domingo, 6 de março de 2011

O FENÔMENO DAS ORAÇÕES EUCARÍSTICAS LIVRES


O FENÔMENO DAS ORAÇÕES EUCARÍSTICAS LIVRES

Por Vanderson de Sousa Silva¹ (contato: semvanderson@hotmail.com)

No que tange ao assunto que se buscará estudar neste item, limitaremos à análise fenomenológica da ‘recitação’ de Orações Eucarísticas de forma livre, improvisada, adaptada e dispensando o texto de uma das Preces Eucarísticas contidas no Missal Romano.
A Constituição Sacrosanctum Concilium, no n. 37, assevera que a Igreja não deseja “impor na Liturgia uma forma rígida e única para aquelas coisas que não dizem respeito à fé ou ao bem de toda a comunidade. Antes, cultiva e desenvolve os valores e os dotes de espírito das várias nações e povos.” No que tange ao desejo de não impor uma forma rígida não vale para as Orações Eucarísticas, pois estas diretamente dizem respeito à fé, os textos eucológicos-anafóricos trazem em suas afirmações considerações acerca da depositum fidei.
A realidade mostra-nos uma tendência em alterar o que se refere a textos litúrgicos como os vários Ordos dos sacramentos e do próprio Missale Romanum, este fenômeno da improvisação e alteração nos textos litúrgicos depara-se com fundamentalmente dois perigos: o primeiro é a heterodoxia e o segundo, o personalismo na liturgia.
Em relação ao primeiro perigo, pode-se afirmar que o celebrante da Eucaristia ao alterar e principalmente ao rezar livremente a Oração Eucarística está exposto a afirmar na oração heresias trinitárias, cristológicas, eclesiológicas e pneumatológicas. Estas afirmações podem negligenciar o Credo, este é normativo da fé, não podendo ser dispensado como modelo de medida das verdades fundamentais da Fé cristã. A comunidade cristã tem o direito de receber por parte de seus pastores uma sólida formação nas verdades da fé. Boyer, corrobora esta constatação do perigo da heterodoxia na total liberdade de rezar livremente a Prece Eucarística, para o autor o que fez com que a Igreja antiga formulasse por escrito uma Anáfora Eucarística foi principalmente as formulações heréticas, particularmente a grande crise ariana, na segunda metade de século IV .
O segundo perigo da alteração dos textos dos Rituais dos sacramentos e da Celebração da Eucaristia é o do personalismo por parte do presidente da celebração ou da equipe de liturgia, este personalismo é a alteração que gera um novo rito , mas um rito pessoal – meu rito. Esconde esta prática um equívoco, afirma-se que o Ritual é fixista e que não se pode prender à letra; contudo, ao alterar o Ritual, cria-se um novo ritual, só que este é individual, não é eclesial, no sentido mais belo do léxico, pois os Ordines foram construídos ao longo da história da Igreja e pela sua autoridade, não é trabalho individualista.
Em 2004, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, escreveu a pedido do Papa João Paulo II uma instrução – Redemptionis Sacramentum, sobre alguns aspectos que se deve observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia, nesta instrução encontra-se alguns pontos que diretamente tange a temática da recitação das Orações Eucarísticas de forma ‘livre’, no n. 51 assevera restritivamente que “Sejam utilizadas somente as orações eucarísticas que se encontram no Missal Romano ou legitimamente aprovadas pela Sé apostólica [...]” . A Instrução sita a Carta Apostólica Vicesimus quintus annus de João Paulo II, nesta carta o Papa escreve que “Não se pode tolerar que alguns sacerdotes se arroguem o direito de compor orações eucarísticas” ou modificar o texto daquelas aprovadas pela Igreja.
Bogaz e Signorini apresentam critérios para a adaptação litúrgica em quatro pontos, a saber: fé, litúrgico, eclesiológico e antropológico. Segundo os autores a adaptação se fundamenta na Encarnação do Verbo “[...] que atua na história e se presentefica na realidade de todos os povos humanos [...]” , há uma fundamentação teológia da adaptação que é o Mistério Encarnatório de Cristo que assumiu nossa carne. Contudo os autores afirmam que a liturgia possui elementos que são imutáveis, de direito divino, assim afirmam que “[...] a liturgia deve conservar os elementos imutáveis (instituídos pelo próprio Cristo)” para “[...] preservar a unidade das comunidades eclesiais numa só Igreja [...]” e servir-se de um instrumento simbólico compreensível por todos os fiéis.
Para Bogaz e Signorini, o próprio Ritual apresenta possibilidades de escolhas e fórmulas para adaptarem-se às diversas circunstâncias; assim afirmam que “celebrar com criatividade é mais que introduzir novas expressões; é, sobretudo celebrar bem e explorar bem as possibilidades de escolha apresentadas pelos próprios Rituais [...]” .
As prenotandas dos Rituais apresentam-nos a possibilidade de adaptação na liturgia, o n. 23 da Instrução Geral sobre o Missal Romano – IGMR, afirma que para que “[...] aumente sua eficácia pastoral, apresentam-se nesta Instrução Geral e no Ordinário da Missa alguns ajustes a adaptações.”, estas adaptações consistem na escolha de alguns ritos ou textos, ou seja, de cantos, leituras, orações, monições e gestos “mais correspondentes às necessidades, preparação e índole dos participantes [...]”. Portanto, na própria Igreja possibilita esta adaptação e a escolha na execução dos Ritos litúrgicos, esta escolha é do presidente da celebração. Contudo, o n. 24 da IGMR, afirma que o sacerdote “deve estar lembrado de que ele é servidor da sagrada liturgia” e de que não lhe é permitido, por iniciativa própria “[...] acrescentar, tirar ou mesmo mudar qualquer coisa na celebração da Missa”, esta assertiva por parte das prenotandas fundamenta-se no n. 22 da Sacrosanctum Concilium que proíbe a mudança e alteração no Rito.
A IGMR do n. 352 ao 399 trata da possibilidade de variações e escolhas de fórmulas e orações no Ritual. O título do capítulo VII da IGMR é bem sugestivo: ‘A escolha da Missa e de suas partes’, o cap. VIII – ‘Missas e orações para as diversas circunstâncias e Missas dos fiéis defuntos’ e, por fim, o cap. IX tem como título – ‘Adaptação que compete aos Bispos e às suas Conferências’. Demonstrando que há uma variedade de possibilidades enorme nas escolhas das Missas e Orações do Ritual .
Especificamente no que tange às Orações Eucarísticas, a IGMR, afirma no n. 364 que se pode escolher “[...] o grande número de prefácios com que o Missal Romano foi enriquecido [...]” com a intenção de realçar os vários aspectos do mistério da salvação. Contudo o n. 365 normatiza a escolha das Orações Eucarísticas, estabelecendo que a Oração Eucarística I pode ser escolhida sempre, porém é “mais oportuno nos dias em que a Oração Eucarística tem o ‘Em comunhão’, ou seja, na solenidade da Páscoa, Ascensão, Pentecostes, Natal e outras, bem como nas celebrações dos Apóstolos e dos santos mencionados na Oração I (exemplo: Lino, Cleto, Clemente, Águeda, Luzia, Perpétua e Felicidade e outros). A Oração II por suas características particulares é mais “apropriadamente usada nos dias de semana ou circunstâncias especiais [...]” e nas Missas por um fiel defunto por causa do seu Memento que possibilita a nomeação do defunto. A Oração III, diz a IMGR que dê-se preferência a ela nos Domingos e festas, enquanto que a Oração IV, possuindo um Prefácio próprio e imutável, pode ser escolhida quando a Missa não possui prefácio próprio bem como nos Domingos do Tempo Comum.
Observa-se, portanto que a adaptação é possível e até desejada pela Igreja; contudo, como bem afirma a - IV Instrução para uma correta aplicação da constituição Conciliar sobre a liturgia – da Congregação pra o Culto Divino, que esta deve ser realizada “[...] no respeito da unidade substancial do Rito Romano [...]”
Contudo, observa o Papa João Paulo II na Alocução ao Regional Nordeste 3 da CNBB em 29 de setembro de 1995, na visita Ad limina apostolorum, que a liturgia deve manifestar e unir uma Igreja particular sem perder a unidade do Rito Romano e o Espírito litúrgico, particularmente o Papa refere-se a Igreja no Brasil. Para Beckhäuser, comentando esta mesma Alocução afirma que no Brasil não há lugar para um rito afro-brasileiro, visto que os afro-brasileiros foram evangelizados a partir do Rito Romano e que no dizer de João Paulo II, tem-se que “[...] enraizar a Liturgia Romana nas diversidades culturais do Brasil” . Muito oporturtuno é a compreensão da liturgia como epifania de um Outro que é Deus em seu Mistério, como bem se expressa Ratzinger:


"A liturgia não é um show, um espetáculo que necessite de diretores e de atores de talento. A liturgia não vive de surpresas ‘simpáticas’, de invenções ‘cativantes’, mas de repetições solenes. Não deve exprimir a atualidade e o seu efêmero, mas o Mistério Sagrado. Muito pensaram e disseram que a liturgia deve ser ‘feita’ por toda a comunidade para ser realmente sua. É um modo de ver que levou a avaliar o seu sucesso em termos de eficácia espetacular, de entretenimento. Desse modo, porém, terminou por dispersar o proprium litúrgico, que não deriva aquilo que nós fazemos, mas do fato de que acontece. Algo que nós podemos, de modo algum, fazer. Na liturgia age uma força, um poder que nem mesmo a Igreja inteira pode atribuir-se: o que nela se manifesta (que não é, portanto, dona, mas serva, mero instrumento), chega até nós."




Para Ratzinger, a liturgia tem um proprium que não deriva de sua ação, mas é a acolhida do Totalmente Outro. Assim, o presidente da celebração litúrgica tornando-se servo do Mistério que se manifesta nas ações litúrgicas – o proprium Dei.

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1. O autor é mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-RJ, graduado em Filosofia, Teologia.É pedagogo e graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense - UFF.

Paul Eudokimov:A Pneumatologia dos Padres na Economia da Salvação


Paul Eudokimov:A Pneumatologia dos Padres na Economia da Salvação
(II Parte da obra "O Espírito Santo na Igreja Ortodoxa)

Sumário
CAPÍTULO I: A TEOLOGIA DOS PADRES

1. O Dogma Trinitário

2. O Filho

3. A Unidade Cristológica da Natureza e a Diversidade Pneumatológica das Pessoas

4. O Espírito Santo

5. A Economia Trinitária da Salvação

6. O Espírito Santo, Santidade Hipostasiada, Doador e Reino

7. O Espírito Santo, «Fato Interior da 'Nova Criatura'»

CAPÍTULO II: O ESPÍRITO SANTO NA LITURGIA

1. Os Sacramentos

2. A Liturgia

3. A Epíclese

CONCLUSÃO:

1. O Espírito Santo na Busca Ecumênica

NOTAS


Capítulo I: A Teologia dos Padres
1. O DOGMA TRINITÁRIO
Na tradição patrística, teologia significa antes de tudo contemplação do Mistério trinitário. É o que pode ser chamado de "triadocentrismo" ortodoxo. O método dos Padres é sempre integral, ele afasta qualquer monismo centrado exclusivamente sobre o Verbo ou sobre o Espírito Santo e aspira a uma teologia equilibrada e articulada sobre as Três Pessoas divinas. Ela vê a Trindade das Pessoas antes da essência una da Deidade; ela parte das Hipóstases e depois precisa as processões para afirmar a unidade da natureza considerada como o conteúdo das Pessoas. Assim, São Gregório Nazianzeno fala das "Três Santidades reunindo-se numa só Dominação ou Divindade".1
No Evangelho de São João, o Senhor diz: "Quando ele vier, ele, o Espírito de Verdade, vos conduzirá à verdade plena". É à luz do Espírito de Verdade que os Padres constroem a teologia desta "verdade plena" e que é justamente a da Trindade divina. O Espírito Santo a revela. Ainda mais, o ofício do domingo canta: "O Espírito Santo vivifica as almas... ele faz resplandecer misteriosamente nelas a natureza una da Trindade". 2 Ele revela o ser humano criado à imagem de Deus, como um ícone vivo da Trindade.
De acordo com esta visão, por ocasião da festa de Pentecostes, a Igreja oriental celebra no domingo a Trindade e é a segunda-feira de Pentecostes que é consagrada ao Espírito Santo. Começa-se pela obra do Espírito: a revelação da Trindade e é depois que se festeja Aquele que a revela. Durante a liturgia, o ícone da Trindade é solenemente exposto no meio do Templo. Esse gesto litúrgico tem uma profunda significação mistagógica. Ao olharem para o ícone da Trindade, os fiéis contemplam ali a Igreja absoluta das Três Pessoas divinas, o seu Conselho ou Concílio eterno. Como qualquer ícone, este ícone é também "a imagem condutora" que se coloca como Arquétipo da Igreja terrestre dos homens e se erige como norma espiritual da existência humana.
Com efeito, é perfeitamente evidente que entre o Ser trinitário, o Pléroma, e a ausência de ser, o nada, não existe nenhum terceiro termo, nenhuma terceira solução viável 3. Compreendemos então esta insistência dos Padres, assim por exemplo, segundo São Basílio: "O homem recebeu a ordem de se tomar deus segundo a graça",4 e para São Gregório de Nissa: "O cristianismo é uma imitação da natureza divina".5 Da mesma forma, o cânon 34 das Regras Apostólicas precisa a norma constitutiva da Igreja: "A fim de que (na sua estrutura) o Pai, o Filho e o Espírito Santo sejam glorificados". O dogma da Trindade estabelece a economia eclesiológica, a sua "catolicidade" ou a sua "sobornost": a unidade das múltiplas pessoas humanas na natureza uma recapitulada em Cristo, "comunidade do amor mútuo"6 à imagem do amor trinitário. Para os eslavófilos, o valor do pensamento filosófico depende antes de tudo da concepção que se tem da Santíssima Trindade. Karl Barth na sua Dogmática (vol. IV) nota profundamente: "Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".
O equilíbrio trinitário sobressai claramente da oração do bispo pelos futuros confirmados-ungidos: “Ó Deus, marca-os com o selo do crisma imaculado; eles levarão no seu coração o Cristo, para serem uma morada trinitária". Assim os fiéis, marcados pelos dons do Espírito Santo, tornam-se cristóforos (portadores do Cristo) a fim de serem templos plenos da Trindade.
É à luz dessa plenitude que os Padres precisam a participação das Três Pessoas divinas na economia da salvação, segundo os modos próprios de cada um.
2. O FILHO
Jesus na Cruz dizia: "Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem". Não saber o que se faz é exatamente o comportamento de um doente, de um insensato surdo e cego dizendo em seu coração: "Deus não existe" (Sl 14,1). A salvação, para os Padres, nunca é uma sentença de tribunal. A salvação quer dizer antes de tudo a libertação do mal pelo princípio de regeneração, uma profunda metanóia, uma transformação do ser que ultrapassa de longe a simples reconciliação ou a remissão dos pecados. A salvação não é tanto a reparação jurídica da culpa, mas a recuperação ontológica da natureza, a sua perfeita cura.
Os Padres lêem esta noção na Bíblia. Com efeito, o verbo yacha em hebraico significa "estar à larga", à vontade; num sentido mais geral, quer dizer salvar de um perigo, de uma doença, enfim, da morte, o que dá e precisa a significação bastante particular do restabelecimento do equilíbrio vital e da cura. O substantivo yéchà, salvação, designa a libertação integral e no final a paz, shalom. No Novo Testamento soteria, em grego, vem do verbo sôzô; o adjetivo sôs corresponde ao sanus latim e indica que a saúde é dada àquele que a tinha perdido, que ele foi salvo da morte, fim natural de qualquer doença; soterios é aquele que anuncia a cura. Eis por que no Evangelho a expressão "a tua fé te salvou" comporta a versão "a tua fé te curou", os dois termos sendo sinônimos do mesmo ato de perdão divino, ato que cura a alma e o corpo na sua própria unidade.
De acordo com essa noção, o sacramento da confissão é concebido como "clínica médica" e a eucaristia é chamada por Santo Inácio de Antioquia pharmacon athanasias, remédio de imortalidade.
Jesus Salvador aparece assim "Médico divino, gerador da saúde", dizendo: "Não são os sãos que têm necessidade de médico, mas os doentes". A salvação opera a eliminação universal do germe da corrupção: "Por sua morte, Ele venceu a morte", canta a Igreja na noite de Páscoa. "Por ele, diz São Gregório Nazianzeno, a integridade, a saúde da nossa natureza é restaurada", pois "Jesus representa em arquétipo aquilo que nós somos".7 São João Damasceno conclui: "A salvação é o retorno do que é contrário à natureza para aquilo que lhe é próprio",8 o retorno assim para o seu estado normativo que é o corpo cristificado, verbificado: Igreja como "plenitude daquele que completa tudo em todos" (Ef 1,23).A presença do Cristo em cada ser será revelada no momento da Parusia (Mt 25,40-44), mas ela já faz de todos e de cada um os membros de Cristo. A inscrição sobre um vaso contendo os restos dos mártires: In isto vaso sancto congregabuntur membra Christi (neste vaso sagrado estão reunidos os membros de Cristo), ilustra bem todo o realismo da concepção do Corpo nas Sagradas Escrituras. Esse termo "corpo" é, aliás, claramente de origem eucarística (I Cor 10,17) e o Cristo é a sua Cabeça no sentido mais forte de princípio de integração. Os membros integram-se num organismo no qual jorra a vida de Deus na humanidade. "Mas a Cabeça será completada somente quando o corpo se tornar perfeito, quando nós estivermos totalmente co-unidos e ligados em conjunto", diz São Crisóstomo.9 Pela extensão da Encarnação, o Cristo Deus-Homem passa para o Cristo-Deus-Humanidade, Igreja.. "O totus Christus, é Ele e nós", diz Santo Agostinho 10 e é na Eucaristia que a Igreja é una e que ela é claramente Cristo: "Entre o corpo e a cabeça, não há lugar para nenhum intervalo, o mínimo intervalo nos faria morrer", diz Crisóstomo.11 No momento do "beijo da paz", canta-se: "A Igreja tornou-se um só corpo... a inimizade foi afastada e a caridade tudo penetrou". "Se alguém olha a Igreja, ele olha verdadeiramente o Cristo", diz São Gregório de Nissa. 12 Isso quer dizer que os cristãos, no mistério ainda velado da fé, não estão somente unidos entre eles, mas eles são um em Cristo. Assim, "a unidade dos irmãos" de que falam os Atos apresenta uma autêntica cristofania, o Cristo visível e manifestado. E inversamente, nota Orígenes, "é somente na comunidade dos fiéis que o Filho de Deus pode ser encontrado, e isto porque vive somente no meio daqueles que estão unidos". 13
O mistério da Igreja está em ser ao mesmo tempo "a Igreja dos penitentes, daqueles que perecem (Santo Efrém), e a communio sanctorum, a comunhão dos pecadores às coisas santas, a sua participação deificante no "único Santo", Jesus Cristo. A unidade teândrica, divino humana do corpo e a cristologia postulam a pneumatologia: a constituição das hipóstases humanas, a fim de que elas reúnam em si a Graça incriada à natureza criada no Espírito Santo, e se tornem de alguma maneira "em duas naturezas" para glorificar nesta estrutura cristológica o Deus uno e trino.
3. A UNIDADE CRISTOLÓGICA DA NATUREZA E A DIVERSIDADE PNEUMATOLÓGICA DAS PESSOAS
"O esplendor da Trindade brilhava progressivamente". 14 O Filho vem em nome do Pai para o fazer conhecer e cumprir a sua vontade. O Espírito vem em nome do Filho para lhe render testemunho, manifestá-lo e concluir com os seus dons a obra do Cristo.
O mistério da salvação é cristológico, mas não é pancrístico. Se a natureza humana recapitulada em Cristo é una, se "o Cristo é o centro para o qual convergem as linhas",15 e se ele "faz de uns e de outros um único Corpo",16 em compensação as pessoas humanas são múltiplas. A analogia com o corpo deve ser matizada. O pessoal não deve ser de modo algum dissolvido no corporativo impessoal; a unidade do corpo postula a catolicidade, a unidade qualitativa das pessoas humanas. Se o Cristo recapitula e integra a humanidade na unidade do seu corpo, o Espírito Santo refere-se às pessoas e as faz desabrochar na plenitude carismática dos dons, segundo um modo único, pessoal para cada uma delas. A narração de Pentecostes precisa bem que a graça veio sobre cada um dos assistentes, pessoalmente, nominativamente: "as línguas... dividiam-se, e pousavam uma sobre cada um deles" (Atos 2,3). No seio da unidade em Cristo, o Espírito diversifica: "Nós estamos como que fundidos num só corpo, mas divididos em personalidades", diz São Cirilo de Alexandria.17 Os dois são inseparáveis: o Espírito comunica-se pelo Cristo e o Cristo é manifestado pelo Espírito: "Impregnados do Espírito, nós bebemos o Cristo", diz Santo Atanásio. 18
Pode-se dizer de uma maneira geral que a ação santificante do Espírito precede qualquer ato no qual o espiritual tome corpo, se encarne, se torne cristofania (manifestação do Cristo). Assim o Espírito repousava sobre o abismo, como uma ave que choca, a fim de fazer surgir o mundo, lugar da Encarnação. Pela boca dos profetas, todo o Antigo Testamento é o Pentecostes preliminar em vista da vinda da Virgem e do seu fiat. O Espírito desce sobre Maria e faz dela a Théotokos, a Mãe de Deus, e de Jesus ele faz o Cristo, o Ungido. Das suas línguas de fogo nasce a Igreja, Corpo de Cristo.
De um batizado ele faz um membro do Cristo e do vinho e do pão, o Sangue e o Corpo do Senhor. Na alma de qualquer batizado, o Espírito introduz o Reino, é ele que pronuncia em nós "Abba, Pai", com a finalidade de nos fazer suplicar: "Abba, Pai, envia o teu Espírito Santo para que nós possamos dizer 'Senhor Jesus' e confessar assim a Trindade consubstancial e indivisível".
4. O ESPÍRITO SANTO).
Simone Weil encontrou uma imagem surpreendente de verdade: "Invocar o Espírito pura e simplesmente; um apelo, um grito. Como quando se está no limite da sede, que se está doente de sede, já não nos representamos o ato de beber em relação a si mesmo, nem mesmo em geral o ato de beber. Representamo-nos somente a água, a água tomada por si mesma, mas esta imagem da água é como um grito de todo o ser". 19
Os Padres exprimem a mesma verdade em termos teológico, mas desde que se trate do Espírito Santo, eles renunciam às expressões habituais, falam uma outra linguagem, cheia de uma admiração sem limites, uma espécie de embriaguez.O Espírito desce no mundo, mas a sua Pessoa dissimulas-se na sua própria epifania (aparição). Ele manifesta-se apenas nos seus dons e nos seus carismas. O grande mistério cobre-o. As suas imagens na Escritura são imprecisas e fugitivas: sopro, chama, perfume, unção, pomba, sarça ardente. São Simeão, o Novo Teólogo, diz: "O Teu Nome, tão desejado e constantemente proclamado, ninguém poderia dizer aquilo que ele é".20 Na Epifania, desce do céu como uma Pomba e repousa sobre Jesus.
Nas suas manifestações, ele é um movimento "para Jesus", a fim de o tornar visível e manifesto. A sua presença está escondida no Filho como o sopro e a voz que se apagam diante da palavra que eles tornam audível. Se o Filho é a imagem do Pai e o Espírito Santo a imagem do Filho, o Espírito, dizem os Padres, é único a não ter a sua imagem numa outra Pessoa, ele é essencialmente misterioso.
5. A ECONOMIA TRINITÁRIA DA SALVAÇÃO
A Igreja é ao mesmo tempo fundada sobre a Eucaristia e sobre o Pentecostes. O Verbo é o Espírito, as "duas mãos do Pai", segundo a expressão de Santo Irineu, são inseparáveis na sua ação manifestadora do Pai e no entanto inefavelmente distintos. O Espírito não é subordinado ao Filho, ele não é função do Verbo, ele é o segundo Paráclito, como o diz São Gregório Nazianzeno: "Ele é um outro Consolador... como se ele fosse um outro Deus". Vemos nas duas economias do Filho e do Espírito a reciprocidade e o mútuo serviço, mas o Pentecostes não é uma simples conseqüência nem uma continuação da Encarnação. O Pentecostes tem todo o valor em si mesmo, ele é o segundo ato do Pai: O Pai envia o Filho e agora envia o Espírito Santo. Terminada sua missão, o Cristo volta para o Pai para que o Espírito desça em Pessoa. São Simeão, o Novo Teólogo, sublinha o caráter pessoal da missão do Espírito: "O Espírito não permanece estranho à vontade da sua missão... Ele realiza pelo Filho aquilo que o Pai deseja, como se fosse o seu próprio querer".21 Ao mesmo tempo, ele nos "consola" da ausência visível do Cristo. A palavra Paráclitos significa: "aquele que é chamado junto", aquele que está "perto de nós" como nosso defensor, advogado e testemunha da nossa salvação pelo Cristo.
O Pentecostes aparece como o fim último da economia trinitária da salvação. Ao acompanharmos os Padres, podemos dizer que o Cristo é o grande Precursor do Espírito Santo. Santo Atanásio diz: "O Verbo assumiu a carne para que nós pudéssemos receber o Espírito Santo. Deus fez-se sarcóforo para que o homem se pudesse tornar pneumatóforo".22
Para São Simeão, o Novo Teólogo: "Tais eram a finalidade e o objetivo de toda a obra de nossa salvação pelo Cristo, que os crentes recebam o Santo Espírito".23
Igualmente, Nicolau Cabasilas: "Qual é o efeito e o resultado dos atos do Cristo? ... não é nada mais que a descida do Santo Espírito sobre a Igreja". 24
O próprio Senhor o diz: "É melhor para vós que eu parta... Eu suplicarei ao Pai e Ele vos dará um outro Paráclito". Assim a Ascensão do Cristo é a epíclese por excelência porque divina; o Filho suplica ao Pai que dê o Espírito Santo e, como resposta à súplica, o Pai envia o Espírito e faz vir o Pentecostes. Essa visão total das economias não diminui em nada o caráter central da Redenção crística e do sacrifício do Cordeiro, mas precisa a ordem progressiva dos acontecimentos e mostra o Filho e o Espírito cada um na sua própria grandeza e dimensão, cada um servindo o outro numa reciprocidade e num mútuo serviço e convergindo em conjunto para o Reino do Pai..
Durante a missão terrestre do Cristo, a relação dos homens ao Espírito Santo apenas se realizava em Cristo e pelo Cristo. Em compensação, após o Pentecostes é a relação ao Cristo que se realiza pelo Espírito e no Espírito Santo.
Com efeito, na época do Evangelho, o Cristo era historicamente visível, ele estava diante dos seus discípulos. A Ascensão suprime a visibilidade histórica: "O mundo não me verá mais" e nisso, a partida do Senhor é real. Mas o Pentecostes restitui ao mundo a presença interiorizada do Cristo e o revela agora não diante, mas no interior dos seus discípulos. "Eu virei a vós... eu estarei convosco até ao fim do mundo"; a presença do Senhor é tão real como a sua partida.
"Nesse dia (dia de Pentecostes) vós conhecereis que eu estou em vós." Essa interiorização opera-se justamente pelo Espírito Santo, como o diz São Paulo: "O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Santo Espírito" (Rm 5,5). É pelo espírito que nós dizemos "Abba Pai" e pronunciamos o Nome de Jesus.
Na expressão "um outro Consolador", podemos entender quase a identificação que faz o Cristo entre a vinda do Espírito e o seu próprio retorno. Esse outro Consolador, justamente alios e não heteros, outro mas não novo, quase o mesmo e porém manifestado de outro modo. Agora ele é biúnico, pois a ele se aplica a palavra relativa ao Espírito: "Para que ele permaneça eternamente em vós" e também a palavra relativa ao Cristo: "E eis que eu estou convosco para sempre, até ao fim do mundo". O Paráclito é ao mesmo tempo o Cristo sobre o qual repousa o Espírito e ele é o Espírito que revela e manifesta o Cristo, na sua inseparável simultaneidade e serviço recíproco.
Assim o Pentecostes começa a história da Igreja, inaugura a Parusia e antecipa o Reino. O Espírito integra-nos ao Corpo como os "co-herdeiros" de Cristo, faz-nos "filhos no Filho" e no Filho faz-nos encontrar o Pai. O Espírito de adoção opera a filiação divina e Santo Irineu aplica à Igreja o nome de "filho de Deus", filho adotivo do Pai.
Segundo II Cor 3,17 -18: "Pois o Senhor é o Espírito e, lá onde está o Espírito, está a liberdade. Nós todos que refletimos a glória somos transformados, como convém, à ação do Senhor, que é o Espírito" -, ao lado do Senhorio do Cristo, se estabelece o senhorio do Espírito.
A identificação do Reino ao Espírito, freqüente nos Padres,25 refere-se a uma variante da oração dominical: em vez de "que venha o teu Reino", lê-se: "que venha o teu Espírito Santo". Esta invocação marca o último ato da salvação, o retorno ao Pai e a seu Senhorio supremo: "E quando todas as coisas lhe forem submetidas, então o próprio Filho se submeterá Àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em tudo", "ele confiará a realeza a Deus Pai". A noção de Igreja-Corpo passa para a noção de Igreja-Família, Igreja-Casa do Pai, à imagem da Trindade.
6. O ESPÍRITO SANTO, SANTIDADE HIPOSTASIADA, DOADOR E REINO
Panagion, o Espírito é "todo santo" não por apropriação, mas pela sua própria natureza. Se qualquer Pessoa divina é santa, precisa São Cirilo de Alexandria, o Espírito é a própria santidade de Deus;26 da mesma forma, para São Basílio, "a Santidade é o elemento essencial da sua natureza"; assim, segundo os Padres, o Espírito é a Santidade hipostasiada.
A sua missão terrestre de ser Fonte inesgotável dos dons e carismas, de santificação e de santidade, incita os Padres a distinguirem entre o dom, a graça e o Doador da graça, a Pessoa do Santo Espírito, e eis por que, para o Oriente, o Espírito Santo não fica reduzido a ser o vínculo entre o Pai e o Filho, o seu nexus amoris. Com efeito, o amor é inerente a todas as Pessoas, "o amor é a própria vida da natureza divina" .27 Em relação ao amor, o Espírito define-se como o Doador de amor. O Espírito vivificante, a sua própria energia, atualiza a vida de amor, a sua circulação eterna no seio da Trindade. Segundo São Gregório Palamas, o Espírito é "a alegria eterna" 28 na qual os Três se comprazem em conjunto, a unidade de amor é a unidade dos Três Únicos. O Espírito é co-amante com o Pai e co-amado com o Filho; ele não é o Amor, mas o Espírito de Amor que inspira e faz de cada Pessoa divina o Dom ao outro, à imagem do Doador.
São Gregório Palamás purifica as grandes intuições do agostinismo medieval de qualquer simpatia em relação às "díades" no seio da Trindade. O Espírito Santo é o Espírito de Amor sem que seja, no entanto, diminuída a sua própria realidade hipostática, nem enfraquecida a antinomia trinitária.
Nicolau Cabasilas continua na mesma perspectiva a sua reflexão teológica, insistindo sobre o sentido oriental da "sinergia" que transcende o problema da predestinação e qualquer oposição trágica da liberdade e da graça. "A liberdade e a graça são as duas asas que elevam o homem rumo ao Reino", diz São Máximo. Essa liberdade real, dom do Espírito, não significa que o homem seja a causa da sua salvação, ela apenas testemunha a verdade do adágio patrístico: "Deus tudo pode, salvo obrigar o homem a amá-lo". Se o agostinismo ocidental acentua a salvação pela fé, o agostinismo oriental culmina na salvação pelo amor.
Eis por que, na vida da Igreja, o Espírito é Doador do amor em nós, "ele inflama a alma sem cessar e a reúne a Deus",29 a faz participar da circulação do amor trinitário. Essa qualidade do Espírito condiciona a oração da Igreja, que é o apelo da sua vinda, à epíclese. É porque ele é Doador e Dom que essa súplica epíclese é sempre escutada. Os Padres dizem: Deus escuta todas as orações sem garantir que elas sejam realizadas, à exceção da súplica do Espírito Santo. O próprio Senhor o diz: "Se vós sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai Celeste dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem" (Lc 11,13); a recusa contradiria a natureza do próprio Doador.
São Basílio resume admiravelmente a sua ação universal: "Vinda do Cristo: o Espírito Santo vem na frente. Encarnação: o Espírito lá está. Operações milagrosas, graças e curas, pelo Espírito Santo. Os demônios expulsos, o diabo subjugado pelo Espírito Santo. Remissão dos pecados, conjunção com Deus: pelo Espírito. Ressurreição dos mortos: pela virtude do Espírito. Na verdade, a Criação não possui nenhum dom que não lhe venha do Espírito".30
São Cirilo de Alexandria insiste sobre a presença pessoal do Espírito na alma por ele santificada: "Não é somente a sua graça, diz ele, nós possuímos o Espírito habitando em nós".31 A oração dirigida ao Espírito: "Rei do Céu, Consolador", pede-lhe: "Vem a nós e habita em nós".
A variante da oração dominical faz dizer a Evagrio: "Que o teu Reino venha; o Reino de Deus é o Espírito Santo, nós pedimos ao Pai que ele o faça descer sobre nós".32 Nesse sentido, "procurai o Reino de Deus" significa "procurai o Espírito Santo", o único necessário, e eis por que, segundo São Serafim de Sarov, "o fim da vida cristã é a aquisição do Espírito Santo",33 e, para Santo Irineu, "lá onde está o Espírito Santo, lá está a Igreja".34 A blasfêmia contra o Espírito, diz o Evangelho, não terá remissão porque ela contradiz a própria economia da salvação, sendo o Espírito a Fonte, o Doador das energias trinitárias deificantes que justamente atualizam a salvação.
7. O ESPÍRITO SANTO, "FATO INTERIOR DA 'NOVA CRIATURA'"
Por causa da queda, a ação de Deus tornou-se exterior à própria natureza. Segundo Cirilo de Alexandria, "o Espírito tocava os profetas do Antigo Testamento para o breve tempo de inspiração, depois deixava-os".35 No estagio seguinte, durante.. a sua missão terrestre, o Cristo confere o poder sacerdotal ao Colégio apostólico e dá-lhe a graça do Espírito: "Ele soprou sobre eles e disse-lhes: 'Recebei o Espírito Santo'" (Jo.20,22). Ele o dá não pessoalmente a cada um, mas à Igreja como Corpo, que o Colégio personifica nesse momento. É uma presença do Espírito Santo através dos seus dons e dos seus carismas; a sua manifestação não é apenas hipostática, mas antes funcional.
Na Epifania, o Espírito, visivelmente para todos, desce sobre a humanidade de Jesus e ali repousa. No dia de Pentecostes, ele desce sobre o mundo em Pessoa, hipostaticamente, e torna-se ativo no interior da natureza; ele estabelece-se como fato interior da natureza humana Ele age, portanto, no nosso interior, move-nos, torna-nos dinâmicos e, ao santificar-nos, ele transmite-nos algo da sua própria natureza. Sem confusão, o Espírito identifica-se a nós, faz-se o co-sujeito da nossa vida em Cristo, mais íntimo a nós que nós mesmos. Com efeito, a Pomba que repousa sobre o Filho, agora repousa sobre cada um dos "filhos no Filho": "como se a graça tivesse sido da mesma essência com o homem", nota São Macário de Egito. É o retorno ao estado normativo da natureza: "Pelo Espírito Santo toda a Criação é renovada na sua condição inicial", canta o ofício dominical. Através desse "fato interior", a Igreja, no seu mistério sacramental e litúrgico, encontra-se no oposto de qualquer ontologismo estático institucional; as energias vivificantes do Espírito a tornam um acontecer, essencialmente dinâmico.
Capítulo II: O Espírito Santo na Liturgia
1. OS SACRAMENTOS
O ensinamento dos Padres introduz-nos a ação operativa do Espírito Santo manifestada nos sacramentos e na liturgia. O Oriente, teocêntrico, antes de considerar nos sacramentos o remédio supremo para as nossas misérias, neles vê a Epifania, manifestação de Deus, e a efusão das energias deificantes. No seu diálogo com Nicodemos, o Senhor diz: "Se um homem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus". O batismo é uma verdadeira regeneração que exige, pois, a intervenção do Princípio santificador em pessoa. Ele faz da água batismal o veículo da energia divina, o sinal sensível da sua potência vivificante, criadora da vida nova; ela infunde-se e a transfunde. Segundo São Dionísio, a fonte batismal erige-se em "matriz da filiação", pois ela restitui ao Pai o seu filho.
A confirmação ou a unção crismal é o sacramento que confere por excelência os dons do Espírito Santo. Na Quinta-feira Santa realiza-se o ofício episcopal da consagração do santo crisma composto de óleo e de perfume; a oração sobre o crisma é análoga à epíclese eucarística. Segundo São Cirilo de Jerusalém: "Da mesma forma que o pão eucarístico após a epíclese já não é pão ordinário, mas o corpo de Cristo, o santo crisma já não é um óleo ordinário".36 São Gregório de Nissa afirma igualmente: "O óleo e o pão após a santificação pelo Espírito têm cada um a sua energia divina".37 É importante salientar que todos os sacramentos, como todos os atos eclesiásticos, têm a sua própria epíclese e realizam-se pela descida das energias do Espírito Santo. A epíclese do sacramento do matrimônio faz dele o pentecostes nupcial. Hipólito descreve a epíclese da ordenação de um ministro. Durante a imposição das mãos, é imposto o silêncio àqueles que assistem, propter descensum Spiritus. Todos se calam durante a descida do Espírito Santo.
A Eucaristia comporta o rito do Zéon: o diácono deita um pouco de água quente no cálice exatamente antes da comunhão, dizendo: "Fervor da fé, cheio do Espírito Santo". Comunga-se com sangue quente, pneumatizado, vivificado pelo Santo Espírito. Igualmente, após a fração do Pão-Cordeiro, colocando-o no cálice, o sacerdote diz: "Plenitude do Santo Espírito". O Espírito está presente e é comunicado com o corpo e o sangue de Jesus Cristo.
Nicolau Cabasilas vê no rito do Zéon a expressão do Pentecostes eucarístico. A água quente sintetiza o simbolismo da água e do fogo: "Os dons eucarísticos, tendo atingido a sua última perfeição, são-lhes acrescentados o sinal do Pentecostes".38 "Aquele que come este corpo com fé come com ele o fogo do Espírito Santo", comenta Santo Efrém, o Sírio.39.
2. A LITURGIA
Segundo a bela palavra de Santo Irineu, a liturgia é o "Cálice da Síntese",40 "não se pode ir mais além", nota São João Crisóstomo; ela estabelece-nos de imediato na plenitude, na presença das Três Pessoas divinas, e eis por que a liturgia começa pela proclamação trinitária solene: "Bendito seja o Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo". É também o tema da grande oração de ação de graças que canta "a vivificante Trindade": "É digno e justo de adorar o Pai, o Filho e o Santo Espírito". - "Tu e o teu Filho Único e teu Santo Espírito... Tu não cessas de fazer tudo para nos dar o teu Reino que há de vir", e o Reino é o Espírito Santo. O Cristo intercedeu junto do Pai e pela brecha no céu, o Doador-Paráclito não cessa de descer.
A lex credendi da teologia patrística passa na liturgia e forma a lex orandi. O Espírito repousa sobre a humanidade do Cristo deificada e saturada das energias divinas. O Pentecostes eucarístico faz-nos comungar desse corpo glorioso do Senhor, e o Espírito manifesta, "sob o véu" ainda, a deificação do homem, a sua participação ao Cristo Pantocrator e Cosmocrator. A Igreja toma disso consciência e na anáfora formula a oração doxológica articulada com a eucaristia: ações de graças primeiro ao Pai pela Criação e a Providência, depois pelo sacrifício do Filho oferecido na Ceia do Senhor, enfim, para a realização da salvação que a epíclese - a descida do Espírito - finaliza e atualiza para todos.
No seu tratado sobre o Espírito Santo, São Basílio insiste sobre "o Espírito de comunhão". É antes de tudo a comunhão das Pessoas divinas na sua natureza una. Desde o Pentecostes, diz Orígenes, "a Igreja está plena da Trindade", o que faz de todas as Igrejas uma comunhão à imagem do Deus Uno e Trino. Eis por que a liturgia insiste muito particularmente sobre o Espírito de comunhão, cujo pedido de cura é o mais freqüente: "Que ele nos una na comunhão dum só Espírito", e que se conclui na bênção completa: "Que a graça de Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam em todos vós".41
No fim da liturgia, o valor dessa comunhão explicita-se claramente, todos confessam a epíclese recebida e cantam: "Nós recebemos o Espírito celeste, nós vimos a verdadeira luz, nós encontramos a verdadeira fé, ao adorarmos a Trindade indivisível, pois foi ela que nos salvou". É o acordo final da Epifania trinitária radiante de luz e iluminando o sentido último da descida do Espírito Santo sobre os fiéis: o Espírito estabelece e sela a comunhão no Filho, faz-nos membros do Cristo, co-herdeiros e portanto filhos adotivos e estabelece-nos assim todos na comunhão do Pai.
A oração após a eucaristia pede: "Ó Cristo... dá-nos comungar contigo mais intimamente, no dia sem ocaso do teu Reino". No século futuro, através da humanidade deificada do Cristo, "castiçal de vidro", o Pai comunicará no Espírito Santo a irradiação da glória da sua natureza inacessível. Mas o Espírito já diz em nós: "Abba, Pai!" e antecipa assim a plenitude do Reino.
3. A EPÍCLESE
Para o Oriente, para além das pesquisas arqueológicas e dos comentários sobre os textos litúrgicos, trata-se antes de tudo, na epíclese 42 da confissão litúrgica da verdade vivida, da aplicação orante da Teologia do Espírito.
A epíclese especifica as relações entre o Filho e o Espírito e Santo. A unânime tradição patrística do Oriente atribui a potência operativa, em todos os "ritos sagrados", à intervenção hipostática da terceira Pessoa da Trindade.
Antes da epíclese propriamente dita, a liturgia procede por epíclese prévias, elevando-se gradualmente até a fórmula final. Já o ofício menor que precede a liturgia, a proscomídia ou prótese, começa pela oração: "Rei do céu, ó Paráclito... vem a nós e habita em nós"; a mesma oração situa-se no limiar da liturgia dos catecúmenos. A oração sobre os fiéis invoca "a graça do Espírito Santo sobre os dons que vão ser oferecidos" e a oração do Ofertório solicita: "Que o teu Espírito Santo desça sobre estes dons e sobre o teu povo".
É evidente que não é justo nem correto isolar o exato instante no qual se opera o milagre eucarístico, a métabolè, pois a liturgia toda e desde o seu começo representa um único Ato que termina na epíclese. À sua invocação global, ela recebe a resposta do Deus Filantropo, Amigo dos homens, e a epíclese é como o acorde final da única e completa sinfonia. Nesse todo indecomponível, apenas podemos fixar o momento após o qual o sacramento é considerado como realizado: "Eis no seu termo e realizado, tanto quanto está em nosso poder, Cristo, nosso Deus, o mistério da tua economia". Os fiéis cantando o testemunham: "Nós recebemos o Espírito celeste".
A epíclese situa-se no limiar da nossa comunhão com Deus, pois, segundo os Padres, se não há acesso ao Pai se não pelo Filho, da mesma forma não há acesso ao Filho senão pelo Santo Espírito. "Doador de vida e tesouro de graça", santificador em sua essência, o Espírito Santo revela-se como princípio ativo de qualquer operação divina.
A anáfora oriental dirige-se ao Pai para que o Espírito Santo manifeste o Cristo e é esta plenitude trinitária que exige e situa a epíclese.
O Cristo faz-nos o dom da comunhão com a própria vida da Trindade que exprime o hino à "Trindade consubstancial e indivisível". A grande prece de oblação dirige-se ao Pai, mas ela é interrompida pelo Sanctus trinitário, pois a adoração dirige-se indivisivelmente aos Três. Da mesma forma, é da bênção do "Três vezes Santo" que vêm as palavras institucionais: "na noite em que ele foi entregue", seguidas da elevação: "O que é Teu, tendo-o de Ti, nós o oferecemos a Ti para tudo e em tudo", e que se resolve como acorde final na epíclese. O sacerdote solicita do "Pai das luzes" o envio do Espírito a fim de que apareça o Filho. É, portanto, toda a Uni-trindade sagrada, as Três Pessoas consubstanciais que agem e se inserem aqui no quadro histórico da economia da salvação. Eis por que a ação de graças recapitula todos os benefícios oferecidos por Deus à humanidade. A Igreja agradece ao Pai que nos dá o seu Filho Monógeno e que nos envia o Espírito manifestando o Filho no sacrifício incruento do altar.
A oração do Ofertório "pelos dons preciosos oferecidos" resume em poucas palavras o essencial: "A fim de que o nosso Deus, Filantropo, que recebeu estes dons no seu santo altar celeste e invisível envie-nos em retorno o dom do Santo Espírito".
Se formos até ao final do século IV, observamos que as anáforas orientais invocam o Espírito a fim de que ele desça para mudar os dons no corpo e sangue de Cristo.43 São João Damasceno, segundo o seu hábito, sintetiza claramente a tradição patrística bastante firme: "A mudança do pão no corpo de Cristo efetua-se pelo poder do Espírito Santo". 44
A necessidade da sua intervenção explica-se pela significação e pelo papel especial do Sacerdócio ordenado. Para o Oriente, o único verdadeiro sacerdote é o Cristo: "Faz que nos seja dada a graça de receber da tua mão poderosa o teu corpo imaculado e o teu sangue precioso", suplica o sacerdote. Ele pede igualmente durante o canto do Cherubikon: "Eis que eu me aproximo de ti, de cabeça inclinada; e eu te suplico: não afastes de mim o teu rosto, não me rejeites do número dos teus servidores, mas digna-te admitir que estes dons te sejam oferecidos por mim, teu servo pecador e indigno. Pois és tu que ofereces e que és oferecido, que recebes e que és distribuído, ó Cristo nosso Deus..."
São João Crisóstomo diz claramente: "Nós, nós temos o papel de servidores; aquele que santifica e que transforma é Ele".45 E ainda: "O sacerdote não dirige a sua mão sobre os dons senão depois de ter invocado a graça de Deus..., não é o sacerdote que opera seja o que for..., é a graça do Espírito, sobrevindo e cobrindo com suas asas, que realiza esse sacrifício místico".46 Aliás, é toda a assembléia que suplica com o sacerdote: "Nós te pedimos, nós te suplicamos..."
De acordo com essa concepção, o sacerdote não se identifica com o Cristo, ele não pronuncia as palavras "Isto é o meu corpo" in persona Christi, mas ele identifica-se com a Igreja e fala in persona Ecclesiae e in nomine Christi. Para que as palavras do Cristo memorizadas pelo sacerdote adquiram a eficácia divina, o sacerdote invoca o Espírito Santo na epíclese. Das palavras da anamnese "tomou o pão... deu-o aos seus discípulos... dizendo... isto é o meu corpo", o Espírito Santo faz a anamnese epifânica, manifesta a intervenção do Cristo ele próprio identificando as palavras pronunciadas pelo sacerdote com suas próprias palavras, identificando a eucaristia celebrada com a sua Santa Ceia, e isto é o milagre da métabolè, da conversão dos dons. São João Crisóstomo o explica: "É o mesmo sacrifício que nós oferecemos, um hoje, o outro amanhã... Acredita que se realiza hoje o mesmo banquete que aquele no qual o Cristo estava à mesa, e este banquete não é diferente daquele".47
A epíclese eucarística é a tradição firme e unânime no Oriente. São Basílio fala da sua "origem apostólica".48 Sem uma crença inicial, mesmo em germe, na ação do Espírito Santo, a epíclese seria incompreensível e inimaginável. A história da consciência litúrgica não conhece revolução semelhante e uma emergência espontânea de afirmação dogmática desta importância. A epíclese exprime a "lex orandi" litúrgica à qual respondem o consesus dos Padres, a sua doutrina trinitária e a sua teologia do Espírito Santo.
A liturgia siríaca de São Tiago testemunha-o: "Que esta hora é augusta e como é temível este momento, meus irmãos! Pois o Espírito Santo vivificador desce das alturas do céu e, vindo sobre esta eucaristia, a consagra". Igualmente, a liturgia de São João Crisóstomo: "Nós te suplicamos que envies o teu Espírito Santo sobre nós e sobre estes dons..., mudando-os pelo teu Santo Espírito". A de São Basílio: "Agrade à tua bondade que venha o teu Espírito Santo sobre nós e sobre estes dons, que ele os abençoe, os santifique e manifeste este pão como o corpo de nosso Senhor... e este cálice como o venerável e verdadeiro sangue de nosso Senhor..."
Os Padres estabelecem a relação dinâmica do Espírito Santo com a humanidade de Cristo. A sua pneumatização deificante continua naqueles que participam da "carne sagrada". Eles não são somente configurados ao Cristo, mas são cristificados, verbificados de fato, "associados à sua plenitude" (CI 2,9), "concorporais e consangüíneos ao Cristo".49 São João Crisóstomo nota que "os comungantes são como leões",50 figuras de poder invencível. Não se trata de "penhores", mas da participação no fogo do amor divino e da permuta dos idiomas: na Encarnação de Deus, na sua humanização, responde a deificação pela graça do homem. São Máximo acentua: "A eucaristia transforma em si mesma e torna semelhante... de modo que os fiéis podem ser chamados 'deuses' porque Deus na sua totalidade os enche totalmente".51 Por uma verdadeira transferência de energia deificadora, diz Nicolau Cabasilas, "a lama transforma-se na substancia do Rei". 52
Ao comentar a epíclese sobre os fiéis, São Máximo, o Confessor, realça a sua ação dinâmica: "Nós todos que participamos no mesmo pão e no mesmo cálice, estamos unidos uns aos outros na comunhão ao único Espírito Santo".53 "Nós pedimos que envie o Espírito Santo", explica São Cirilo de Jerusalém, "pois, universalmente, o que o Espírito Santo toca é mudado".54 Assim, após ter mudado os dons, o Espírito opera a mudança dos próprios comungantes. É um outro aspecto da eucaristia, que os espirituais chamam "sacramento do irmão". São Cirilo de Alexandria insiste fortemente por seu turno sobre a unidade que "a eulogia mística" produz entre os fiéis". 55
"O Espírito e o Esposo dizem: vem Senhor!" É o sentido escatológico e da parusia da epíclese voltada para as núpcias místicas do Cristo com a Igreja, mas também com toda a alma, pessoalmente, nominativamente. Como diz Teodoreto de Cyr: "Ao consumarmos a carne do Noivo e o seu sangue, nós entramos na Koinonia nupcial". 56
Conclusão:
1. O ESPÍRITO SANTO NA BUSCA ECUMÊNICA
Os Padres do Concílio Vaticano II realçaram que a teologia do Espírito Santo estava pouco presente na vida e no pensamento da Igreja. É aqui que a contribuição da Ortodoxia, o testemunho da sua espiritualidade é importante. O Oriente não conheceu a Reforma nem a Contra-Reforma e ele conserva até hoje a Tradição da Igreja indivisa. A teologia bizantina do século XIV põe em realce de modo surpreendente o mistério fulgurante da Transfiguração do Senhor e revela o Espírito Santo repousando no Cristo. Jesus, cheio do Espírito Santo, envia-os aos homens, mas, numa relação inversa, o Espírito age sobre o Cristo, transfigura-o, ressuscita-o e manifesta-o plenamente no momento da Parusia. A epíclese situa-se no seio da vida litúrgica e sacramental. A antropologia da deificação está centrada sobre a pneumatização do ser humano e a sua penetração pelas energias deificantes do Espírito Santo. É o estilo pneumatóforo da santidade, do qual o testemunho mais brilhante é São Serafim de Sarov ensinando a aquisição do Espírito Santo como a finalidade da vida cristã.
A aspiração ecumênica à unidade faz-nos descobrir antes de tudo a desintegração de um só tronco, antes comum, e convida-nos a reatar os laços com a parentela original, quebrando as economias confessionais fechadas. A convergência que se procura da Verdade e da Vida não se pode fazer senão através da redescoberta da Tradição dos Padres. Mas não se trata de uma simples erudição; trata-se, para os teólogos, de uma conversão ao estilo patrístico. O retorno aos Padres significa ir em frente, não imitando-os, mas criando com eles, em continuidade fiel com a sua Tradição. Testemunho, segundo São Gregório Nazianzeno, "à maneira dos pescadores (apóstolos), não à maneira de Aristóteles", nem de Platão, nem de Heidegger. É um apelo a ultrapassar qualquer "fundamentalismo", seja bíblico ou patrístico ou filosófico, rumo ao jorrar da Água viva do Espírito Santo. Este testemunho só é eficaz através do "vivido" de Deus na experiência da liturgia, testemunho da Igreja orante e por isso mesmo mestra. Já constatamos que os lugares ecumênicos por excelência são as comunidades monásticas.
São Basílio insiste sobre o Espírito Santo como Espírito de comunhão. A epíclese sobre os dons é inseparável da epíclese sobre os fiéis, da conversão dos comungantes. A epíclese ensina assim que a caridade vertical, o amor de Deus, é constitutiva do ser humano ao mesmo título que a caridade horizontal designada pelos Padres como o "sacramento do irmão". É o equilíbrio perfeito entre "o adorador em espírito e em verdade" e "o servidor dos seus irmãos". O Espírito Santo clama em nós: "Abba, Pai" e revela em todo homem o rosto humano de Deus.
A integração da história ao Presente eterno, à economia da salvação, atrai a vinda do Reino e inaugura a Parusia já a caminho. À sua luz, os valores da cultura humana passam por um teste apocalíptico, por um ultra-passar dos valores penúltimos pelos valores últimos da existência humana. A escatologia bíblica é qualitativa, ela qualifica a história pelo eschaton e rompe qualquer concepção fechada e estática. A Igreja "em situação histórica" é sempre a Igreja da diáspora, comunidade escatológica a caminho do Reino, mas justamente por isso a caminho através da cidade terrestre; é o sentido da palavra: "Vós não sois do mundo, mas estais no mundo". Uma falta de presença no mundo é igualmente uma falta de fé evangélica. Deus nunca é uma compensação às fraquezas do homem. Deus surpreende o homem lá onde ele é forte e poderoso, e eis por que o Evangelho deve estar presente em todos os riscos e decisões da condição humana.
A Igreja dos últimos tempos oferecerá àquele que tem fome não as "pedras ideológicas" dos sistemas, nem as "pedras teológicas" dos manuais de escola, mas o "pão dos anjos" e, segundo a bela palavra de Orígenes, "o coração do irmão humano oferecido como puro alimento". Enviada ao mundo, a Igreja sacerdotal e profética inaugura o diálogo com todos os homens, diálogo que, segundo a expressão de São Gregório Nazianzeno, realiza-se à luz da "metástase" da existência e do "sismo escatológico de conclusão".
A Igreja se mostrará fiel ao Espírito Santo se ela também for fiel aos homens. Sua estrutura messiânica e carismática tem primazia sobre seu estatuto institucional e mostra-a Pentecostes perpétuo.
Com efeito, na sua realidade última, a Igreja é o sacramento da verdade, ela é como um concílio convocado em permanência na sua vida mística e litúrgica. Elevado à direita do Pai, o Cristo Sumo Sacerdote realizou a sua intercessão sacerdotal. É a sua epíclese permanente junto ao Pai que justamente faz da Igreja um Pentecostes perpétuo. "O Espírito Santo é o grande Doutor da Igreja", diz São Cirilo de Jerusalém. Doutor, pois é ele que mantém o charisma veritatis certum da Igreja. Assim quando um concílio é proclamado "ecumênico", ele o é porque o Espírito de Verdade, pela recepção e a própria vida do Povo da Igreja, identificou o Concílio ao Cristo-Verdade.
No dia de Pentecostes, a Igreja nasce e se manifesta na pregação apostólica seguida da primeira eucaristia, celebrada certamente por São Pedro. É da Eucaristia que procede e se institui o sacerdócio como sua condição; o bispo é antes de tudo testemunha da autenticidade da Ceia do Senhor e o bispo é aquele que a preside; ele integra todos os fiéis ao Corpo do Senhor, os constitui todos em Igreja, em sinaxe (união) dos imortais e formula a epíclese da parte de todos. Para a tradição oriental, é esse poder eucarístico, exercido pela primeira vez por São Pedro, que é a "pedra" sobre a qual a Igreja está fundada e que se transmite no poder de qualquer bispo, cada Sé episcopal sendo assim a cathedra Petri na qual cada um e todos os bispos presidem em conjunto. São Cipriano em Cartago, porque bispo, considera-se como sucessor direto da cathedra Petri, da qual a função essencial é justamente o poder de presidir a eucaristia.
Segundo São João Damasceno, "as três Pessoas divinas estão unidas, não para se confundirem, mas para se conterem reciprocamente". Cada Pessoa é uma maneira única de ter a mesma essência, de a receber dos Outros, de a dar aos Outros e assim de estabelecer os Outros na eterna circulação do Amor divino. O Pai assegura a unidade sem destruir a igualdade perfeita dos Três, o que exclui qualquer submissão subordinacionista e mostra magnificamente no Pai Aquele que preside no Amor trinitário.
A esta "imagem condutora", segundo Santo Inácio de Antioquia, na comunhão das Igrejas perfeitamente iguais em função da plenitude da eucaristia episcopal,57 na qual cada uma é "Igreja de Deus", uma preside no amor. É o carisma particular da autoridade de honra cuja finalidade é assegurar a unidade de todas as Igrejas, carisma de amor à imagem da Paternidade celeste. Antes da separação, a Igreja de Roma gozava desse carisma e o papa era o Pai à imagem do Pai celeste e, por isso justamente, despojado de qualquer poder jurisdicional sobre os outros. Tal é a fé da Igreja ortodoxa, a fé dos seus Padres.
À sua luz, o objetivo procurado pelo ecumenismo seria o acordo da fé das três Igrejas (romana, ortodoxa, protestante), do qual a unidade e a perfeita igualdade refletiam, como num espelho, o Mistério das Três Pessoas divinas. O Espírito Santo, o Espírito de comunhão fará Dom da sua alegria na qual as Três Igrejas se comprazerão em conjunto e, de cada Igreja, o Espírito fará Dom às outras.
As Igrejas serão unidas não para se confundirem, mas para se conterem reciprocamente. Cada Igreja será uma maneira única de possuir a mesma essência teândrica, de a receber das outras, de a dar às outras e assim elas se estabelecerão todas juntas na circum-incessão incessante do Amor divino.
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NOTAS:
1. In Theoph., Or.38,8.
2. Antífona do tom 4.
3. É a idéia central da obra de Pe. Paul Florensky, Coluna e afirmação da Verdade, 1913 (em russo).
4. São Gregório de Nazianzo, In laudem Basilii Magni, Or. 43, 48.
5. De prof christiana; PG 46, 244 C.
6. Khomiakoff, Quelques mots par Iln Chrétien orthodoxe sur les communions occidentales, Paris, 1853.
7. Orat. 1, 7; PG 37, 2.
8. De fide orth. 1,30.
9. In Ephes., hom. 3, PG 62, 29
10. In Il cor.,hom. 8, PG 61,82.
11. Hom. sur L’ev. de Saint Jean. PG 35, 1.622.
12. In Cant. Hom.. 13; PG 44, 1.048.
13. Comm. in. Mat., PG 13, 1.188.
14. São Gregório de Nazianzo, Or. 31, 26-27; PG 36,161.
15. São Máximo, Mystag.; PG 91, 668.
16. São João Crisóstomo, Hom 61, 1, PG 59, 381.
17. In Ioan. XI, PG 74, 560.
18. Epist. I ad Serap.; PG 26, 576 A
19. Attente de Dieu, Paris, 1950, p. 214.
20. "Hymne à l'amour divin", in La vie spirituelle, 27,1931, p. 201
21. Homilia 62.
22. De incarn., 8, PG 26, 996 C.
23. Discurso 38.
24. Explic. de Ia divine liturgie, cap. 37.
25. Evagro, Le Traité de I'Oraison, 58; São Gregório de Nissa, De Orat. Dom., PG 44, 1,157 C; São Máximo, Expl. Orat. Dom., PG 90,884 B.
26. Ver Thesaurus e De Trinitate
27. São Gregório de Nissa, De anima et resur., PG 46, 96 C
28. Cap. phys., 37, PG 150, 1.144.
29. Diádoco, Cem capítulos sobre a perfeição espiritual.
30. De Spiritu Sancto, XI, 49; XIV, 37.
31. PG 73, 757 A.
32. I. Hausherr, Les leçons d'un contemplatif. Le Traité de l'Oraison d'Evagre le Pontique, 1960, p. 83.
33. As revelações de São Serafim de Sarov.
34. Adv. haereses, III, 24, 1.
35. São Cirilo de Alexandria, PG, 73, 757 A
36. Cat. Myst., XVIII, 3.
37. ln Baptis. Christi., PG 46, 581.
38. Explicação da divina liturgia.
39. Hamman, La Messe, Paris, 1964, p. 94.
40. Adv. haereses, m, 16, 17.
41. II Cor 13,13.
42. Parece que atualmente para o diálogo ecumênico, a questão sobre a epíclese é tão importante quanto a do Filioqüe, porque é sobretudo à luz da epíclese que se poderia em conjunto ressituar corretamente o Filioqüe.
43. Esta afinidade de estrutura encontra-se em todas as famílias litúrgicas tanto quanto em Roma, orações de oblação da Tradição apostólica, quanto em Edessa, a liturgia de Addai e Mari. Ver Brightmann, Liturgies, Oxford, 1896; Dom Cabral, La Messe en Occident, Paris, 1932; S. Salaville, "Epíclese", in Dicionaire de théologie catholique, pp. 194-300.
44. De fide orth. IV, 13.
45. ln Matth., Hom 82.
46. De Pentec., Hom. 1,4.
47. In II Tim. Hom. 45; In Heb. Hom., 17; In I Cor. Hom, 27.
48. De Spir. Sancto, PG 29, 188. Ver Dom Connoly, The Liturgical Homelies of Narsai, Cambridge, 1909. Arquimandrita Pierre I' Huillier, "Théologie de l'épiclese", in Verbum Caro.
49. São Cirilo de Jerusalém, Cath. 22, 3.
50. Hom. 46 sobre São João.
51. Mystag., 21.
52. La vie en Jésus Christ, trad. S. Broussaleux, p. 97.
53. Mystag., 24.
54. V Cat. mystag., 16.
55. In Jean, XI, PG 74, 557.
56. "Eucharistie et Cantique des Cantiques", in Irénikon, 1950, p. 274.
57. Segundo Santo Irineu, "nossa doutrina está de acordo com a eucaristia, e a eucaristia a confirma" (Adv. haereses, IV, 18, 5).

Entrevista Demerval Saviani: educação é a força motriz da economia

Entrevista Demerval Saviani: educação é a força motriz da economia
É o papel que o autor de Escola e democracia e História das idéias pedagógicas no Brasil, este último vencedor do Prêmio Jabuti 2008, defende para a educação brasileira: o de força motriz da economia

Um dos nomes mais respeitados pelos docentes brasileiros, Dermeval Saviani, professor aposentado da Universidade de Campinas, foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2008 (na área de educação), com o livro História das idéias pedagógicas no Brasil (Autores Associados, 2007). Na obra, percorre as práticas educacionais desde os jesuítas até os tempos atuais, que classifica como "produtivistas". Autor também de Escola e democracia, livro em que lançou a pedagogia histórico-crítica e que ganhou edição comemorativa de 25 anos, Saviani credita a má qualidade do ensino ao baixo investimento e à falta de prioridade para a educação. E vê no PDE uma boa iniciativa, por se preocupar com a qualidade, mas questiona o fato de o Estado não assumir suas responsabilidades, dividindo-as com outras esferas sociais. Leia, a seguir, a entrevista.

Como o senhor vê o cenário pedagógico brasileiro após a adoção dos instrumentos de avaliação, como o Saeb, dos anos 90 para cá?
Trato desse assunto no último capítulo do meu livro. Abordo as idéias pedagógicas no contexto atual, mostrando as orientações que vêm numa linha muito fragmentada, mas com um fundo comum dado pela visão "produtivista" da educação, que a articula com as demandas do mercado. Daí a busca de resultados e a organização dos sistemas de avaliação em âmbito nacional, do trabalho com estatísticas, que também se revelam importantes para responder à pressão internacional para mostrar esses resultados. Se o país não está bem situado, isso é considerado para a obtenção de financiamentos internacionais e para o controle que a União exerce sobre estados e municípios quanto ao repasse de recursos. Essa visão do produtivismo e da busca de resultados está muito associada às idéias pedagógicas atuais.

Mas esses parâmetros não têm produzido melhora de qualidade da educação. Qual o grande nó da questão?
Há dois fatores fundamentais. O principal, determinante do outro, é a questão do financiamento. Há aí uma incoerência entre o discurso e os procedimentos da política educacional. Há um consenso hoje de que a educação é o fator mais importante numa sociedade do conhecimento, porque quem não o domina fica para trás. Portanto, os países cuja educação tem uma qualidade sofrível perdem competitividade, pois a mão-de-obra deixa a desejar. Os políticos dizem que [em função disso] não alcançamos um bom patamar de desenvolvimento, reforçamos as desigualdades e prolongamos a situação de deficiências nos vários níveis. Mas, apesar de esse ser o discurso dominante, não se investe de forma correspondente. Isso não ocorre em função do produtivismo. Utiliza-se um princípio aplicado desde o regime militar: a busca do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. Então, esse é o primeiro aspecto que interfere na qualidade da educação. Caso se investisse de forma maciça em educação, como fizeram outros países, teríamos condições de resolver o problema. A Coréia do Sul, durante 20 anos, investiu 10% do PIB em educação e saiu do estágio em que se encontrava - próximo ao do Brasil de uns 20 anos atrás - e se tornou um dos principais países, tanto no aspecto educacional como no desenvolvimento econômico.

Um investimento dessa ordem seria o suficiente para que tivéssemos esse ganho?
Creio que sim. Na discussão do Plano Nacional de Educação, logo após a aprovação da LDB, em 1996, minha proposta era duplicar imediatamente o percentual do PIB investido em educação, passar dos 4% para 8%, e aí nos situaríamos no âmbito dos países que mais investiam. Os dados do MEC na época mostravam que Estados Unidos, Suécia e Noruega, Austrália investiam entre 7,5% e 8,5%. Com uma diferença: eles continuavam investindo esse percentual do PIB com um sistema já instalado e a Educação Básica universalizada, com o analfabetismo erradicado e tendo uma economia bem mais forte do que a nossa. Como o Brasil se atrasou - os principais paí¬ses universalizaram seus sistemas de ensino na virada do século 19 para o 20 - deveríamos investir mais, como fez a Coréia do Sul. Se partíssemos do patamar de 10%, estaríamos sinalizando vontade política para resolver o problema. Fiz um exercício com os 8%, mostrando que dobrando os recursos de estados, municípios e União, poderíamos começar a resolver vários dos problemas, inclusive começar a implantar jornada de tempo integral para os professores, o que influiria no aspecto pedagógico.

E por que não foi aprovado?
Na época, se disse que isso era inexeqüível, que o país tinha muitas necessidades, que áreas como saúde, segurança e infra-estrutura também precisavam de investimentos. Mas a educação não compete com esses setores. É uma questão de definir o eixo do projeto de desenvolvimento nacional. Se a educação é o eixo e se investe maciçamente, a partir dela os outros setores serão beneficiados. Que é o que se fez com o automóvel no início do século 20. O modelo de desenvolvimento dos países capitalistas foi centrado no automóvel, a partir dele se desenvolveram a construção civil, a infra-estrutura de transportes, dinamizou-se a economia, ainda que com os efeitos colaterais negativos, como a verticalização das cidades e a poluição. Caso se invista em educação, se dinamizará a economia a partir da educação. Se espalharmos escolas pelo país e povoarmos essas escolas de professores e funcionários ganhando bem, estimulando a escolha dessas carreiras, haverá uma qualidade docente melhor, pois as pessoas mais bem formadas vão querer ser professores. Os candidatos a professor vão se dispor, como ocorre com a medicina, a investir na sua formação. No lugar da política de hoje, que procura reduzir o tempo de formação de professores para dois anos e os coloca rápido para dar aulas, teríamos cursos de formação longa. Quem vai se dispor a ter uma formação longa para ganhar os salários miseráveis que hoje vigoram? Se recebessem bons salários, que implicariam reconhecimento social da profissão, os jovens também teriam interesse em investir tempo e recursos para se formarem como professores. E, se ganharem bem, vão consumir e pressionar o comércio para haver mais bens para atender a essa demanda. O comércio pressiona a agricultura e a indústria para produzir mais, o que resolve os problemas do desemprego e da segurança, pois as crianças na escola não estarão sujeitas ao assédio do tráfico. Então, esse é o primeiro aspecto, a questão do financiamento.

E o segundo?
Diz respeito ao funcionamento das escolas, e aí as idéias pedagógicas têm certo peso, as concepções pedagógicas. As que estão circulando hoje são idéias que, por conta dessa visão pragmática de atendimento imediato ao mercado, põem em posição secundária os conhecimentos básicos, os conhecimentos científicos. A visão pós-moderna desconfia da ciência. A idéia de que a ciência produz conhecimentos sólidos é relativizada, pois esse conhecimento está sujeito a dúvida e contestações, portanto não é [visto como] qualitativamente superior ao conhecimento de senso comum ou religioso. Essas idéias entram nas escolas e levam os professores a achar que não precisam formar bem os alunos, pois esses conhecimentos se equivalem.

Não estamos caindo numa armadilha ao valorizar em excesso o "aprender a aprender" e ao depreciar o conhecimento e sua capacidade formativa?
A idéia de que as crianças, pela sua própria vivência, podem chegar a conhecimentos mais elaborados é inconsistente. A idéia de aprender a aprender, no sentido de que as crianças devem se desenvolver para a autonomia, é pedagogicamente importante. Entendo, como afirmava [o filósofo italiano Antonio] Gramsci (1891-1937), que o processo educativo vai da anomia à autonomia pela mediação da heteronomia. Na heteronomia entra o papel da educação, a importância dos adultos, dos professores em dar direções, indicar o que é secundário e o que é essencial, quais são os conhecimentos fundamentais a serem dominados, a partir dos quais as novas gerações ganharão autonomia. Caso se acredite que, a partir de suas próprias vivências e das relações entre si as crianças vão desenvolver conhecimentos elaborados, sistemáticos, ficaremos nesse lusco-fusco, nesse início de verdade e de erro que é o senso comum, que está posto e invadindo as escolas. Somam-se a essas idéias as condições precárias de trabalho dos professores, que vão para as escolas e têm de trabalhar com número grande de alunos, em condições de violência, de pressão do tráfico, salários baixos e essas idéias diluidoras. Que qualidade podemos atingir com isso? Inevitavelmente, os resultados, do ponto de vista do domínio do conhecimento, da formação educativa, serão precários.

O senhor é favorável à idéia de um sistema nacional de formação de professores?
Há uma idéia central pela qual venho me batendo desde que me formei, em 1966. Minha tese de doutorado foi sobre o conceito de sistema na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, com o título de Educação brasileira: estrutura e sistema, em que mostro que não existe sistema educacional no Brasil. Desde então, defendo a importância da organização de um sistema nacional de educação, o que implica organizar a educação em âmbito nacional, sob a coordenação da União, e envolvendo estados e municípios. Agora, quando o MEC se propõe a organizar um sistema nacional de formação de professores, isso faz sentido e podemos considerar que é um passo. O problema é que essas coisas acabam sendo feitas de forma atropelada e fragmentada. Em lugar de caminhar para um sistema nacional de educação - e no seu interior a formação de professores seria necessariamente organizada em âmbito nacional -, a União toma uma decisão unilateral e envolve a Capes, que já vinha fazendo esse trabalho em nível de pós-graduação (a avaliação), mas faz isso de forma justaposta. Cria no âmbito da Capes um Conselho de Educação Básica, mantendo o de Educação Superior, e convida umas 30 pessoas para integrar esse conselho. Quais as suas atribuições? Dar sugestões, fazer propostas para a organização da Educação Básica. Os recursos da Capes não são discutidos aí, e sim no Conselho da Educação Superior. Não faz sentido ter dois conselhos. Quem vai formar professores? Não é a Educação Básica, é a Superior. Então, essas questões não permitem considerar plenamente válidas essas iniciativas.

Mas o senhor crê que é preciso criar uma matriz comum para a formação de professores?
A educação escolar está ligada ao desenvolvimento e ao acesso da população a um saber sistematizado, de base científica. Para ter acesso a um saber não elaborado, a população não precisa de escola, parte de suas próprias vivências. A cultura letrada não se aprende de forma espontânea, tem de haver processos sistemáticos, formais, e o papel fundamental da escola é esse. Os currículos têm de ser organizados levando em conta esse dado e buscando selecionar, no conjunto dos conhecimentos elaborados da cultura letrada, os elementos fundamentais que permitam às crianças e aos jovens, adquirindo-os, ingressar nesse universo e ganhar autonomia para serem capazes de por si próprios aprender e conhecer outros aspectos.

Qual sua opinião sobre o Plano de Desenvolvimento da Educação?
O PDE acerta ao focar a qualidade. Mas vejo alguns problemas na proposta. Primeiro, a fragmentação. Logo que foi lançado, supunha que havia uma fundamentação que desembocaria nas metas a serem realizadas. Mas, ao entrar no site do MEC, o que se via eram ações, cerca de 30 no início, que hoje estão em torno de 47. Tenho impressão de que, dentro do Plano de Ação do Crescimento (PAC), o MEC pegou as ações que já desenvolvia e acrescentou a proposta dos empresários, o compromisso Todos pela Educação, baixou um decreto com esse mesmo nome, criou o Ideb, focando a questão da qualidade, e o PDE veio com essas características de somatório de ações justapostas, tendo esse foco na qualidade, via Ideb.

E a idéia de responsabilização, é boa?
Esse vínculo com o compromisso Todos pela Educação traz um problema que vem dos últimos governos, que é a tendência a colocar a responsabilidade da educação no âmbito de uma esfera indefinida que é a chamada sociedade. Então, a educação não é um problema do governo, é um problema da sociedade. Isso significa que todos são responsáveis: os empresários, as ONGs, as entidades filantrópicas, os indivíduos, quando educação, como está na Constituição, é um direito do cidadão e um dever do Estado. E como dever do Estado, as instâncias que o compõem, do município à União, teriam de assumir a responsabilidade. Outro aspecto problemático do PDE é a questão do financiamento. Embora o governo proclame que ampliou os recursos, a base de financiamento das ações é fundamentalmente o Fundeb, fundo que retém recursos dos estados e municípios para a manutenção da educação. Não acrescenta recursos, apenas reordena, porque a base, 25% de estados e municípios que a Constituição define, é a mesma. Os 18% da União ficam mais ou menos protegidos. O Fundef já era isso. O governo federal não incluía recursos do orçamento, embora a própria lei determinasse. Mas fixava o valor de tal modo, que podia utilizar os recursos do salário-educação para fazer a parte dele. Com o Fundeb, especificou-se que os recursos do salário-educação não podem entrar. Então a União tem de colocar recursos do orçamento, mas é um percentual pequeno. Quando somamos os recursos, vemos que, proporcionalmente, houve redução do Fundef para o Fundeb. Como foi divulgado na ocasião da sanção da lei que regulamentou o Fundeb, o número de estudantes atendidos pelo fundo passou de 30 milhões [no Fundef] para 47 milhões, um aumento de 56,6%. Em contrapartida, o montante do fundo passou de R$ 35,2 bilhões para R$ 48 bilhões, um acréscimo de apenas 36,3%. Então, proporcionalmente, houve redução. O PDE traz essa debilidade. Embora aponte na direção certa, está organizado de um modo que as chances de êxito são problemáticas.
Como o senhor define qualidade em educação?
Não é uma pergunta fácil, mas há parâmetros, até mesmo nas avaliações, para aferir a questão da qualidade. Claro que são parâmetros relativos e podem ser discutidos. No entanto, se tomarmos a educação escolar como tendo o objetivo principal de permitir o ingresso na cultura letrada, via alfabetização, e a partir daí, o domínio dessa cultura, via apropriação dos conhecimentos sistematizados, veremos que os componentes principais dessa cultura, dados pelo currículo da escola elementar - o domínio da língua, dos cálculos matemáticos, das ciências da natureza e das ciências sociais - são referências para as avaliações, tanto nacionais como internacionais. Então, diríamos que a escola é qualitativamente satisfatória quando permite o domínio desses conhecimentos, e é mais desenvolvida quando permite melhor o domínio desses conhecimentos, e não é tão desenvolvida quando fica na média e permite isso apenas em graus intermediários ou reduzidos. A precondição para se atingir níveis melhores de qualidade de ensino é a preparação dos professores. Desconfio de cursos que estabelecem metas específicas que podem ser definidas mês a mês, semestre a semestre ou ano a ano, porque os jovens não vão adquirir uma formação consistente por esse procedimento. É preciso fazer com que vivenciem um ambiente de rico, intenso e exigente estímulo intelectual. Se a universidade dispuser desse ambiente, os jovens terão uma formação sólida, e vão atuar nas escolas nessa mesma direção.

Fonte: Revista Educação
Publicado em 12/11/2008

Padres do deserto...


Ditos dos Pais do Deserto

1. Sobre Deus
«Se o homem não fala a seu coração: 'Deus e eu estamos sozinhos no mundo', nunca encontrará descanso», dizia o abade Alônio.
Dizia o abade Mios: «Obediência traz obediência. Se alguém obedece a Deus, Deus lhe obedece.»
«Se um homem realmente quisesse, um dia apenas, do amanhecer ao anoitecer, lhe seria suficiente para alcançar a medida da divindade», dizia o abade Monio.
Disse um ancião: «Ó homem, se quiseres viver segundo a lei de Deus, deves ter como protetor o próprio autor da lei.»
Dizia um ancião: «Se o teu pensamento mora em Deus, a força de Deus mora em ti.»
Disse um ancião: «Nunca dei um passo sem saber onde colocar os pés. Parava para refletir, sem ceder, até que Deus me tomasse pela mão.»
Um ancião disse: «Quando um se faz louco pelo Senhor, na mesma proporção o Senhor o tornará sábio.»
Disse o abade Iperéquio: «Conserva sempre o Reino dos Céus no espírito, e logo o receberás em herança.»

O abade Moisés afirmou: «É inútil tudo o que um homem pode pensar a respeito do que existe debaixo do céu. Somente quem persevera na recordação de Jesus está na verdade.»
Disse um ancião: «O esforço e a solicitude por não pecar têm uma única finalidade: não afastar de nossa alma a Deus que nela habita.»
Gregório disse: «Que a tua obra seja pura pela presença do Senhor e não pela exibição.»
Perguntou-se ao nosso santo pai Atanásio, arcebispo de Alexandria: «De que modo o Filho é igual ao Pai?» Respondeu: «Como a visão nos dois olhos».
Disse um ancião: «Faço aquilo de que o homem tem necessidade: temer o julgamento divino, odiar o pecado, amar a virtude, e invocar a Deus sem cessar».
Disse um ancião: «José de Arimatéia tomou o corpo de Jesus e o envolveu com um sudário limpo e num sepulcro novo, isto é, num homem novo. Que cada um tenha o máximo cuidado de não pecar, para não ultrajar a Deus que nele habita, e para não expulsá-lo de sua alma. O maná foi dado a Israel para alimentar-se no deserto, mas ao verdadeiro Israel foi dado o Corpo de Cristo.»
Dizia um ancião: «Um homem não pode ser bom mesmo se tenha a vontade de sê-lo e se esforce com todas as suas forças, se Deus não habita nele, pois ninguém é bom senão Deus.»
Disse um ancião: «Deus habita naquele no qual nada penetra de estranho».
Dizia um ancião: «Suporta o opróbrio e a aflição pelo nome de Jesus com humildade e coração contrito. Revela diante dele a tua fraqueza e ele será tua força».
Disse o abade Amun: «Suporta todo homem assim como Deus te suporta.»
Disse um ancião: Se o homem faz a vontade do Senhor, jamais deixa de ouvir a voz interior”.
O abade Jacó disse [a um irmão]: «Força teu coração a ir ao Senhor». E o irmão disse: «Como, meu pai?» E respondeu-lhe o ancião: «Como Jesus forçou seus discípulos a entrarem na barca, do mesmo modo força o teu coração a ir ao Senhor.»
Disse o abade João: «Esta palavra está escrita no Evangelho: “Quando Jesus chamou Lázaro para fora do sepulcro, suas mãos e pés estavam amarrados e seu rosto envolvido num pano; Jesus o desatou e o despediu. Nós, portanto, temos as mãos e os pés amarrados e nosso rosto está coberto com um pano obra das mãos do inimigo. Se, portanto, escutamos Jesus, ele nos livrará de tudo isso e nos libertará da escravidão de todos esses maus pensamentos. Então seremos filhos do Senhor, receberemos em herança as promessas e seremos filhos do Reino Eterno.»

CONCÍLIO DE NICÉIA (325 d.C.)


Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia

Os Cânones dos 318 bispos reunidos
em Nicéia da Bítinia (325 dC)

(Tradução de José Fernandes Vidal, para o Agnus Dei)



Cânon I: Eunucos podem ser recebidos entre os clérigos, mas não serão aceitos aqueles que se castram.

Cânon II: Aqueles que provieram do paganismo não poderão ser imediatamente promovidos ao Presbiterato, pois não é de conveniência um neófito sem uma provação de algum tempo. Mas se depois da ordenação constatou-se que ele anteriormente pecara, que seja afastado do Clero.

Cânon III: Nenhum deles deverá ter uma mulher em sua casa, exceto sua mãe, irmã e pessoas totalmente acima de suspeita.

Cânon IV: Um bispo deve ser escolhido por todos os bispos da província ou, no mínimo, por três, apresentando os restantes seu assentimento por carta; mas a escolha deve ser confirmada pelo metropolita.

Cânon V: Quem foi excomungado por algum bispo não deve ser restituído por outro, a não ser que a excomunhão tenha resultado de pusilanimidade ou contenda ou alguma outra razão semelhante. Para que esse assunto seja resolvido convenientemente, deverá haver dois sínodos por ano em cada província - um na Quaresma e o outro no outono.

Cânon VI: O bispo de Alexandria terá jurisdição sobre o Egito, Líbia e Pentápolis; assim como o bispo Romano sobre o que está sujeito a Roma. Assim, também, o bispo de Antioquia e os outros, sobre o que está sob sua jurisdição. Se alguém foi feito bispo contrariamente ao juízo do Metropolita, não se torne bispo. No caso de ser de acordo com os cânones e com o sufrágio da maioria, se três são contra, a objeção deles não terá força.

Cânon VII: O bispo de Aélia seja honorificado, preservando-se intactos os direitos da Metrópole.

Cânon VIII: Se aqueles denominados Cátaros voltarem, que eles primeiro façam uma profissão de que estão dispostos a entrar em comunhão com aqueles que se casaram uma segunda vez, e a dar perdão aos que apostataram. E nessas condições, aquele que estava ordenado continuará no mesmo ministério, assim como o bispo continuará bispo. Àquele que foi Bispo entre os Cátaros permita-se que, no entanto, seja um corepíscopo ou goze a honra de um presbítero ou bispo. Não deverá haver dois bispos numa única igreja.
Cânon IX: Quem quer que for ordenado sem exame deverá ser deposto, se depois vier a ser descoberto que foi culpado de crime.

Cânon X: Alguém que apostatou deve ser deposto, tivessem ou não consciência de sua culpa os que o ordenaram.

Cânon XI: Os que caíram sem necessidade, ainda que, portanto, indignos de indulgência, no entanto lhes será concedida alguma indulgência, e eles deverão ser "genuflectores" por doze anos.

Cânon XII: Aqueles que sofreram violência e indicaram que resistiram, mas depois caíram na maldade e voltaram ao exército, deverão ser excomungados por dez anos. Mas, de qualquer modo, a maneira de fazerem penitência deve ser examinada. O bispo poderá tratar mais brandamente alguém que está fazendo penitência e se mostrou zeloso em seu cumprimento do que quem foi frio e indiferente.

Cânon XIII: Os moribundos devem receber a comunhão. Mas se alguém se recupera, deve ser posto no número daqueles que participam das preces, e somente com eles.

Cânon XIV: Se alguns dos catecúmenos caíram em apostasia, deverão ser somente "ouvintes" por três anos; depois poderão orar com os catecúmenos.

Cânon XV: Bispos, presbíteros e diáconos não se transferirão de cidade para cidade, mas deverão ser reconduzidos, se tentarem fazê-lo, para a igreja para a qual foram ordenados.

Cânon XVI: Os presbíteros ou diáconos que desertarem de sua própria igreja não devem ser admitidos em outra, mas devem ser devolvidos à sua própria diocese. A ordenação deve ser cancelada se algum bispo ordenar alguém que pertence a outra igreja, sem consentimento do bispo dessa igreja.

Cânon XVII: Se alguém do clero praticar usura ou receber 150% do que emprestou deve ser excluído e deposto.

Cânon XVIII: Os diáconos devem permanecer dentro de suas atribuições. Não devem administrar a Eucaristia a presbíteros, nem tomá-la antes deles, nem sentar-se entre os presbíteros. Pois que tudo isso é contrário ao cânon e à correta ordem.

Cânon XIX: Os Paulianistas devem ser rebatizados. Se alguns são clérigos e isentos de culpa devem ser ordenados. Se não parecem isentos de culpa, devem ser depostos. As diaconisas que se desviaram devem ser colocadas entre os leigos, uma vez que não compartilham da ordenação.

Cânon XX: Nos dias do Senhor e de Pentecostes, todos devem rezar de pé e não ajoelhados.



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