terça-feira, 19 de junho de 2012

A REFORMA DA ORAÇÃO EUCARÍSTICA

A REFORMA DA ORAÇÃO EUCARÍSTICA
Na Constituição Sacrosanctum Concilium não existe nada a propósito das novas orações eucarísticas e, durante a discussão deste documento do Vaticano II, a questão não vem nem tão pouco referida. A igreja romana conhecia uma única oração eucarística, o Canon Romano, um texto que teve a sua formulação definitiva entre fim do IV século e o VII século e dos tempos do Papa Gregório Magno (604 d. C.) nunca sofreu alterações de relevo.

O problema da oração eucarística surgiu durante os trabalhos do concílio Vaticano II. A publicação de obras mais antigas tinha feito descobrir os tesouros das antigas anáforas, sobretudo orientais, e tinha feito ver também a parte central da missa, isto é, a oração eucarística, podia ser um momento de grande participação; ao passo que, nos países baixos, era de uso livre a criação da anáfora com improvisação dos textos.
Para ir ao encontro desta necessidade da Igreja e, contemporaneamente, para garantir o controlo da igreja sobre a anáfora eucarística, Paulo VI decidiu de autorizar o Consilium ad exequendam constitutionem de sacra liturgia de preparar duas novas orações eucarísticas:
«Se deixe intacta a anáfora actual; componham ou procurem duas ou três Anáforas para usar-se em particulares determinados tempos».
Assim foram preparados três novos textos a acrescentar o texto do Canon romano. Ora vejamos cada das orações eucarísticas do missal de Paulo VI.


 


O CANON ROMANO
Essencialmente não foi alterado e foi considerado como um monumento da tradição litúrgica; limitou-se a fazer alguns acertos de redução da lista dos santos e eliminação das clausulas «per Christum Dominum nostrum. Amen» no fim das várias unidades que compõe o Canone. O texto do canon romano é privado de uma acção de graças própria; o prefácio é variável e dos dez textos do sacramentário gregoriano se chegou a mais de cem prefácios até a segunda edição do missal de Paulo VI.

Pode-se dizer que o canon romano é uma grande intercessão, baseada sobre o tema da oferta e do sacrífico.; dentro da intercessão foi inserido a narração da última ceia que fica isolada como um rito no rito e concentra sobre se toda a atenção dos fiéis. Depois da anamnesis e a oferta do pão e do vinho vem a oração com a qual se pede a Deus que aceite e receba o sacrifício, como acolheu o sacrifício de Abel, de Abraão e de Melquisedec. O anjo levará para Deus Pai, sobre o altar celeste, a oferta da Igreja e lhe fará descer com o dom da sua benção.
A narração da instituição e a doxologia do Canon Romano foram fixadas para todas as orações eucarísticas do rito romano.

ORAÇÃO EUCARÍSTICA II
O texto da segunda oração eucarística da missal de Paulo VI não é uma composição nova. Excepto algumas diferenças, esta oração deriva do texto anafórico da Tradição Apostólica, que foi atribuída a Hipólito; é simples atribuição porque ainda permanece como uma hipótese.
O texto sofreu algumas modificações. A linguagem de acção de graças foi corrigida e adaptada a mentalidade do homem de hoje. No fim foi acrescentado o Sanctus, que para ficar bem ajustado com a narração da instituição precisou de um pequeno texto de transição que, segundo a tradição ocidental não romana, leva o nome de incipit: Vere dignus. Esta oração foi transformada numa invocação ao Pai para que mande o Espírito Santo a santificar o pão e o vinho para que se transformem o corpo e sangue de Cristo.

ORAÇÃO EUCARÍSTICA III – este texto é a resposta mais directa à dificuldade de usar o canon romano; de facto os autores fizeram esta anáfora em base ao esquema solido da anáfora antioquena, com os temas sacrificais do próprio canon romano, de modo que não ficam completamente esquecidos. Depois do prefácio e do Sanctus temos o Vere dignus que, antes de chegar ao tema epiclético, continua a narração das obras de Deus típico de prefácio; são dois temas que esta oração apresenta:
a) Deus reúne em volta de si o povo
b) A acção cultual, própria do povo que se encontra coma vontade de Deus, está na oferta do sacrifício de louvor, ou seja no hino de acção de graças que sai do coração dos fiéis reunidos em assembleia.
Depois a anamnesis, o tema da oferta a Deus do pão e do vinho sacramental vem ampliado e torna-se uma oração para que Deus aceite e acolha a oferta da Igreja. Segue depois a epíclese de comunhão ou epíclese santificadora, para aqueles que comungam sejam reunidos na unidade. Este texto não mistura o tema da unidade como na anáfora de Hipólito, como a oração eucarística II, mas na anáfora de São Basílio, tirada da citação de Act 4, 32.

ORAÇÃO EUCARÍSTICA IV 
O texto não fazia parte do projecto inicial das novas anáforas. No início eram só três anáforas: a oração eucarística II, com um cunho da anáfora de Hipolito; a oração eucarística III, como reconstrução do Canon Romano; por fim, a anáfora de São Basílio.
A oração eucarística IV começa com um breve hino de louvor no qual se fala da glória de Deus: todo o criado celebra a Deus e o homem, é feito voz de toda a criatura, é intérprete do louvor cósmico. O homem é o sacerdote do universo. Este tema leva o do sanctus e depois inicia a narração das obras de Deus, a partir da criação para chegar à economia do antigo testamento, a economia da aliança. Fala do pecado do homem e a oração diz que Deus não abandona o homem no poder do pecado, mas veio ao encontro de todos.
Se comemora a renovação da aliança com toda a economia do antigo testamento narrando a vinda de Cristo no mundo e a sua obra para o homem. Indica a vida de Cristo e o homem deve aprender a viver não mais para si mesmo mas para Cristo que por ele morreu e ressuscitou. Da acção de graças passa a primeira epíclese, construída como de costume, e da epíclese se entra na narração da instituição através da citação de Jo 13, 1, que é a introdução joanina da última ceia.
No fim da anáfora temos as intercessões, nas quais esta oração abre ao vasto horizonte: se reza para a luz dos problemas e das necessidades do mundo inteiro para a qual se suplica a Deus. A epíclese da oração eucarística IV tem o tema da unidade.
Pode-se concluir que a reforma litúrgica de Paulo VI escolheu de forma programática o dado teológico e litúrgico: a eucaristia é o sacramento da unidade.
AS ORAÇÕES EUCARÍSTICAS PARA AS MISSAS DAS CRIANÇAS
Aquando do sínodo dos bispos (1967), nas intervenções sobre a reforma litúrgica, muitos bispos tinham manifestado o desejo de ter adaptações particulares para as missas com as crianças. Então foi promulgado o Directório das Missas com crianças (1973). Foram reformulados os textos das orações eucarísticas mas mantiveram-se a estrutura e o conteúdo de cada oração eucarística.

Os textos são ad exprimentum mas o conteúdo temático e a estrutura das três anáforas são coerentes com os princípios colocados no Directório e nos Praenotanda das Preces eucharisticae cum pueris. Uma mudanças mais relevante para a estrutura da anáfora é: inserção muitas aclamações para melhor envolver as crianças, na oração eucarística, na participação no mistério da fé.
Na primeira oração eucarística, dentro da acção de graças, temos três aclamações extraídas do sanctus nos três temas com o constituem. Assim a estrutura é completamente nova. Outra mudança de grande relevo encontra-se na anamnese: vem articulada em dois momentos. O primeiro deriva das liturgias ocidentais não romanas e descreve a eucaristia como obediência ao mandatum. O segundo momento descreve a celebração eucarística como anúncio, que é forma típica da anámnese da liturgia alexandrina: o fundamento bíblico está na 1 Cor 11, 26. Neste caso a reforma de Paulo VI introduziu outras duas teologias , juntamente com a teologia da memória: a ideia da missa como anúncio da morte e ressurreição do Senhor, e a concepção da missa como obediência e imitação daquilo que o Senhor fez na última ceia.
Além disso, os três textos de anáforas das missas com crianças inserem no fim da narração da instituição uma nova expressão: «E disse-lhes ainda»; estas palavras estão entre as palavras do cálice e o mandatum. Esta é a novidade que se insere claramente para indicar a estreita unidade entre o mandatum e a anamnese.

AS ORAÇÕES EUCARÍSTICAS DA RECONCILIAÇÃO
As orações eucarísticas «da reconciliação» são duas e têm uma origem na Ano Santo de 1975. Como foram promulgadas as três anáforas para as missas com crianças ad exprimentum, assim também foram permitidas às conferências episcopais o uso das missas da reconciliação que necessitassem. Sabemos que o ano santo tem sempre uma função penitencial e tem ligação com o sacramento da reconciliação. Tudo isto veio a propósito porque o actual rito da penitência faz esta escolha teológica: a reconciliação com Deus é ligada com a reconciliação com os irmãos na Igreja.

AS ORAÇÕES EUCARÍSTICAS «PARA VÁRIAS NECESSIDADES»
O documento da CCDDS sobre as orações eucarísticas publicado em 1973 falava da suficiência das quatro orações eucarísticas do missal, mas assegurava que, em circunstâncias particulares, seria possível a aprovação de novos textos de orações eucarísticas. Em 1972, foi aprovado o texto para «uso exclusivo da Suíça». Este texto expandiu-se para várias conferências episcopais. O texto do «Sínodo de Suíça» levou o título de «para diversas necessidades e foi inserido no Missal romano entre os formulários das «missas para diversas necessidades».
O tema do caminho faz parte quer no post-sanctus como no prefácio A e no prefácio B que diz: «Cristo, tua palavra viva, é a vida que nos conduz a ti». No texto da anáfora, commendatio sacrifici, temos outra referência do caminho: «cristo que ... com o seu sacrifício abre a nós o caminho para vós». E ainda, no fim das intercessões, antes da doxologia: «e também a nós, ao terminarmos a nossa peregrinação sobre a terra, recebei-nos na morada eterna, onde viveremos».
O tema do caminho é fundamental e constitutivo das anáforas «para as diversas necessidades». Por um lado, o tema é eloquente para a cultura contemporânea que percebe a vida como caminho no tempo e na história, por outro, é um tema bíblico bem expresso. O texto é consciente e o prefácio A começa com a imagem do povo de Israel que caminha no deserto.
 A imagem de Israel no deserto é sugestiva porque o povo que caminha é o povo que não tem uma meta precisa e é comparável à própria vida que é procura de significados entre várias provas e experiências. Deus não nos deixa sozinhos a caminhar; Deus nos sustenta sempre no nosso caminho (prefácio D). A salvação é «caminhar na fé e na esperança» para chegar a morada eterna onde Deus espera o homem. O texto tem imagens do filho pródigo que representa o caminho da vida humana.
A anáfora não é só pela linguagem próxima à cultura de hoje, mas tem também uma mentalidade, tem conceitos teológicos e sentimentos religiosos, em suma, tem um espírito de oração. Por estes motivos, os textos das anáforas «para as diversas necessidades» são mais usados do missal e são entre aqueles que têm maior consenso e são bem seguidos com participação. Certamente, têm também elementos para serem criticados, mas não obstante os defeitos, os textos transmitem a cultura da oração e torna fácil a rezar.

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