sábado, 11 de junho de 2011

O cristianismo plural:


O cristianismo plural:
história, teologia e pastoral


(Por: Vanderson de Sousa Silva - Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, formado em Pedagogia, Filosofia e graduando-se em Ciências Socias pela UFF - contato: semvanderson@hotmail.com)

1. Introdução
Este artigo busca perquirir acerca do cristianismo que é plural, analisando-o teologicamente e apontando as consequências na pastoral. Como compreender a fé cristã diante da pluralidade confessional e contextual do cristianismo? O que a história nos mostra? A pluralidade anula a unidade?
Partindo destas questões, buscar-se-á ainda que laconicamente pontuar as possíveis interfaces do problema da pluralidade e da unidade.

2. Prefação antropológica
Ao percorrermos a história das religiões rapidamente verificaremos que desde as origens pré-históricas houve uma pluralidade de manifestações de religiões . Basta para isto, pensarmos nos recentes estudos da antropologia, que tematiza também a cultura religiosa dos povos. Exemplo claro desta, poder-se-ia pensar no estudo do antropólogo polonês B. Malinowski em sua obra – Argonautas do Pacífico Ocidental, nesta obra etnográfica, Malinowski estuda os Trobriandeses, dentre outros aspectos estuda a religião dos mesmos. Poder-se-ia apresentar muitos outros estudos etnológicos acerca da religião como os de Tylor, Morgan, Evans-Pritchard, Boas, M. Mead e Lévi-Strauss.
O fenômeno religioso é encontrado em todas as culturas estudadas pela etnologia, desde povos animistas até politeistas, assim, muitos autores defendem um homo religiosus. Alguns traços são comuns às manifestações religiosas como a coesão social, o culto, liderança religiosa, contudo, existem traços que distingue-as, os antropólogos dividem em “calendáricos” e os de “momentos difíceis”. Por calendários compreendem todas as práticas baseadas no relacionamento com o sobrenatural, que se realizam com uma certa regularidade, há periodicidade. Enquanto que os ritos de “momentos difíceis” diferem dos “calendáricos”, por não haver uma regularidade cúltica, apenas irão realizar culto quando houver uma dificuldade posta. São práticas cúlticas para resolver um “momento difícil”, ainda que numa seca, todos envolvam-se no culto, é o individual que caracteriza-o.
Isto posto, poder-se-ia indagar: será que nossa experiência religiosa hodierna esta muito diferente do que os antropólogos perceberam nos povos estudados? Podemos hoje encontrar experiências religiosas “calendáricas” e de “momentos difíceis”?

3. Pluralidade no cristianismo: assentos históricos
Sem dúvida sempre existiu uma pluralidade religiosa e nem sempre foram amistosas as relações entre as partes. Tanto pluralidade de religiões como pluralidade no cristianismo, alguns autores afirmam haver no bojo do Cristianismo, vários cristianismos.
Na História da Igreja vemos uma transição do pluralismo para a uniformidade. Nos primieros séculos do cristianismo encontramos um pluralismo na liturgia, na disciplina, na organização institucional e na própria teologia. A partir do século X há uma mudança, onde o pluralismo é visto como destruidor da unidade. A mudança de milenio com a Reforma Gregoriana acentuou-se a uniformidade na liturgia, na disciplina eclesiástica e na organização da Igreja.
O próprio discurso cristão dos primeiros tempos era plural, segundo Sesboüé, haviam “três tipos de discursos principais que se apresentam nas origens da literatura cristã, a título de interpretação do querigma: o judeu-cristianismo, o gnosticismo e os Padre apostólicos” .
Numa atenta leitura dos textos neotestamentários perceberemos uma pluralidade teológica e de compreenções do cristianismo, basta compararmos a cristologica de Marcos com a literatura joanina e a paulina. O próprio Novo Testamento como consignação escrita da Revelação de Jesus Cristo é plural, coexistem cristologias no protocristianismo. Segundo Lacoste no Novo Testamento existem grupos que merecem quase o nome de escolas teológicas, bem como no período patrístico onde surgem as “escolas”, como a alexandrina onde brilham Clemente e Cirilo.
O próprio processo de afirmação do dogma perpassam correntes e escolas teológicas, exemplo clarividente são os debates teológicos do V e VI século, obrigando a Igreja a arbitrar o debate que opunha as diferentes escolas: alexandrina e antioquena.
A Liturgia era plural no primeiro milênio, as tradições litúrgicas: a liturgia romana, a africana, a galicana e a hispano-moçárabe. Os formulários de Anáforas Eucarísticas eram variadas, como a de Hipólito de Roma, Adai e Mari, Serapião, Crisóstomo. Os Sacramentários eram regionais: Sacramentário da Gália, Sacramentério Gregoriano (Roma). A Liturgia momento de unidade exprimia na sua estrutura a pluralidade que não opunha-se a mesma. O comum no primeiro milênio era o plural, exemplo disto eram as famílias litúrgicas: orientais (grupo siro-oriental, anticalcedoniano, calcedoniano) e ocidentais (romano, galicano, moçarábico, africano, ambrosiano). Com a virado do século X começa-se um processo de uniformidade litúrgica.
No campo da disciplina e organização eclesiástica, se constata o mesmo movimento de centralização e uniformidade. No período pós-apostólico verifica-se uma diversidade na organização e disciplina nas comunidades cristãs, exemplo é a forma de configuração do ministério eclesial: para Inácio de Antioquia o modelo era episcopal, sacerdotal, diaconal, enquanto para o Pastor de Hermas, o modelo era mais colegial – o colégio presbiteral. Contudo o modelo inaciano foi assumido pela Igreja na Reforma Gregoriana para unificar a Igreja, não olvide-se que neste momento passa a liturgia a existir na ordenação episcopal o juramento de obediência ao Papa.
Observa-se uma uniformização no segundo milênio e este modelo de centralização vai sendo cada vez mais corroborado na história da Igreja. A Reforma Gregoriana culmina em Trento. Contudo, este modelo encontra-se em crise na pós-modernidade.
A pós-modernidade apregoa valores tais como o pluralismo, a emergêmcia da pessoa (respeitar a idiossicrasia), emergência do indivíduo, em suma liberdade-autonomia, ainda que devedores do próprio cristianismo, a pós-modernidade paradoxalmente encontra-se em duas posições, a saber: exeige o respeito à pluralidade, mas massifica a cultura pela uniformidade, há uma tensão entre pluralidade e unidade.

4. Possível reflexão teológico-pastoral da questão
O problema da pluralidade e da unidade é posto ao homem desde a filosofia antiga com os pré-socráticos: Parmênedes na permanência da unidade, enquanto Herácleto na pluralidade, constante mudança. Ao londo do da construção do pensamento estas forças concêntricas e excêntricas vivem em tensão. O homem apela ao Uno, porém observa a pluralidade do real, Plotino e toda a metafísica medieval que culmina em Tomás de Aquino com a afirmação do Ser que se adequa à pluralidade dos entes. A própria teologia se depara com o problema da unidade e da pluralidade: como pode em Jesus co-existir duas realidades – humana e divina?
A teologia do pluralismo fundamentada está na união de Jesus em duas natureza: humana e divina, que não se confundem (plural – dual), mas não se negam (unidade – união hipostática). A fé eclesial goza de uma unidade multiforma. Esta unidade não pode negar a pluralidade, nem confundir pluralidade com sectarismos, mas unidade no plural.
Ainda que diversa seja a pluralidade na Igreja, que poderia por em perigo sua própria identidade e existência, esta pluralidade eclesial é diversa do pluralismo da atual sociedade, pois o pluralismo na hodierna sociedade resulta da ausência de uma instância que balize os valores e objetivos, já que esta instância não é aceita por todos os agentes socias. Ao contrário na Igreja existe uma estrutura que abaliza a mesma, esta é a normatividade da Escritura e da Tradição, ainda que em tensão esteja em seu bojo. Nossa fé é balizada pelo mistério da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, mistério este que não abarcamos, mas que se nos revela como ação salvífica para todos os homens.
Ainda que no cristianismo encontremos “escolas de teologia”, estas tendem pluralidade sempre brota do mesmo movimento da fé, que está catalisada para o mistério de Cristo. Portanto a fé se tematizará necessariamente na pluralidade que é legítima, esta fé da Igreja é uma unidade multiforme.
A Igreja prestará grande serviço à humanidade se conseguir implementar na sua vida interna e na pastoral: o manter na unidade o essencial e respeitar o plural. Pense-se nas diversar ondas de violência por causa da não adequação do plural na unidade: as guerras, discriminação contra homossexuais, bullying e ciberbullying nas escolas, problema da globalização que não respeita as culturas regionais e o próprio escândalo dos problemas concernetes a não busca do ecumenismo.
Coloca-se neste contexto o problema da inculturação da fé . Sabemos que não existe uma fé pura, intocável, mas fé inculturada, dentro de um quadro interpretativo. Assim, o cristianaismo para ser sinal universal de salvação para os homens tem que levar em conta a realidade da cultura. Sem uma interculturalidade, ou seja a da fé (que já está inculturada em uma determinada cultura) e a cultura a que se destina evangelizar, não haverá sucesso na evangelização e não terá mais sentido um cristianismo que não é sinal salvífico. Ao perder sua capacidade dialógica com as culturas, que são plurais, o cristianismo não será sacramento de salvação ao mundo. Perdendo seu sentido de existir. Isto é muito sério. Interpela-nos a buscar caminhos no diálogo com as culturas.
Miranda pondera que a fé encontrando-se objetivada numa cultura (pois toda fé já é inculturada) ao entrar em diálogo com outra cultura e havendo uma relação assimétrica entre as mesmas, sempre haverá o perigo de impor os valores culturais como valores evangélicos. Permanece o perigo de uniformização, tendência esta que ronda constantemente a Igreja na evangelização.
Poder-se-ia ainda ponderá acerca de algumas pistas: 1. A cultura é um elemento simbólico – grande possibilidade de diálogo, pois o cristianismo possui um grande campo simbólico; 2. A pós-modernidade apregoa valores como a emergência do indivíduo e da experiência afetiva – o cristianismo funda o conceito de natura individui; 3. A unidade multiforme no cristianismo ainda que não seja da mesma ordem que na sociedade hodierna pode contribuir para o enfrentamento dos problemas desta.
O cristianismo desde a sua origem busca a unidade na pluralidade, contudo, nos percursos históricos nem sempre conseguiu viver esta pluralidade, buscando e até impondo a uniformização. Este continua sendo um desafio para a inculturação da fé, pois. o respeito pelas culturas é um imperativo sem o qual está fadada ao insucesso a Evangelização.
Por fim, poder-se-ia encerrrar com a perspectiva do futuro do cristianismo segundo a visão de Libânio, que afirma:

O Cristianismo do futuro sofrerá de crescentes incertezas. Perderá a homogeneidade dos dogmas e se esforçará por interpretá-los nos diversos contextos culturais, geográficos, étnicos, religiosos. Ele se entenderá histórico, contextual, plural. Assistirá ao ocaso da cultura ocidental, cartesianamente racional, capitalista neoliberal, burocrática, centrada no varão conquistador, de raça branca e de religião católica romana hegemônica para ver surgir novo paradigma com valorização da ecologia, da mulher, da diversidade racial, do diálogo intercultural e interreligioso e da relação entre as pessoas e povos.

Cristianismo para continuar sua missão de anunciar o Evangelho a todos os povos deverá se aproximar mais dos excluídos, do mundo da afetividade das pessoas; dialogar verdadeiramente com as ciências e tecnologias. Ouvir mais que buscar ensinar, ouvir os intelectuais, os “ateus”, estar pronta a ouvir e mais tarda a falar. O Cristianismo perpetuar-se-á, não pela força da persuação ou até mesmo pela imposição, mas pelo diálogo e testemunho, na busca comum da verdade e do bem em vista de convivência humana e da paz.

Considerações finais
Ao término desta lacônica reflexão reconhecemos que mais ponderamos o problema que possobilitamos resolvê-los. Não era nosso propósito propor soluções, visto que as mesmas carencem de tempo e reconhecemos nossa limitação para tal empreitada. Contudo, esta possível reflexão ainda que com lacunas pode considerar o problema da pluralidade e na unidade, perpassando a prefação do diálogo com a antropologia e a história da Igreja e por fim apresentamos o problema da inculturação da fé na cultura que é plural. Em suma, nossa reflexão possibilita uma ulterior pesquisa da temática do cristianismo plural em seu bojo e no diálogo com a pluralidade pós-moderna.

Referências Bibliográficas
AUGÉ, M. Liturgia – história, celebração, teologia e espiritualidade. São Paulo: Editora Ave Maria, 1992.
LACOSTE, J-Y. Escolas Teológicas. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004.
MIRANDA, M. F. Existência cristã hoje. São Paulo: Loyola, 2005.
_______. Igreja e sociedade. São Paulo: Paulinas, 2009.
_______. Inculturação da Fé – uma abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001.
SESBOÜÉ, B; WOLINSKI, J. História dos Dogmas I. O Deus da salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002.
TITIEV, Mischa. Introdução à Antropologia cultural. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.

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