sábado, 11 de junho de 2011

ANÁFORA EUCARÍSTICA E A CEIA PASCAL JUDAICA



ANÁFORA EUCARÍSTICA E A CEIA PASCAL JUDAICA

Por: Vanderson de Sousa Silva, Mestrando em Teologia na Pontifícia Universidade católica do Rio de Janeiro, formado em Filosofia, Teologia, Pedagogia e graduando-s eme Ciências Sociais - contato: semavanderson@hotmail.com)

Para melhor traçar um desenvolvimento histórico da Oração Eucarística II, dever-se-ia analisar anteriormente a origem da Anáfora na tradição judaica. J. P. Audet, em seu artigo na Revue Biblique afirma ser na tradição judaica o ‘lugar’ onde deveria situar-se a pesquisa sobre a gênese da Anáfora cristã. Ainda, Jean Daniélou defende o caráter judaico das orações cristãs, sendo imprescindível a pesquisa dos gêneros literários das beraká judaicas para entendermos o gênero das orações litúrgicas do cristianismo .




No primeiro momento, a pesquisa acerca da origem da anáfora cristã identificava a mesma, com a oração de benção, numa dependência literária. Com os estudos cada vez mais especializados, os liturgistas, verificaram que muito além desta dependência literária, havia a continuidade de: acentos e inspiração. A hipótese segundo a qual a forma original da celebração eucarística da Igreja primitiva deveria ser explicada a partir Ceia Pascal encontra defensores em Bickell e Thibaut , contudo esta dependência literária total encontra hoje rejeição por quase todos os especialistas em judaísmo, nos exegetas e liturgistas. Esta verificação foi possibilitada pela comum concepção – judaica e cristã - de que a Palavra de Deus é normativa da fé, oração e da práxis.


Se no primeiro momento, a pesquisa tende a explicar esta relação predominantemente em termos de dependência literária da prece eucarística diante da 'oração de benção', que caracteriza de modo todo singular a tradição litúrgica hebraica inteira, as contribuições posteriores vão muito além disso: o acento é colocado principalmente sobre a continuidade de inspiração e de temas existentes nas duas tradições, continuidade que se tornou possível, em particular, devido à constante referência feita por ambas à Palavra de Deus [...].


A Ceia de Jesus está numa relação direta com a páscoa judaica, visto que, Jesus instituiu a Eucaristia durante a celebração anual da páscoa. A origem da Prece Eucarística deve ser procurada nos gestos e nas palavras que Jesus realizou na ‘última Ceia’, esta, nos foi transmitida nas narrativas Bíblicas, que se tornaram referência normativa e estrutural da própria Oração Eucarística.
No entanto, os liturgistas e exegetas, indagam acerca do ritual utilizado por Jesus. Teria sido uma ceia festiva ou o ritual judaico da páscoa?
Ser-nos-ia imprescindível, analisar brevemente a última Ceia, em alguns aspectos importantes : As perícopes bíblicas que relatam a ‘última Ceia de Jesus’ no contexto da festa judaica da páscoa são: sinóticos – Mt 26, 2: “Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa [...]”; Mc 14, 1: “A Páscoa e os ázimos seriam dois dias depois [...]”; Lc 22, 1: “Aproximava-se a festa dos Ázimos, chamada Páscoa [...]”. Além do escrito joanino – Jo 12,1: “Seis dias antes da Páscoa [...]”.

Segundo o texto sinótico a ‘última Ceia’ – foi uma ceia pascal, enquanto, que para João (Jo 18, 28), a morte de Jesus seguiu-se a noite da páscoa hebraica. Pontos comuns: tratou-se de uma refeição, que seguia o ritual judaico de refeição, que como tal, tinha seu ocaso com uma oração de ‘ação de graças’. Esta, denominada de birkat há mazon , que seria traduzido por - a benção (de Deus) para o alimento (que foi tomado) -, esta ação de graças nunca podia faltar. Assim, se expressa a IGMR , no n. 72, indo bem de encontro com a tradição judaica de ação de graças pelas mirabilia Dei: “Na Oração Eucarística rendem-se graças a Deus por toda a obra da salvação e as oferendas tornam-se Corpo e Sangue de Cristo”. Contudo, corre-se o risco de se olvidar que há algo de específico na Oração Eucarística em relação ao birkat há mazon: a liturgia cristã, integrou, aperfeiçoou e enriqueceu-as. Dando um novo sentido, ou melhor, um sentido doxo-trinitário e escatológico à Anáfora Eucarística.


A tradição judaica peremptoriamente afirmava que um judeu não poderia comer, ainda que privativamente, sem, contudo realizar o ritual de berakah, este consistia em ‘agradecimentos em forma de bênçãos’ sobre os alimentos, especialmente o pão abençoado pelo pai de família, ou ainda por aquele que presidia a mesa, no início da refeição, dispensava a benção em cada alimento consumido depois com o pão. Numa refeição de cerimonia a mesma terminava com benção da taça, que era passada de mão em mão, realçando ainda mais o caráter comunitário da berakah .
O grande exegeta, Joachim Jeremias, em sua obra - Os ditos da última ceia , chegou à conclusão que foi verdadeiramente uma ceia pascal judaica o que Jesus realizou com os seus discípulos. Assim, fica respondida a indagação proposta acerca de que ‘ritual’ Jesus havia utilizado na Ceia. Bem como o grande liturgista, Dom Abade Salvatore Marsili, diz:


A Última Ceia de Cristo foi certamente uma ceia pascal judaica, tenha ela sido realizada no dia da Páscoa, no dia anterior (Quinta-feira Santa) ou três dias antes (terça-feira Santa). Que Cristo não tenha celebrado no dia oficialmente fixado é certo, já que ele morreu na cruz precisamente enquanto os judeus sacrificavam a Páscoa.


O estudo da liturgia judaica e sua influência na construção da liturgia cristã pode auxiliar-nos no intuito de compreender as origens do culto cristão, seja nas raízes veterotestamentárias como na ação cúltica dos povos da antiguidade. Esta visa não é um arqueologismo litúrgico, mas antes a melhor vivência de nossa prática litúrgica. Assim, o estudo da relação entre a ceia judaica e liturgia cristã, pode-se perceber a não dependência cristã em relação à outra, mas um novo sentido e agregação de novos elementos. Portanto, exclui-se qualquer tentativa de afirmar a total dependência cúltica e literária da liturgia cristã em relação ao culto judaico.

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