marcados pelos dons do Espírito Santo, tornam-se cristóforos (portadores do Cristo) a fim de serem templos plenos da Trindade.
É à luz dessa plenitude que os Padres precisam a participação das Três Pessoas divinas na economia da salvação, segundo os modos próprios de cada um.
2. O FILHO
Jesus na Cruz dizia: "Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem". Não saber o que se faz é exatamente o comportamento de um doente, de um insensato surdo e cego dizendo em seu coração: "Deus não existe" (Sl 14,1). A salvação, para os Padres, nunca é uma sentença de tribunal. A salvação quer dizer antes de tudo a libertação do mal pelo princípio de regeneração, uma profunda metanóia, uma transformação do ser que ultrapassa de longe a simples reconciliação ou a remissão dos pecados. A salvação não é tanto a reparação jurídica da culpa, mas a recuperação ontológica da natureza, a sua perfeita cura.
Os Padres lêem esta noção na Bíblia. Com efeito, o verbo yacha em hebraico significa "estar à larga", à vontade; num sentido mais geral, quer dizer salvar de um perigo, de uma doença, enfim, da morte, o que dá e precisa a significação bastante particular do restabelecimento do equilíbrio vital e da cura. O substantivo yéchà, salvação, designa a libertação integral e no final a paz, shalom. No Novo Testamento soteria, em grego, vem do verbo sôzô; o adjetivo sôs corresponde ao sanus latim e indica que a saúde é dada àquele que a tinha perdido, que ele foi salvo da morte, fim natural de qualquer doença; soterios é aquele que anuncia a cura. Eis por que no Evangelho a expressão "a tua fé te salvou" comporta a versão "a tua fé te curou", os dois termos sendo sinônimos do mesmo ato de perdão divino, ato que cura a alma e o corpo na sua própria unidade.
De acordo com essa noção, o sacramento da confissão é concebido como "clínica médica" e a eucaristia é chamada por Santo Inácio de Antioquia pharmacon athanasias, remédio de imortalidade.
Jesus Salvador aparece assim "Médico divino, gerador da saúde", dizendo: "Não são os sãos que têm necessidade de médico, mas os doentes". A salvação opera a eliminação universal do germe da corrupção: "Por sua morte, Ele venceu a morte", canta a Igreja na noite de Páscoa. "Por ele, diz São Gregório Nazianzeno, a integridade, a saúde da nossa natureza é restaurada", pois "Jesus representa em arquétipo aquilo que nós somos".7 São João Damasceno conclui: "A salvação é o retorno do que é contrário à natureza para aquilo que lhe é próprio",8 o retorno assim para o seu estado normativo que é o corpo cristificado, verbificado: Igreja como "plenitude daquele que completa tudo em todos" (Ef 1,23).A presença do Cristo em cada ser será revelada no momento da Parusia (Mt 25,40-44), mas ela já faz de todos e de cada um os membros de Cristo. A inscrição sobre um vaso contendo os restos dos mártires: In isto vaso sancto congregabuntur membra Christi (neste vaso sagrado estão reunidos os membros de Cristo), ilustra bem todo o realismo da concepção do Corpo nas Sagradas Escrituras. Esse termo "corpo" é, aliás, claramente de origem eucarística (I Cor 10,17) e o Cristo é a sua Cabeça no sentido mais forte de princípio de integração. Os membros integram-se num organismo no qual jorra a vida de Deus na humanidade. "Mas a Cabeça será completada somente quando o corpo se tornar perfeito, quando nós estivermos totalmente co-unidos e ligados em conjunto", diz São Crisóstomo.9 Pela extensão da Encarnação, o Cristo Deus-Homem passa para o Cristo-Deus-Humanidade, Igreja.. "O totus Christus, é Ele e nós", diz Santo Agostinho 10 e é na Eucaristia que a Igreja é una e que ela é claramente Cristo: "Entre o corpo e a cabeça, não há lugar para nenhum intervalo, o mínimo intervalo nos faria morrer", diz Crisóstomo.11 No momento do "beijo da paz", canta-se: "A Igreja tornou-se um só corpo... a inimizade foi afastada e a caridade tudo penetrou". "Se alguém olha a Igreja, ele olha verdadeiramente o Cristo", diz São Gregório de Nissa. 12 Isso quer dizer que os cristãos, no mistério ainda velado da fé, não estão somente unidos entre eles, mas eles são um em Cristo. Assim, "a unidade dos irmãos" de que falam os Atos apresenta uma autêntica cristofania, o Cristo visível e manifestado. E inversamente, nota Orígenes, "é somente na comunidade dos fiéis que o Filho de Deus pode ser encontrado, e isto porque vive somente no meio daqueles que estão unidos". 13
O mistério da Igreja está em ser ao mesmo tempo "a Igreja dos penitentes, daqueles que perecem (Santo Efrém), e a communio sanctorum, a comunhão dos pecadores às coisas santas, a sua participação deificante no "único Santo", Jesus Cristo. A unidade teândrica, divino humana do corpo e a cristologia postulam a pneumatologia: a constituição das hipóstases humanas, a fim de que elas reúnam em si a Graça incriada à natureza criada no Espírito Santo, e se tornem de alguma maneira "em duas naturezas" para glorificar nesta estrutura cristológica o Deus uno e trino.
3. A UNIDADE CRISTOLÓGICA DA NATUREZA E A DIVERSIDADE PNEUMATOLÓGICA DAS PESSOAS
"O esplendor da Trindade brilhava progressivamente". 14 O Filho vem em nome do Pai para o fazer conhecer e cumprir a sua vontade. O Espírito vem em nome do Filho para lhe render testemunho, manifestá-lo e concluir com os seus dons a obra do Cristo.
O mistério da salvação é cristológico, mas não é pancrístico. Se a natureza humana recapitulada em Cristo é una, se "o Cristo é o centro para o qual convergem as linhas",15 e se ele "faz de uns e de outros um único Corpo",16 em compensação as pessoas humanas são múltiplas. A analogia com o corpo deve ser matizada. O pessoal não deve ser de modo algum dissolvido no corporativo impessoal; a unidade do corpo postula a catolicidade, a unidade qualitativa das pessoas humanas. Se o Cristo recapitula e integra a humanidade na unidade do seu corpo, o Espírito Santo refere-se às pessoas e as faz desabrochar na plenitude carismática dos dons, segundo um modo único, pessoal para cada uma delas. A narração de Pentecostes precisa bem que a graça veio sobre cada um dos assistentes, pessoalmente, nominativamente: "as línguas... dividiam-se, e pousavam uma sobre cada um deles" (Atos 2,3). No seio da unidade em Cristo, o Espírito diversifica: "Nós estamos como que fundidos num só corpo, mas divididos em personalidades", diz São Cirilo de Alexandria.17 Os dois são inseparáveis: o Espírito comunica-se pelo Cristo e o Cristo é manifestado pelo Espírito: "Impregnados do Espírito, nós bebemos o Cristo", diz Santo Atanásio. 18
Pode-se dizer de uma maneira geral que a ação santificante do Espírito precede qualquer ato no qual o espiritual tome corpo, se encarne, se torne cristofania (manifestação do Cristo). Assim o Espírito repousava sobre o abismo, como uma ave que choca, a fim de fazer surgir o mundo, lugar da Encarnação. Pela boca dos profetas, todo o Antigo Testamento é o Pentecostes preliminar em vista da vinda da Virgem e do seu fiat. O Espírito desce sobre Maria e faz dela a Théotokos, a Mãe de Deus, e de Jesus ele faz o Cristo, o Ungido. Das suas línguas de fogo nasce a Igreja, Corpo de Cristo.
De um batizado ele faz um membro do Cristo e do vinho e do pão, o Sangue e o Corpo do Senhor. Na alma de qualquer batizado, o Espírito introduz o Reino, é ele que pronuncia em nós "Abba, Pai", com a finalidade de nos fazer suplicar: "Abba, Pai, envia o teu Espírito Santo para que nós possamos dizer 'Senhor Jesus' e confessar assim a Trindade consubstancial e indivisível".
4. O ESPÍRITO SANTO).
Simone Weil encontrou uma imagem surpreendente de verdade: "Invocar o Espírito pura e simplesmente; um apelo, um grito. Como quando se está no limite da sede, que se está doente de sede, já não nos representamos o ato de beber em relação a si mesmo, nem mesmo em geral o ato de beber. Representamo-nos somente a água, a água tomada por si mesma, mas esta imagem da água é como um grito de todo o ser". 19
Os Padres exprimem a mesma verdade em termos teológico, mas desde que se trate do Espírito Santo, eles renunciam às expressões habituais, falam uma outra linguagem, cheia de uma admiração sem limites, uma espécie de embriaguez.O Espírito desce no mundo, mas a sua Pessoa dissimulas-se na sua própria epifania (aparição). Ele manifesta-se apenas nos seus dons e nos seus carismas. O grande mistério cobre-o. As suas imagens na Escritura são imprecisas e fugitivas: sopro, chama, perfume, unção, pomba, sarça ardente. São Simeão, o Novo Teólogo, diz: "O Teu Nome, tão desejado e constantemente proclamado, ninguém poderia dizer aquilo que ele é".20 Na Epifania, desce do céu como uma Pomba e repousa sobre Jesus.
Nas suas manifestações, ele é um movimento "para Jesus", a fim de o tornar visível e manifesto. A sua presença está escondida no Filho como o sopro e a voz que se apagam diante da palavra que eles tornam audível. Se o Filho é a imagem do Pai e o Espírito Santo a imagem do Filho, o Espírito, dizem os Padres, é único a não ter a sua imagem numa outra Pessoa, ele é essencialmente misterioso.
5. A ECONOMIA TRINITÁRIA DA SALVAÇÃO
A Igreja é ao mesmo tempo fundada sobre a Eucaristia e sobre o Pentecostes. O Verbo é o Espírito, as "duas mãos do Pai", segundo a expressão de Santo Irineu, são inseparáveis na sua ação manifestadora do Pai e no entanto inefavelmente distintos. O Espírito não é subordinado ao Filho, ele não é função do Verbo, ele é o segundo Paráclito, como o diz São Gregório Nazianzeno: "Ele é um outro Consolador... como se ele fosse um outro Deus". Vemos nas duas economias do Filho e do Espírito a reciprocidade e o mútuo serviço, mas o Pentecostes não é uma simples conseqüência nem uma continuação da Encarnação. O Pentecostes tem todo o valor em si mesmo, ele é o segundo ato do Pai: O Pai envia o Filho e agora envia o Espírito Santo. Terminada sua missão, o Cristo volta para o Pai para que o Espírito desça em Pessoa. São Simeão, o Novo Teólogo, sublinha o caráter pessoal da missão do Espírito: "O Espírito não permanece estranho à vontade da sua missão... Ele realiza pelo Filho aquilo que o Pai deseja, como se fosse o seu próprio querer".21 Ao mesmo tempo, ele nos "consola" da ausência visível do Cristo. A palavra Paráclitos significa: "aquele que é chamado junto", aquele que está "perto de nós" como nosso defensor, advogado e testemunha da nossa salvação pelo Cristo.
O Pentecostes aparece como o fim último da economia trinitária da salvação. Ao acompanharmos os Padres, podemos dizer que o Cristo é o grande Precursor do Espírito Santo. Santo Atanásio diz: "O Verbo assumiu a carne para que nós pudéssemos receber o Espírito Santo. Deus fez-se sarcóforo para que o homem se pudesse tornar pneumatóforo".22
Para São Simeão, o Novo Teólogo: "Tais eram a finalidade e o objetivo de toda a obra de nossa salvação pelo Cristo, que os crentes recebam o Santo Espírito".23
Igualmente, Nicolau Cabasilas: "Qual é o efeito e o resultado dos atos do Cristo? ... não é nada mais que a descida do Santo Espírito sobre a Igreja". 24
O próprio Senhor o diz: "É melhor para vós que eu parta... Eu suplicarei ao Pai e Ele vos dará um outro Paráclito". Assim a Ascensão do Cristo é a epíclese por excelência porque divina; o Filho suplica ao Pai que dê o Espírito Santo e, como resposta à súplica, o Pai envia o Espírito e faz vir o Pentecostes. Essa visão total das economias não diminui em nada o caráter central da Redenção crística e do sacrifício do Cordeiro, mas precisa a ordem progressiva dos acontecimentos e mostra o Filho e o Espírito cada um na sua própria grandeza e dimensão, cada um servindo o outro numa reciprocidade e num mútuo serviço e convergindo em conjunto para o Reino do Pai..
Durante a missão terrestre do Cristo, a relação dos homens ao Espírito Santo apenas se realizava em Cristo e pelo Cristo. Em compensação, após o Pentecostes é a relação ao Cristo que se realiza pelo Espírito e no Espírito Santo.
Com efeito, na época do Evangelho, o Cristo era historicamente visível, ele estava diante dos seus discípulos. A Ascensão suprime a visibilidade histórica: "O mundo não me verá mais" e nisso, a partida do Senhor é real. Mas o Pentecostes restitui ao mundo a presença interiorizada do Cristo e o revela agora não diante, mas no interior dos seus discípulos. "Eu virei a vós... eu estarei convosco até ao fim do mundo"; a presença do Senhor é tão real como a sua partida.
"Nesse dia (dia de Pentecostes) vós conhecereis que eu estou em vós." Essa interiorização opera-se justamente pelo Espírito Santo, como o diz São Paulo: "O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Santo Espírito" (Rm 5,5). É pelo espírito que nós dizemos "Abba Pai" e pronunciamos o Nome de Jesus.
Na expressão "um outro Consolador", podemos entender quase a identificação que faz o Cristo entre a vinda do Espírito e o seu próprio retorno. Esse outro Consolador, justamente alios e não heteros, outro mas não novo, quase o mesmo e porém manifestado de outro modo. Agora ele é biúnico, pois a ele se aplica a palavra relativa ao Espírito: "Para que ele permaneça eternamente em vós" e também a palavra relativa ao Cristo: "E eis que eu estou convosco para sempre, até ao fim do mundo". O Paráclito é ao mesmo tempo o Cristo sobre o qual repousa o Espírito e ele é o Espírito que revela e manifesta o Cristo, na sua inseparável simultaneidade e serviço recíproco.
Assim o Pentecostes começa a história da Igreja, inaugura a Parusia e antecipa o Reino. O Espírito integra-nos ao Corpo como os "co-herdeiros" de Cristo, faz-nos "filhos no Filho" e no Filho faz-nos encontrar o Pai. O Espírito de adoção opera a filiação divina e Santo Irineu aplica à Igreja o nome de "filho de Deus", filho adotivo do Pai.
Segundo II Cor 3,17 -18: "Pois o Senhor é o Espírito e, lá onde está o Espírito, está a liberdade. Nós todos que refletimos a glória somos transformados, como convém, à ação do Senhor, que é o Espírito" -, ao lado do Senhorio do Cristo, se estabelece o senhorio do Espírito.
A identificação do Reino ao Espírito, freqüente nos Padres,25 refere-se a uma variante da oração dominical: em vez de "que venha o teu Reino", lê-se: "que venha o teu Espírito Santo". Esta invocação marca o último ato da salvação, o retorno ao Pai e a seu Senhorio supremo: "E quando todas as coisas lhe forem submetidas, então o próprio Filho se submeterá Àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em tudo", "ele confiará a realeza a Deus Pai". A noção de Igreja-Corpo passa para a noção de Igreja-Família, Igreja-Casa do Pai, à imagem da Trindade.
6. O ESPÍRITO SANTO, SANTIDADE HIPOSTASIADA, DOADOR E REINO
Panagion, o Espírito é "todo santo" não por apropriação, mas pela sua própria natureza. Se qualquer Pessoa divina é santa, precisa São Cirilo de Alexandria, o Espírito é a própria santidade de Deus;26 da mesma forma, para São Basílio, "a Santidade é o elemento essencial da sua natureza"; assim, segundo os Padres, o Espírito é a Santidade hipostasiada.
A sua missão terrestre de ser Fonte inesgotável dos dons e carismas, de santificação e de santidade, incita os Padres a distinguirem entre o dom, a graça e o Doador da graça, a Pessoa do Santo Espírito, e eis por que, para o Oriente, o Espírito Santo não fica reduzido a ser o vínculo entre o Pai e o Filho, o seu nexus amoris. Com efeito, o amor é inerente a todas as Pessoas, "o amor é a própria vida da natureza divina" .27 Em relação ao amor, o Espírito define-se como o Doador de amor. O Espírito vivificante, a sua própria energia, atualiza a vida de amor, a sua circulação eterna no seio da Trindade. Segundo São Gregório Palamas, o Espírito é "a alegria eterna" 28 na qual os Três se comprazem em conjunto, a unidade de amor é a unidade dos Três Únicos. O Espírito é co-amante com o Pai e co-amado com o Filho; ele não é o Amor, mas o Espírito de Amor que inspira e faz de cada Pessoa divina o Dom ao outro, à imagem do Doador.
São Gregório Palamás purifica as grandes intuições do agostinismo medieval de qualquer simpatia em relação às "díades" no seio da Trindade. O Espírito Santo é o Espírito de Amor sem que seja, no entanto, diminuída a sua própria realidade hipostática, nem enfraquecida a antinomia trinitária.
Nicolau Cabasilas continua na mesma perspectiva a sua reflexão teológica, insistindo sobre o sentido oriental da "sinergia" que transcende o problema da predestinação e qualquer oposição trágica da liberdade e da graça. "A liberdade e a graça são as duas asas que elevam o homem rumo ao Reino", diz São Máximo. Essa liberdade real, dom do Espírito, não significa que o homem seja a causa da sua salvação, ela apenas testemunha a verdade do adágio patrístico: "Deus tudo pode, salvo obrigar o homem a amá-lo". Se o agostinismo ocidental acentua a salvação pela fé, o agostinismo oriental culmina na salvação pelo amor.
Eis por que, na vida da Igreja, o Espírito é Doador do amor em nós, "ele inflama a alma sem cessar e a reúne a Deus",29 a faz participar da circulação do amor trinitário. Essa qualidade do Espírito condiciona a oração da Igreja, que é o apelo da sua vinda, à epíclese. É porque ele é Doador e Dom que essa súplica epíclese é sempre escutada. Os Padres dizem: Deus escuta todas as orações sem garantir que elas sejam realizadas, à exceção da súplica do Espírito Santo. O próprio Senhor o diz: "Se vós sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai Celeste dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem" (Lc 11,13); a recusa contradiria a natureza do próprio Doador.
São Basílio resume admiravelmente a sua ação universal: "Vinda do Cristo: o Espírito Santo vem na frente. Encarnação: o Espírito lá está. Operações milagrosas, graças e curas, pelo Espírito Santo. Os demônios expulsos, o diabo subjugado pelo Espírito Santo. Remissão dos pecados, conjunção com Deus: pelo Espírito. Ressurreição dos mortos: pela virtude do Espírito. Na verdade, a Criação não possui nenhum dom que não lhe venha do Espírito".30
São Cirilo de Alexandria insiste sobre a presença pessoal do Espírito na alma por ele santificada: "Não é somente a sua graça, diz ele, nós possuímos o Espírito habitando em nós".31 A oração dirigida ao Espírito: "Rei do Céu, Consolador", pede-lhe: "Vem a nós e habita em nós".
A variante da oração dominical faz dizer a Evagrio: "Que o teu Reino venha; o Reino de Deus é o Espírito Santo, nós pedimos ao Pai que ele o faça descer sobre nós".32 Nesse sentido, "procurai o Reino de Deus" significa "procurai o Espírito Santo", o único necessário, e eis por que, segundo São Serafim de Sarov, "o fim da vida cristã é a aquisição do Espírito Santo",33 e, para Santo Irineu, "lá onde está o Espírito Santo, lá está a Igreja".34 A blasfêmia contra o Espírito, diz o Evangelho, não terá remissão porque ela contradiz a própria economia da salvação, sendo o Espírito a Fonte, o Doador das energias trinitárias deificantes que justamente atualizam a salvação.
7. O ESPÍRITO SANTO, "FATO INTERIOR DA 'NOVA CRIATURA'"
Por causa da queda, a ação de Deus tornou-se exterior à própria natureza. Segundo Cirilo de Alexandria, "o Espírito tocava os profetas do Antigo Testamento para o breve tempo de inspiração, depois deixava-os".35 No estagio seguinte, durante.. a sua missão terrestre, o Cristo confere o poder sacerdotal ao Colégio apostólico e dá-lhe a graça do Espírito: "Ele soprou sobre eles e disse-lhes: 'Recebei o Espírito Santo'" (Jo.20,22). Ele o dá não pessoalmente a cada um, mas à Igreja como Corpo, que o Colégio personifica nesse momento. É uma presença do Espírito Santo através dos seus dons e dos seus carismas; a sua manifestação não é apenas hipostática, mas antes funcional.
Na Epifania, o Espírito, visivelmente para todos, desce sobre a humanidade de Jesus e ali repousa. No dia de Pentecostes, ele desce sobre o mundo em Pessoa, hipostaticamente, e torna-se ativo no interior da natureza; ele estabelece-se como fato interior da natureza humana Ele age, portanto, no nosso interior, move-nos, torna-nos dinâmicos e, ao santificar-nos, ele transmite-nos algo da sua própria natureza. Sem confusão, o Espírito identifica-se a nós, faz-se o co-sujeito da nossa vida em Cristo, mais íntimo a nós que nós mesmos. Com efeito, a Pomba que repousa sobre o Filho, agora repousa sobre cada um dos "filhos no Filho": "como se a graça tivesse sido da mesma essência com o homem", nota São Macário de Egito. É o retorno ao estado normativo da natureza: "Pelo Espírito Santo toda a Criação é renovada na sua condição inicial", canta o ofício dominical. Através desse "fato interior", a Igreja, no seu mistério sacramental e litúrgico, encontra-se no oposto de qualquer ontologismo estático institucional; as energias vivificantes do Espírito a tornam um acontecer, essencialmente dinâmico.
Capítulo II: O Espírito Santo na Liturgia
1. OS SACRAMENTOS
O ensinamento dos Padres introduz-nos a ação operativa do Espírito Santo manifestada nos sacramentos e na liturgia. O Oriente, teocêntrico, antes de considerar nos sacramentos o remédio supremo para as nossas misérias, neles vê a Epifania, manifestação de Deus, e a efusão das energias deificantes. No seu diálogo com Nicodemos, o Senhor diz: "Se um homem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus". O batismo é uma verdadeira regeneração que exige, pois, a intervenção do Princípio santificador em pessoa. Ele faz da água batismal o veículo da energia divina, o sinal sensível da sua potência vivificante, criadora da vida nova; ela infunde-se e a transfunde. Segundo São Dionísio, a fonte batismal erige-se em "matriz da filiação", pois ela restitui ao Pai o seu filho.
A confirmação ou a unção crismal é o sacramento que confere por excelência os dons do Espírito Santo. Na Quinta-feira Santa realiza-se o ofício episcopal da consagração do santo crisma composto de óleo e de perfume; a oração sobre o crisma é análoga à epíclese eucarística. Segundo São Cirilo de Jerusalém: "Da mesma forma que o pão eucarístico após a epíclese já não é pão ordinário, mas o corpo de Cristo, o santo crisma já não é um óleo ordinário".36 São Gregório de Nissa afirma igualmente: "O óleo e o pão após a santificação pelo Espírito têm cada um a sua energia divina".37 É importante salientar que todos os sacramentos, como todos os atos eclesiásticos, têm a sua própria epíclese e realizam-se pela descida das energias do Espírito Santo. A epíclese do sacramento do matrimônio faz dele o pentecostes nupcial. Hipólito descreve a epíclese da ordenação de um ministro. Durante a imposição das mãos, é imposto o silêncio àqueles que assistem, propter descensum Spiritus. Todos se calam durante a descida do Espírito Santo.
A Eucaristia comporta o rito do Zéon: o diácono deita um pouco de água quente no cálice exatamente antes da comunhão, dizendo: "Fervor da fé, cheio do Espírito Santo". Comunga-se com sangue quente, pneumatizado, vivificado pelo Santo Espírito. Igualmente, após a fração do Pão-Cordeiro, colocando-o no cálice, o sacerdote diz: "Plenitude do Santo Espírito". O Espírito está presente e é comunicado com o corpo e o sangue de Jesus Cristo.
Nicolau Cabasilas vê no rito do Zéon a expressão do Pentecostes eucarístico. A água quente sintetiza o simbolismo da água e do fogo: "Os dons eucarísticos, tendo atingido a sua última perfeição, são-lhes acrescentados o sinal do Pentecostes".38 "Aquele que come este corpo com fé come com ele o fogo do Espírito Santo", comenta Santo Efrém, o Sírio.39.
2. A LITURGIA
Segundo a bela palavra de Santo Irineu, a liturgia é o "Cálice da Síntese",40 "não se pode ir mais além", nota São João Crisóstomo; ela estabelece-nos de imediato na plenitude, na presença das Três Pessoas divinas, e eis por que a liturgia começa pela proclamação trinitária solene: "Bendito seja o Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo". É também o tema da grande oração de ação de graças que canta "a vivificante Trindade": "É digno e justo de adorar o Pai, o Filho e o Santo Espírito". - "Tu e o teu Filho Único e teu Santo Espírito... Tu não cessas de fazer tudo para nos dar o teu Reino que há de vir", e o Reino é o Espírito Santo. O Cristo intercedeu junto do Pai e pela brecha no céu, o Doador-Paráclito não cessa de descer.
A lex credendi da teologia patrística passa na liturgia e forma a lex orandi. O Espírito repousa sobre a humanidade do Cristo deificada e saturada das energias divinas. O Pentecostes eucarístico faz-nos comungar desse corpo glorioso do Senhor, e o Espírito manifesta, "sob o véu" ainda, a deificação do homem, a sua participação ao Cristo Pantocrator e Cosmocrator. A Igreja toma disso consciência e na anáfora formula a oração doxológica articulada com a eucaristia: ações de graças primeiro ao Pai pela Criação e a Providência, depois pelo sacrifício do Filho oferecido na Ceia do Senhor, enfim, para a realização da salvação que a epíclese - a descida do Espírito - finaliza e atualiza para todos.
No seu tratado sobre o Espírito Santo, São Basílio insiste sobre "o Espírito de comunhão". É antes de tudo a comunhão das Pessoas divinas na sua natureza una. Desde o Pentecostes, diz Orígenes, "a Igreja está plena da Trindade", o que faz de todas as Igrejas uma comunhão à imagem do Deus Uno e Trino. Eis por que a liturgia insiste muito particularmente sobre o Espírito de comunhão, cujo pedido de cura é o mais freqüente: "Que ele nos una na comunhão dum só Espírito", e que se conclui na bênção completa: "Que a graça de Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam em todos vós".41
No fim da liturgia, o valor dessa comunhão explicita-se claramente, todos confessam a epíclese recebida e cantam: "Nós recebemos o Espírito celeste, nós vimos a verdadeira luz, nós encontramos a verdadeira fé, ao adorarmos a Trindade indivisível, pois foi ela que nos salvou". É o acordo final da Epifania trinitária radiante de luz e iluminando o sentido último da descida do Espírito Santo sobre os fiéis: o Espírito estabelece e sela a comunhão no Filho, faz-nos membros do Cristo, co-herdeiros e portanto filhos adotivos e estabelece-nos assim todos na comunhão do Pai.
A oração após a eucaristia pede: "Ó Cristo... dá-nos comungar contigo mais intimamente, no dia sem ocaso do teu Reino". No século futuro, através da humanidade deificada do Cristo, "castiçal de vidro", o Pai comunicará no Espírito Santo a irradiação da glória da sua natureza inacessível. Mas o Espírito já diz em nós: "Abba, Pai!" e antecipa assim a plenitude do Reino.
3. A EPÍCLESE
Para o Oriente, para além das pesquisas arqueológicas e dos comentários sobre os textos litúrgicos, trata-se antes de tudo, na epíclese 42 da confissão litúrgica da verdade vivida, da aplicação orante da Teologia do Espírito.
A epíclese especifica as relações entre o Filho e o Espírito e Santo. A unânime tradição patrística do Oriente atribui a potência operativa, em todos os "ritos sagrados", à intervenção hipostática da terceira Pessoa da Trindade.
Antes da epíclese propriamente dita, a liturgia procede por epíclese prévias, elevando-se gradualmente até a fórmula final. Já o ofício menor que precede a liturgia, a proscomídia ou prótese, começa pela oração: "Rei do céu, ó Paráclito... vem a nós e habita em nós"; a mesma oração situa-se no limiar da liturgia dos catecúmenos. A oração sobre os fiéis invoca "a graça do Espírito Santo sobre os dons que vão ser oferecidos" e a oração do Ofertório solicita: "Que o teu Espírito Santo desça sobre estes dons e sobre o teu povo".
É evidente que não é justo nem correto isolar o exato instante no qual se opera o milagre eucarístico, a métabolè, pois a liturgia toda e desde o seu começo representa um único Ato que termina na epíclese. À sua invocação global, ela recebe a resposta do Deus Filantropo, Amigo dos homens, e a epíclese é como o acorde final da única e completa sinfonia. Nesse todo indecomponível, apenas podemos fixar o momento após o qual o sacramento é considerado como realizado: "Eis no seu termo e realizado, tanto quanto está em nosso poder, Cristo, nosso Deus, o mistério da tua economia". Os fiéis cantando o testemunham: "Nós recebemos o Espírito celeste".
A epíclese situa-se no limiar da nossa comunhão com Deus, pois, segundo os Padres, se não há acesso ao Pai se não pelo Filho, da mesma forma não há acesso ao Filho senão pelo Santo Espírito. "Doador de vida e tesouro de graça", santificador em sua essência, o Espírito Santo revela-se como princípio ativo de qualquer operação divina.
A anáfora oriental dirige-se ao Pai para que o Espírito Santo manifeste o Cristo e é esta plenitude trinitária que exige e situa a epíclese.
O Cristo faz-nos o dom da comunhão com a própria vida da Trindade que exprime o hino à "Trindade consubstancial e indivisível". A grande prece de oblação dirige-se ao Pai, mas ela é interrompida pelo Sanctus trinitário, pois a adoração dirige-se indivisivelmente aos Três. Da mesma forma, é da bênção do "Três vezes Santo" que vêm as palavras institucionais: "na noite em que ele foi entregue", seguidas da elevação: "O que é Teu, tendo-o de Ti, nós o oferecemos a Ti para tudo e em tudo", e que se resolve como acorde final na epíclese. O sacerdote solicita do "Pai das luzes" o envio do Espírito a fim de que apareça o Filho. É, portanto, toda a Uni-trindade sagrada, as Três Pessoas consubstanciais que agem e se inserem aqui no quadro histórico da economia da salvação. Eis por que a ação de graças recapitula todos os benefícios oferecidos por Deus à humanidade. A Igreja agradece ao Pai que nos dá o seu Filho Monógeno e que nos envia o Espírito manifestando o Filho no sacrifício incruento do altar.
A oração do Ofertório "pelos dons preciosos oferecidos" resume em poucas palavras o essencial: "A fim de que o nosso Deus, Filantropo, que recebeu estes dons no seu santo altar celeste e invisível envie-nos em retorno o dom do Santo Espírito".
Se formos até ao final do século IV, observamos que as anáforas orientais invocam o Espírito a fim de que ele desça para mudar os dons no corpo e sangue de Cristo.43 São João Damasceno, segundo o seu hábito, sintetiza claramente a tradição patrística bastante firme: "A mudança do pão no corpo de Cristo efetua-se pelo poder do Espírito Santo". 44
A necessidade da sua intervenção explica-se pela significação e pelo papel especial do Sacerdócio ordenado. Para o Oriente, o único verdadeiro sacerdote é o Cristo: "Faz que nos seja dada a graça de receber da tua mão poderosa o teu corpo imaculado e o teu sangue precioso", suplica o sacerdote. Ele pede igualmente durante o canto do Cherubikon: "Eis que eu me aproximo de ti, de cabeça inclinada; e eu te suplico: não afastes de mim o teu rosto, não me rejeites do número dos teus servidores, mas digna-te admitir que estes dons te sejam oferecidos por mim, teu servo pecador e indigno. Pois és tu que ofereces e que és oferecido, que recebes e que és distribuído, ó Cristo nosso Deus..."
São João Crisóstomo diz claramente: "Nós, nós temos o papel de servidores; aquele que santifica e que transforma é Ele".45 E ainda: "O sacerdote não dirige a sua mão sobre os dons senão depois de ter invocado a graça de Deus..., não é o sacerdote que opera seja o que for..., é a graça do Espírito, sobrevindo e cobrindo com suas asas, que realiza esse sacrifício místico".46 Aliás, é toda a assembléia que suplica com o sacerdote: "Nós te pedimos, nós te suplicamos..."
De acordo com essa concepção, o sacerdote não se identifica com o Cristo, ele não pronuncia as palavras "Isto é o meu corpo" in persona Christi, mas ele identifica-se com a Igreja e fala in persona Ecclesiae e in nomine Christi. Para que as palavras do Cristo memorizadas pelo sacerdote adquiram a eficácia divina, o sacerdote invoca o Espírito Santo na epíclese. Das palavras da anamnese "tomou o pão... deu-o aos seus discípulos... dizendo... isto é o meu corpo", o Espírito Santo faz a anamnese epifânica, manifesta a intervenção do Cristo ele próprio identificando as palavras pronunciadas pelo sacerdote com suas próprias palavras, identificando a eucaristia celebrada com a sua Santa Ceia, e isto é o milagre da métabolè, da conversão dos dons. São João Crisóstomo o explica: "É o mesmo sacrifício que nós oferecemos, um hoje, o outro amanhã... Acredita que se realiza hoje o mesmo banquete que aquele no qual o Cristo estava à mesa, e este banquete não é diferente daquele".47
A epíclese eucarística é a tradição firme e unânime no Oriente. São Basílio fala da sua "origem apostólica".48 Sem uma crença inicial, mesmo em germe, na ação do Espírito Santo, a epíclese seria incompreensível e inimaginável. A história da consciência litúrgica não conhece revolução semelhante e uma emergência espontânea de afirmação dogmática desta importância. A epíclese exprime a "lex orandi" litúrgica à qual respondem o consesus dos Padres, a sua doutrina trinitária e a sua teologia do Espírito Santo.
A liturgia siríaca de São Tiago testemunha-o: "Que esta hora é augusta e como é temível este momento, meus irmãos! Pois o Espírito Santo vivificador desce das alturas do céu e, vindo sobre esta eucaristia, a consagra". Igualmente, a liturgia de São João Crisóstomo: "Nós te suplicamos que envies o teu Espírito Santo sobre nós e sobre estes dons..., mudando-os pelo teu Santo Espírito". A de São Basílio: "Agrade à tua bondade que venha o teu Espírito Santo sobre nós e sobre estes dons, que ele os abençoe, os santifique e manifeste este pão como o corpo de nosso Senhor... e este cálice como o venerável e verdadeiro sangue de nosso Senhor..."
Os Padres estabelecem a relação dinâmica do Espírito Santo com a humanidade de Cristo. A sua pneumatização deificante continua naqueles que participam da "carne sagrada". Eles não são somente configurados ao Cristo, mas são cristificados, verbificados de fato, "associados à sua plenitude" (CI 2,9), "concorporais e consangüíneos ao Cristo".49 São João Crisóstomo nota que "os comungantes são como leões",50 figuras de poder invencível. Não se trata de "penhores", mas da participação no fogo do amor divino e da permuta dos idiomas: na Encarnação de Deus, na sua humanização, responde a deificação pela graça do homem. São Máximo acentua: "A eucaristia transforma em si mesma e torna semelhante... de modo que os fiéis podem ser chamados 'deuses' porque Deus na sua totalidade os enche totalmente".51 Por uma verdadeira transferência de energia deificadora, diz Nicolau Cabasilas, "a lama transforma-se na substancia do Rei". 52
Ao comentar a epíclese sobre os fiéis, São Máximo, o Confessor, realça a sua ação dinâmica: "Nós todos que participamos no mesmo pão e no mesmo cálice, estamos unidos uns aos outros na comunhão ao único Espírito Santo".53 "Nós pedimos que envie o Espírito Santo", explica São Cirilo de Jerusalém, "pois, universalmente, o que o Espírito Santo toca é mudado".54 Assim, após ter mudado os dons, o Espírito opera a mudança dos próprios comungantes. É um outro aspecto da eucaristia, que os espirituais chamam "sacramento do irmão". São Cirilo de Alexandria insiste fortemente por seu turno sobre a unidade que "a eulogia mística" produz entre os fiéis". 55
"O Espírito e o Esposo dizem: vem Senhor!" É o sentido escatológico e da parusia da epíclese voltada para as núpcias místicas do Cristo com a Igreja, mas também com toda a alma, pessoalmente, nominativamente. Como diz Teodoreto de Cyr: "Ao consumarmos a carne do Noivo e o seu sangue, nós entramos na Koinonia nupcial". 56
Conclusão:
1. O ESPÍRITO SANTO NA BUSCA ECUMÊNICA
Os Padres do Concílio Vaticano II realçaram que a teologia do Espírito Santo estava pouco presente na vida e no pensamento da Igreja. É aqui que a contribuição da Ortodoxia, o testemunho da sua espiritualidade é importante. O Oriente não conheceu a Reforma nem a Contra-Reforma e ele conserva até hoje a Tradição da Igreja indivisa. A teologia bizantina do século XIV põe em realce de modo surpreendente o mistério fulgurante da Transfiguração do Senhor e revela o Espírito Santo repousando no Cristo. Jesus, cheio do Espírito Santo, envia-os aos homens, mas, numa relação inversa, o Espírito age sobre o Cristo, transfigura-o, ressuscita-o e manifesta-o plenamente no momento da Parusia. A epíclese situa-se no seio da vida litúrgica e sacramental. A antropologia da deificação está centrada sobre a pneumatização do ser humano e a sua penetração pelas energias deificantes do Espírito Santo. É o estilo pneumatóforo da santidade, do qual o testemunho mais brilhante é São Serafim de Sarov ensinando a aquisição do Espírito Santo como a finalidade da vida cristã.
A aspiração ecumênica à unidade faz-nos descobrir antes de tudo a desintegração de um só tronco, antes comum, e convida-nos a reatar os laços com a parentela original, quebrando as economias confessionais fechadas. A convergência que se procura da Verdade e da Vida não se pode fazer senão através da redescoberta da Tradição dos Padres. Mas não se trata de uma simples erudição; trata-se, para os teólogos, de uma conversão ao estilo patrístico. O retorno aos Padres significa ir em frente, não imitando-os, mas criando com eles, em continuidade fiel com a sua Tradição. Testemunho, segundo São Gregório Nazianzeno, "à maneira dos pescadores (apóstolos), não à maneira de Aristóteles", nem de Platão, nem de Heidegger. É um apelo a ultrapassar qualquer "fundamentalismo", seja bíblico ou patrístico ou filosófico, rumo ao jorrar da Água viva do Espírito Santo. Este testemunho só é eficaz através do "vivido" de Deus na experiência da liturgia, testemunho da Igreja orante e por isso mesmo mestra. Já constatamos que os lugares ecumênicos por excelência são as comunidades monásticas.
São Basílio insiste sobre o Espírito Santo como Espírito de comunhão. A epíclese sobre os dons é inseparável da epíclese sobre os fiéis, da conversão dos comungantes. A epíclese ensina assim que a caridade vertical, o amor de Deus, é constitutiva do ser humano ao mesmo título que a caridade horizontal designada pelos Padres como o "sacramento do irmão". É o equilíbrio perfeito entre "o adorador em espírito e em verdade" e "o servidor dos seus irmãos". O Espírito Santo clama em nós: "Abba, Pai" e revela em todo homem o rosto humano de Deus.
A integração da história ao Presente eterno, à economia da salvação, atrai a vinda do Reino e inaugura a Parusia já a caminho. À sua luz, os valores da cultura humana passam por um teste apocalíptico, por um ultra-passar dos valores penúltimos pelos valores últimos da existência humana. A escatologia bíblica é qualitativa, ela qualifica a história pelo eschaton e rompe qualquer concepção fechada e estática. A Igreja "em situação histórica" é sempre a Igreja da diáspora, comunidade escatológica a caminho do Reino, mas justamente por isso a caminho através da cidade terrestre; é o sentido da palavra: "Vós não sois do mundo, mas estais no mundo". Uma falta de presença no mundo é igualmente uma falta de fé evangélica. Deus nunca é uma compensação às fraquezas do homem. Deus surpreende o homem lá onde ele é forte e poderoso, e eis por que o Evangelho deve estar presente em todos os riscos e decisões da condição humana.
A Igreja dos últimos tempos oferecerá àquele que tem fome não as "pedras ideológicas" dos sistemas, nem as "pedras teológicas" dos manuais de escola, mas o "pão dos anjos" e, segundo a bela palavra de Orígenes, "o coração do irmão humano oferecido como puro alimento". Enviada ao mundo, a Igreja sacerdotal e profética inaugura o diálogo com todos os homens, diálogo que, segundo a expressão de São Gregório Nazianzeno, realiza-se à luz da "metástase" da existência e do "sismo escatológico de conclusão".
A Igreja se mostrará fiel ao Espírito Santo se ela também for fiel aos homens. Sua estrutura messiânica e carismática tem primazia sobre seu estatuto institucional e mostra-a Pentecostes perpétuo.
Com efeito, na sua realidade última, a Igreja é o sacramento da verdade, ela é como um concílio convocado em permanência na sua vida mística e litúrgica. Elevado à direita do Pai, o Cristo Sumo Sacerdote realizou a sua intercessão sacerdotal. É a sua epíclese permanente junto ao Pai que justamente faz da Igreja um Pentecostes perpétuo. "O Espírito Santo é o grande Doutor da Igreja", diz São Cirilo de Jerusalém. Doutor, pois é ele que mantém o charisma veritatis certum da Igreja. Assim quando um concílio é proclamado "ecumênico", ele o é porque o Espírito de Verdade, pela recepção e a própria vida do Povo da Igreja, identificou o Concílio ao Cristo-Verdade.
No dia de Pentecostes, a Igreja nasce e se manifesta na pregação apostólica seguida da primeira eucaristia, celebrada certamente por São Pedro. É da Eucaristia que procede e se institui o sacerdócio como sua condição; o bispo é antes de tudo testemunha da autenticidade da Ceia do Senhor e o bispo é aquele que a preside; ele integra todos os fiéis ao Corpo do Senhor, os constitui todos em Igreja, em sinaxe (união) dos imortais e formula a epíclese da parte de todos. Para a tradição oriental, é esse poder eucarístico, exercido pela primeira vez por São Pedro, que é a "pedra" sobre a qual a Igreja está fundada e que se transmite no poder de qualquer bispo, cada Sé episcopal sendo assim a cathedra Petri na qual cada um e todos os bispos presidem em conjunto. São Cipriano em Cartago, porque bispo, considera-se como sucessor direto da cathedra Petri, da qual a função essencial é justamente o poder de presidir a eucaristia.
Segundo São João Damasceno, "as três Pessoas divinas estão unidas, não para se confundirem, mas para se conterem reciprocamente". Cada Pessoa é uma maneira única de ter a mesma essência, de a receber dos Outros, de a dar aos Outros e assim de estabelecer os Outros na eterna circulação do Amor divino. O Pai assegura a unidade sem destruir a igualdade perfeita dos Três, o que exclui qualquer submissão subordinacionista e mostra magnificamente no Pai Aquele que preside no Amor trinitário.
A esta "imagem condutora", segundo Santo Inácio de Antioquia, na comunhão das Igrejas perfeitamente iguais em função da plenitude da eucaristia episcopal,57 na qual cada uma é "Igreja de Deus", uma preside no amor. É o carisma particular da autoridade de honra cuja finalidade é assegurar a unidade de todas as Igrejas, carisma de amor à imagem da Paternidade celeste. Antes da separação, a Igreja de Roma gozava desse carisma e o papa era o Pai à imagem do Pai celeste e, por isso justamente, despojado de qualquer poder jurisdicional sobre os outros. Tal é a fé da Igreja ortodoxa, a fé dos seus Padres.
À sua luz, o objetivo procurado pelo ecumenismo seria o acordo da fé das três Igrejas (romana, ortodoxa, protestante), do qual a unidade e a perfeita igualdade refletiam, como num espelho, o Mistério das Três Pessoas divinas. O Espírito Santo, o Espírito de comunhão fará Dom da sua alegria na qual as Três Igrejas se comprazerão em conjunto e, de cada Igreja, o Espírito fará Dom às outras.
As Igrejas serão unidas não para se confundirem, mas para se conterem reciprocamente. Cada Igreja será uma maneira única de possuir a mesma essência teândrica, de a receber das outras, de a dar às outras e assim elas se estabelecerão todas juntas na circum-incessão incessante do Amor divino.
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NOTAS:
1. In Theoph., Or.38,8.
2. Antífona do tom 4.
3. É a idéia central da obra de Pe. Paul Florensky, Coluna e afirmação da Verdade, 1913 (em russo).
4. São Gregório de Nazianzo, In laudem Basilii Magni, Or. 43, 48.
5. De prof christiana; PG 46, 244 C.
6. Khomiakoff, Quelques mots par Iln Chrétien orthodoxe sur les communions occidentales, Paris, 1853.
7. Orat. 1, 7; PG 37, 2.
8. De fide orth. 1,30.
9. In Ephes., hom. 3, PG 62, 29
10. In Il cor.,hom. 8, PG 61,82.
11. Hom. sur L’ev. de Saint Jean. PG 35, 1.622.
12. In Cant. Hom.. 13; PG 44, 1.048.
13. Comm. in. Mat., PG 13, 1.188.
14. São Gregório de Nazianzo, Or. 31, 26-27; PG 36,161.
15. São Máximo, Mystag.; PG 91, 668.
16. São João Crisóstomo, Hom 61, 1, PG 59, 381.
17. In Ioan. XI, PG 74, 560.
18. Epist. I ad Serap.; PG 26, 576 A
19. Attente de Dieu, Paris, 1950, p. 214.
20. "Hymne à l'amour divin", in La vie spirituelle, 27,1931, p. 201
21. Homilia 62.
22. De incarn., 8, PG 26, 996 C.
23. Discurso 38.
24. Explic. de Ia divine liturgie, cap. 37.
25. Evagro, Le Traité de I'Oraison, 58; São Gregório de Nissa, De Orat. Dom., PG 44, 1,157 C; São Máximo, Expl. Orat. Dom., PG 90,884 B.
26. Ver Thesaurus e De Trinitate
27. São Gregório de Nissa, De anima et resur., PG 46, 96 C
28. Cap. phys., 37, PG 150, 1.144.
29. Diádoco, Cem capítulos sobre a perfeição espiritual.
30. De Spiritu Sancto, XI, 49; XIV, 37.
31. PG 73, 757 A.
32. I. Hausherr, Les leçons d'un contemplatif. Le Traité de l'Oraison d'Evagre le Pontique, 1960, p. 83.
33. As revelações de São Serafim de Sarov.
34. Adv. haereses, III, 24, 1.
35. São Cirilo de Alexandria, PG, 73, 757 A
36. Cat. Myst., XVIII, 3.
37. ln Baptis. Christi., PG 46, 581.
38. Explicação da divina liturgia.
39. Hamman, La Messe, Paris, 1964, p. 94.
40. Adv. haereses, m, 16, 17.
41. II Cor 13,13.
42. Parece que atualmente para o diálogo ecumênico, a questão sobre a epíclese é tão importante quanto a do Filioqüe, porque é sobretudo à luz da epíclese que se poderia em conjunto ressituar corretamente o Filioqüe.
43. Esta afinidade de estrutura encontra-se em todas as famílias litúrgicas tanto quanto em Roma, orações de oblação da Tradição apostólica, quanto em Edessa, a liturgia de Addai e Mari. Ver Brightmann, Liturgies, Oxford, 1896; Dom Cabral, La Messe en Occident, Paris, 1932; S. Salaville, "Epíclese", in Dicionaire de théologie catholique, pp. 194-300.
44. De fide orth. IV, 13.
45. ln Matth., Hom 82.
46. De Pentec., Hom. 1,4.
47. In II Tim. Hom. 45; In Heb. Hom., 17; In I Cor. Hom, 27.
48. De Spir. Sancto, PG 29, 188. Ver Dom Connoly, The Liturgical Homelies of Narsai, Cambridge, 1909. Arquimandrita Pierre I' Huillier, "Théologie de l'épiclese", in Verbum Caro.
49. São Cirilo de Jerusalém, Cath. 22, 3.
50. Hom. 46 sobre São João.
51. Mystag., 21.
52. La vie en Jésus Christ, trad. S. Broussaleux, p. 97.
53. Mystag., 24.
54. V Cat. mystag., 16.
55. In Jean, XI, PG 74, 557.
56. "Eucharistie et Cantique des Cantiques", in Irénikon, 1950, p. 274.
57. Segundo Santo Irineu, "nossa doutrina está de acordo com a eucaristia, e a eucaristia a confirma" (Adv. haereses, IV, 18, 5).